Resolução anti-nepotismo

Leia a íntegra da ação da AMB em favor da proibição do nepotismo

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2 de fevereiro de 2006, 18h07

A AMB — Associação dos Magistrados Brasileiros entrou nesta quinta-feira (2/2) com Ação Declaratória de Constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. O objetivo é que o STF declare constitucional a Resolução 7 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamentou a proibição do nepotismo no Judiciário.

Na ação, assinada pelo advogado Luís Roberto Barroso, a AMB afirma que o Supremo já afirmou ser constitucional a criação do CNJ e definiu as suas competências. Entre elas, está a de apreciar a legalidade dos atos administrativos do Judiciário, podendo até desconstituí-los. Ou seja, se um tribunal nomear um parente de juiz, o CNJ pode determinar sua exoneração.

“Se cabe ao Conselho proceder a tal avaliação diante dos casos concretos, ele pode também antecipar, de forma pública e em caráter geral e abstrato, aquilo que considera e considerará inválido”, sustenta o advogado.

Além disso, a AMB alega, na ação, que também cabe ao CNJ zelar pelo cumprimento do artigo 37 da Constituição, que diz: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

Para a associação, a resolução do Conselho Nacional de Justiça que regulamenta a proibição do nepotismo foi editada com base em duas competências atribuídas constitucionalmente ao CNJ.

O posicionamento do Supremo neste caso é importante para eliminar os questionamentos que vêm sendo levantados quanto à regra do CNJ. Muitas vezes, a norma foi preterida por liminares que garantem o emprego de servidores não concursados e parentes de juízes.

Em dezembro, o STF rejeitou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a resolução do CNJ. A ADI foi impetrada pela Anamages — Associação dos Magistrados Estaduais. O relator da ação, ministro Cezar Peluso, explicou que a entidade, por representar apenas os juízes estaduais, não tinha legitimidade para questionar a constitucionalidade de norma que afeta todo o Judiciário.

Leia a íntegra da ação da AMB

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

Autora: AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros

Objeto: constitucionalidade da Resolução nº 7/2005,

do Conselho Nacional de Justiça – CNJ

Sumário

I. Síntese das teses desenvolvidas

II. Nota prévia: breve histórico e conteúdo da Resolução nº 7/05 do CNJ

III. Cabimento da presente ação declaratória de constitucionalidade

1. Legitimidade ativa da AMB e pertinência temática

2. Ato normativo federal

3. Relevante controvérsia judicial e outros elementos

IV. Resumo dos principais argumentos invocados contra a

Resolução

V. Constitucionalidade da Resolução nº 7/05 do CNJ

1. Competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça

2. A vedação ao nepotismo como mandamento constitucional

3. Inocorrência de violação ao princípio da legalidade: vinculação direta da Administração às normas constitucionais

4. Ausência de violação à separação de Poderes e ao princípio federativo


5. Inexistência de direitos fundamentais oponíveis à Resolução

VI. Pedidos cautelar e principal

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB, associação civil sem fins lucrativos, com sede no SCN, Quadra 2, Bloco D, Torre B, Sala 1302, Shopping Liberty Mall (doc. nº 01), por seu advogado ao final assinado (doc. nº 02), com fundamento nos artigos 102, I, a, 103, da Constituição, e nos dispositivos pertinentes da Lei nº 9.868, de 10.11.99, vem propor

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

com pedido de providência cautelar

em face da Resolução nº 7, de 14.11.2005, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que “Disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências” (doc. nº 3).

I. Síntese das teses desenvolvidas

1. Ao longo da presente inicial, a autora da ação pretende desenvolver e demonstrar os seguintes argumentos:

A. O CNJ tem competência constitucional para zelar pela observância do art. 37 da Constituição e apreciar a validade de atos administrativos praticados pelos órgãos do Poder Judiciário (CF, art. 103-B, § 4º, II).

B. A vedação ao nepotismo é regra constitucional que decorre do núcleo dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativas.

C. O Poder Público está vinculado não apenas à legalidade formal, mas à juridicidade, conceito mais abrangente que inclui a Constituição.

D. A Resolução nº 7/05 do CNJ não afeta o equilíbrio entre os Poderes, por não subordinar um Poder a outro, nem o princípio federativo, por não subordinar um ente estatal a outro.

E. A Resolução nº 7 do CNJ não encontra óbice em eventuais direitos de terceiros contratados pela Administração e não há qualquer violação a direitos de servidores.

II. Nota prévia: breve histórico e conteúdo da Resolução nº 7/05 do CNJ

2. A Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004, criou o Conselho Nacional de Justiça, atribuindo-lhe competência para o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (CF, art. 103-B, § 4º). Desde a primeira hora, a idéia da criação de um órgão de controle social do funcionamento da Justiça, integrado, ainda que minoritariamente, por pessoas externas à magistratura, enfrentou aguerrida resistência. No plano político, a matéria foi superada pela deliberação majoritária qualificada do Congresso Nacional, que, atuando como poder constituinte derivado, aprovou a EC nº 45/2004. No plano jurídico, travou-se a última batalha na ADIn nº 3.367/DF, na qual o Supremo Tribunal Federal considerou que a configuração dada ao CNJ é compatível com os princípios da separação de Poderes e da forma federativa de Estado (CF, art. 60, § 4º, I e III).

3.Compete ao CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, II, da Constituição, “zelar pela observância do art. 37 da Carta e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário”. O art. 37 da Constituição, como se sabe, enuncia em seu caput princípios regedores da atividade administrativa, dentre os quais os da moralidade e da impessoalidade, e em diversos de seus incisos regula o acesso aos cargos, empregos e funções públicas, estabelecendo a regra geral do concurso público. O mesmo artigo 37 admite, porém, a necessidade eventual de cargos em comissão e funções de confiança, cujo acesso não se dará por meio do concurso público.

4.No exercício de sua competência constitucional, o CNJ editou a Resolução nº 7, de 14.11.2005, que cuida basicamente da nomeação de parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores para cargos de direção e assessoramento na administração do Poder Judiciário e da contratação, sem licitação, de empresas das quais sejam sócios parentes, cônjuges e companheiros dos agentes públicos referidos. Três são os propósitos principais da resolução:


(i) explicitar, de modo não exaustivo, condutas que caracterizam nepotismo no âmbito da atividade administrativa do Poder Judiciário. Dentre elas vale destacar, e.g., o provimento de cargos comissionados e funções de confiança por cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau, inclusive, dos juízes ou membros dos Tribunais respectivos, e a contratação, sem licitação, de empresa da qual sejam sócios cônjuges, companheiros ou parentes até o terceiro grau dos agentes públicos em questão[1];

(ii) descrever o nepotismo como prática ilícita e, a fortiori, vedá-lo no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário[2]; e

(iii) assinalar prazo para a exoneração dos atuais ocupantes de cargos de provimento em comissão e funções gratificadas que se encontrem nas situações vedadas pela Resolução[3].

5.A Resolução, no entanto, tem sofrido ampla impugnação por parte de membros e de órgãos do Poder Judiciário, seja por meio de providências judiciais diretas, que buscam impedir sua aplicação, tanto em abstrato como em concreto, seja por meio da omissão em dar-lhe cumprimento. Daí a necessidade da presente ação declaratória de constitucionalidade e das providências aqui solicitadas. A seguir estão expostas as razões que demonstram o cabimento da ação e impõem a procedência dos pedidos formulados.

III. Cabimento da presente ação declaratória de constitucionalidade

III.1. Legitimidade ativa da AMB e pertinência temática

6.A legitimidade ativa da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade e, agora, de ações declaratórias de constitucionalidade (CF, art. 103, IX com a redação que lhe deu a EC nº 45/04) é pacífica na jurisprudência desse Eg. Supremo Tribunal Federal – STF[4]. Com efeito, a AMB é entidade de classe de âmbito nacional, fundada em 1949, contando com cerca de catorze mil associados, entre juízes federais, estaduais, trabalhistas e militares (doc. nº 01).

7.Quanto à pertinência temática para a propositura da presente ação, o ponto é igualmente simples. Esse Eg. STF já reconheceu a possibilidade de a AMB discutir, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, questões que digam respeito ao aperfeiçoamento do Poder Judiciário, e não apenas aos interesses corporativos de seus associados[5]. Mesmo porque a missão institucional da AMB é o fortalecimento do papel da carreira da Magistratura no cenário nacional, o que envolve a representação da classe dos magistrados, mas a ela não se limita (doc. nº 01).

8.Ora bem. A Resolução nº 7/05 do CNJ incide sobre todos os órgãos dos Poder Judiciário – tendo, portanto, amplitude nacional – para o fim de explicitar a invalidade e vedar práticas, onde elas ainda existam, que a AMB há muito considera incompatíveis com os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade (CF, art. 37, caput). Nada obstante, e como se verá adiante, a validade da Resolução tem sido questionada e desafiada em diversos pontos do país. A repercussão desse debate para o aprimoramento ético e institucional do Poder Judiciário brasileiro é evidente, o que por si só demonstra a pertinência temática de a AMB trazer a questão a esse Eg. STF por meio da presente ADC.

III.2. Ato normativo federal


9.Podem ser objeto de ação declaratória de constitucionalidade, nos termos do art. 102, I, a, da Constituição, lei ou ato normativo federal. Esse Eg. STF já pacificou o entendimento de que atos normativos, para o fim de cabimento de ADIn ou ADC, são aqueles que, independentemente do invólucro formal que os veicula, têm como fundamento direto de validade a Constituição, sem intermediação de outro ato normativo[6]. Este é exatamente o caso da Resolução nº 7/05 do CNJ.

10.A Constituição de 1988 consagrou diversas normas – tanto princípios, como regras – que deveriam, por sua simples incidência, inviabilizar práticas de favorecimento pessoal fundado em laços familiares e/ou afetivos, tradicionalmente identificadas pelo rótulo geral de “nepotismo”. A Resolução limita-se, como se verá, a declarar tais vedações, dando execução, e.g., aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF/88, art. 37, caput). A Resolução não se destina a regulamentar qualquer outro ato normativo que a tenha antecedido, que não a própria Constituição; tanto é assim que um dos argumentos invocados contra ela é justamente o de que estaria “inovando” na ordem jurídica sem lei. A inconsistência desse argumento será examinada adiante. Por ora, basta o fato de que a Resolução nº 7/05 do CNJ é ato normativo federal nos termos exigidos pelo art. 102, I, a, da Constituição, sendo cabível, portanto, a presente ADC.

III.3. Relevante controvérsia judicial e outros elementos

11.Como se sabe, e de forma simples, a Ação Declaratória de Constitucionalidade justifica-se uma vez que a lei ou ato normativo federal tenham quebrada a presunção de constitucionalidade que lhes é própria. Resta, portanto, demonstrar – embora o fato seja, a rigor, notório – que isso se passa com a Resolução nº 7/05. Nos termos da Lei nº 9.868/98, art. 14, III, o meio pelo qual o autor da ADC pode demonstrar essa circunstância é a indicação de existir controvérsia judicial relevante sobre o tema. No caso da Resolução aqui discutida – e interessantemente –, além da existência de controvérsia judicial relevante, outros elementos têm contribuído para quebrar sua presunção de constitucionalidade e esvaziar sua eficácia inteiramente. Com efeito, já que a execução da Resolução está a cargo dos Tribunais, em alguns casos a absoluta omissão em dar-lhe qualquer cumprimento é também responsável por compor o quadro que não só justifica como exige as providências solicitadas na presente ADC

12.Com efeito, alguns Tribunais têm aplicado a Resolução com rigor[7], ao passo que outros já declararam que não pretendem aplicá-la[8]. Mandados de segurança têm sido impetrados pelo país afora contra a aplicação da Resolução e, de acordo com a informação que foi possível obter, há liminares afastando sua aplicação no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul[9]. A imprensa tem se ocupado do assunto, como se sabe, e ainda esta semana, na edição de 30.01.2005, o Jornal do Commercio publicou amplo levantamento sobre o tema, em matéria intitulada “Liminares amparam nepotismo” (doc. nº 4). Esse Eg. STF já recebeu duas ações diretas de inconstitucionalidade pretendendo ver declarada a invalidade da Resolução: a primeira (a ADIn nº 3627, Rel. Min. Peluso), não foi conhecida, e a segunda – a ADIn nº 3632 – encontra-se pendente de apreciação. Aguardam julgamento por essa Eg. Corte, igualmente, vários mandados de segurança nos quais a mesma questão é discutida[10].

13.Como se vê, há ampla e relevante controvérsia judicial sobre a aplicação da Resolução nº 7/05 do Conselho Nacional de Justiça, objeto da presente ação declaratória de constitucionalidade, e, mais que isso, há grave quebra de sua presunção de constitucionalidade, o que justifica – repita-se – a presente ADC.

IV. Resumo dos principais argumentos invocados contra a resolução

14.Os diferentes argumentos veiculados contra a Resolução, seja nas ações subjetivas referidas acima, seja nas ADIns, podem ser sistematizados e agrupados em quatro grandes temas, resumidos abaixo. Procurou-se catalogar todos eles, independentemente do grau de plausibilidade de cada um. É interessante destacar que nenhum desses argumentos envolve o conteúdo material da resolução. Ninguém, até onde se sabe, sequer tentou sustentar a validade em tese das práticas de nepotismo vedadas pela Resolução ou sua compatibilidade com a Constituição. Feita a digressão, volte-se ao ponto.


15.Em primeiro lugar, questiona-se a competência do CNJ para, por meio de ato próprio, proibir as práticas de nepotismo descritas na Resolução nº 7/05. Para alguns, apenas lei formal – isto é: ato editado pelo Poder Legislativo – poderia tratar da matéria. Há quem sustente, inclusive, à vista da existência de Proposta de Emenda Constitucional tratando explicitamente do tema (PEC nº 334/1996, de autoria do Deputado Aldo Arantes e outros), que apenas emenda constitucional poderia dispor sobre o assunto. Paralelamente a essa impugnação geral, argumenta-se que a Resolução estaria legislando sobre direito civil. Isso porque o Código Civil descreve como parente por afinidade, além dos ascendentes e descendentes do cônjuge, apenas seus irmãos (art. 1.595, § 1º), ao passo que a Resolução faz referência a “parente colateral de terceiro grau”.

16.Em segundo lugar, afirma-se que a Resolução nº 7/05 afrontaria a separação de Poderes, já que produziria uma subordinação do Poder Judiciário a um órgão de outro Poder – o CNJ –, violando com isso a autonomia dos Tribunais. Em terceiro lugar, alega-se que a Resolução violaria a Federação, e isso por duas razões: (i) ela invadiria a competência dos Estados-membros de disporem sobre a organização e estruturação de sua Administração Pública; e (ii) ela produziria a subordinação hierárquica dos Tribunais estaduais ao CNJ, órgão não estadual. Por fim, e em quarto lugar, a Resolução restringiria direitos dos servidores públicos e de terceiros, titulares de contratos, em particular criando nova modalidade de rescisão contratual em favor do Poder Público, não contida nos contratos já celebrados com a Administração.

17.Expostos os argumentos contrários, cabe agora demonstrar sua improcedência, com a afirmação da constitucionalidade da Resolução nº 7/05 do CNJ.

V. Constitucionalidade da Resolução nº 7/05 do CNJ

V.1. Competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça

Tese: O CNJ tem o poder-dever de zelar pela observância do art. 37 da Constituição e apreciar a validade de atos administrativos praticados pelos órgãos do Poder Judiciário (CF, art. 103-B, § 4º, II).

18.Na ADIn nº 3.367/DF, esse Eg. STF definiu a constitucionalidade do CNJ – bem como de suas competências –, tendo em conta sobretudo os princípios da separação de Poderes e da forma federativa de Estado (CF, art. 60, § 4º, I e III). Na realidade, parte dos argumentos suscitados contra a Resolução nº 7/05 são mera reprodução daqueles já examinados e rejeitados pela Corte naquele julgamento – a esse tema se voltará adiante. O que importa aqui é destacar que as competências do CNJ, ao menos em abstrato, são válidas e esse ponto não é objeto de discussão. O art. 103-B, § 4º, II da Constituição, conferiu ao CNJ duas competências gerais, ainda que relacionadas, verbis:

II. [i] zelar pela observância do art. 37 e [ii] apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

19.Nos termos da segunda competência referida no dispositivo, o CNJ deve apreciar a legalidade – ou, mais precisamente, a juridicidade – dos atos administrativos praticados por órgãos do Poder Judiciário, podendo inclusive desconstituí-los. Assim, se o CNJ considerar, e.g., que a nomeação de um parente de Desembargador para determinado cargo em comissão, no âmbito de um Tribunal, viola os princípios da impessoalidade, da moralidade e regras que regulam o acesso a cargos públicos – todos do art. 37 –, ele poderá declarar a invalidade desse ato e desconstituí-lo.

20.Pois bem. Se cabe ao Conselho proceder a tal avaliação diante dos casos concretos, ele pode também antecipar, de forma pública e em caráter geral e abstrato, aquilo que considera e considerará inválido. Como registra Sergio Ferraz, “aquilo que o administrador pode ordenar ou proibir em um caso isolado, pode ordenar ou proibir em forma geral, para todos os demais casos similares[11]. Na realidade, o Conselho não apenas pode veicular norma geral na qual antecipa sua apreciação acerca da validade de atos administrativos freqüentemente observados; é conveniente e desejável que ele o faça, já que essa providência confere à sua atuação maior previsibilidade e oferece aos destinatários de seu controle maior segurança jurídica e convicção de um tratamento isonômico[12].


21.Há, entretanto, mais que isso. Compete ao CNJ, também, zelar pela observância do art. 37 da Constituição. Assim, ao lado do controle geral de legalidade, o constituinte previu, igualmente, a fiscalização dos atos administrativos praticados pelo Judiciário à luz de um parâmetro constitucional específico: os princípios e regras do art. 37. Em seus consideranda, a Resolução nº 7/05 deixa claro seu fundamento e propósito: dar cumprimento ao disposto no artigo 103-B, § 4º, II, da Constituição Federal, adequando a administração do Judiciário aos parâmetros erigidos pelo artigo 37, caput, da Carta.

22.Ora, se o CNJ não está autorizado a identificar as condutas administrativas que considera violadoras do art. 37, como poderá zelar por seu cumprimento? É fora de dúvida que, ao atribuir ao CNJ tal poder-dever, a Constituição conferiu-lhe também os meios lícitos para desincumbir-se dele. Essa lógica está longe de ser nova e, a rigor, fundamenta toda a atuação regulamentar da Administração: quem determina os fins, concede igualmente os meios[13].

23.Nesse contexto, o argumento invocado contra a Resolução confunde-se, em boa medida, com o que já foi sustentado contra as próprias competências do Conselho e rejeitado por esse Eg. STF. A afirmação de que apenas a lei formal poderia proibir práticas de nepotismo com fundamento nos princípios do art. 37 já não é compatível com o texto constitucional: ele expressamente atribuiu tal competência ao CNJ. É claro que a normatização do CNJ deverá, ela própria, ser razoável e estar em harmonia com a Constituição. Mas esta será uma questão de mérito e não de competência.

24.Na realidade, e como se verá nos tópicos seguintes, essa espécie de argumento, além de irreconciliável com o texto constitucional vigente, encontra-se inteiramente ultrapassado pela moderna dogmática constitucional, que confere eficácia aos princípios da Constituição – sobretudo ao seu sentido nuclear – e vincula todo o Poder Público não apenas à legalidade, mas à juridicidade constitucional de forma mais ampla.

25.Em suma: a Resolução nº 7/05 foi expedida com fundamento direto em duas competências atribuídas constitucionalmente ao CNJ: zelar pelo cumprimento do art. 37 e realizar o controle da juridicidade dos atos administrativos do Poder Judiciário. Sob esse aspecto, portanto, não é passível de qualquer tipo de censura.

V.2. A vedação ao nepotismo como mandamento constitucional

Tese: Eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Vedação ao nepotismo é regra constitucional que decorre do núcleo dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativas.

26.Como se tornou corrente no direito contemporâneo, as normas jurídicas podem ser classificadas, quanto à sua estrutura, em regras ou princípios. Afora outras sutilezas teóricas[14], as normas-princípio são aquelas que indicam fins a serem alcançados, ou valores a serem preservados. As regras, por sua vez, limitam-se a descrever condutas determinadas[15]. As Constituições em geral, e a brasileira em particular, empregam as duas modalidades de normas: regras e princípios.

27.Por conta da característica que se acaba de enunciar, a estrutura dos princípios é composta de duas partes, que a doutrina convencionou denominar de núcleo e área não nuclear. O núcleo corresponde ao conjunto de efeitos determinados que decorrem logicamente do princípio. Exatamente porque se trata de condutas determinadas, esse núcleo do princípio tem a mesma estrutura das regras e funciona como elas. Para além desse núcleo, porém, os efeitos dos princípios podem tornar-se indeterminados. É o que acontece, e.g., com a dignidade da pessoa humana, cuja definição, a partir de um determinado conteúdo essencial, pode variar em função das concepções políticas, filosóficas, ideológicas e religiosas do intérprete[16]. Nessa área não nuclear, os princípios indicam um sentido geral e demarcam um espaço dentro do qual as maiorias políticas poderão legitimamente fazer suas escolhas.


28.Feita essa breve nota teórica, cabe apenas aplicá-la aos princípios da moralidade e da impessoalidade, ambos expressos no caput do art. 37 da Constituição. O princípio da moralidade, como se sabe, impõe aos agentes públicos o dever geral de boa administração, do qual decorrem, dentre outros, os imperativos de honestidade, atuação vinculada ao interesse público e boa-fé[17]. Isso porque os agentes públicos administram bens que não são seus devendo, como agentes delegados que são, atuar em nome, por conta e a bem do interesse público. A impessoalidade, por sua vez, tem um de seus fundamentos no princípio da isonomia e exige que a Administração Pública trate todos os indivíduos de maneira uniforme, sem atribuir privilégios ou desencadear perseguições. O tratamento desigual justifica-se apenas diante da existência de uma distinção de fato entre as pessoas ou situações, distinção essa que exija, tendo em conta os parâmetros da razoabilidade/proporcionalidade[18], o tratamento desigual.

29.Pois bem. Do núcleo dos princípios da moralidade e da impessoalidade extraem-se determinadas regras de forma imediata, sendo que uma delas é, sem dúvida, a que veda o favorecimento pessoal no acesso a cargos públicos e na celebração de contratos, isto é: as práticas de nepotismo. A rigor, esse comando é instrumentalizado pelas técnicas do concurso público e da licitação. Note-se que o fato de a Constituição haver considerado a técnica do concurso inconveniente na hipótese dos cargos em comissão não afasta a incidência da regra que veda o favorecimento pessoal ou familiar nesse contexto. Desse modo, a Resolução nº 7/05 do CNJ limitou-se a declarar uma obrigação que decorre diretamente do texto constitucional. Averbe-se, a propósito, de que o argumento de que haveria uma quebra da isonomia em desfavor do parente não resiste ao contraste com os antecedentes históricos e com as regras de experiência.

30.Exatamente nessa linha, aliás, já se manifestou esse Eg. STF, ao rejeitar o pedido cautelar formulado na ADIn nº 1521-4/RS. Nele se pretendia suspender dispositivos da Constituição do Rio Grande do Sul que veiculavam normas genéricas antinepotismo. Ao justificar a validade, ao menos em sede cautelar, dos dispositivos, o Ministro Marco Aurélio, Relator da ADIn, fez as seguintes considerações:

Com a Emenda Constitucional nº 12 à Carta do Rio Grande do Sul, rendeu-se homenagem aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da isonomia e do concurso público obrigatório, em sua acepção maior. Enfim, atuou-se na preservação da própria res pública.[19]

31.A afirmação que se acaba de fazer – isto é: que o conteúdo nuclear dos princípios da impessoalidade e da moralidade proíbe as práticas de nepotismo – não decorre apenas do sentido lógico de tais princípios e da interpretação do sistema constitucional. A percepção social acerca do tema reforça essa mesma conclusão[20]. Com efeito, a sociedade, por diferentes canais, dentre os quais a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e a própria AMB, tem manifestado amplo repúdio ao nepotismo no âmbito do Poder Público, considerando tais práticas violações diretas dos princípios referidos[21]. Os próprios detratores da Resolução nº 7/05 do CNJ não atacam o seu mérito nem negam que as condutas nelas descritas representam violação dos princípios constitucionais em questão.

32.Sintomaticamente, há diversos atos normativos, legais e infra-legais, veiculando comandos equivalentes aos contidos na Resolução nº 7/05, o que reflete o amplo consenso a que se chegou na matéria. Esse Eg. STF, e.g., editou a Resolução nº 246, de 18.12.2002, cujo artigo 7º veda práticas dessa natureza no âmbito da Corte[22]. O art. 357, parágrafo único, do Regimento Interno desse Eg. STF dispõe no mesmo sentido[23]. Normas similares constam do art. 177, inciso VIII, da Lei nº 8.112/90 – aplicável aos servidores públicos federais da União[24] –, do art. 10 da Lei nº 9.421/96 – aplicável aos órgãos do Judiciário federal[25] –, da Portaria nº 428, do Ministério Público da União – MPU[26] e do art. 22 da Lei nº 9.953/00 – também aplicável ao MPU[27].


33.Note-se que o fato de existirem leis veiculando normas similares às da Resolução nº 7/05 não significa que leis formais fossem indispensáveis para tanto e muito menos que apenas leis formais pudessem tratar do assunto. Em primeiro lugar porque a vedação do nepotismo decorre diretamente da Constituição. Em qualquer caso, e apenas por eventualidade, ainda que, por absurdo, nenhum outro órgão ou entidade pudesse explicitar tais regras e exigi-las dos agentes públicos seus subordinados, o CNJ poderia, por força das competências específicas que lhe foram atribuídas pela Constituição, como já referido.

34.Em resumo: a prática de nepotismo, sob a forma das condutas descritas na Resolução nº 7/05 não se tornaram ilícitas por conta da Resolução. A Resolução limitou-se a explicitar, de modo declarativo, o que já resultava da normatividade da Constituição. A ilicitude de tais práticas decorre diretamente do núcleo dos princípios da moralidade e da impessoalidade.

V.3. Inocorrência de violação ao princípio da legalidade: vinculação direta da Administração às normas constitucionais

Tese: O Poder Público está vinculado não apenas à legalidade formal, mas à juridicidade, conceito mais abrangente que inclui a Constituição.

35.Um terceiro argumento reforça a validade da Resolução nº 7/05 do CNJ e afasta definitivamente a argumentação que procura infirmá-la. Durante muito tempo imaginou-se que a ação administrativa estava vinculada de forma direta e inescapável à lei formal. Isto é: sua ação apenas poderia ser desencadeada por uma ordem ou autorização específicas do Poder Legislativo. Há muito, porém, já não é mais assim.

36.A crise da legalidade formal, a ascensão normativa da Constituição e as transformações do Estado contemporâneo deram nova feição à ação administrativa. A Constituição, como se sabe, atribui competências de forma direta ao agente público, bem como estabelece parâmetros a serem por ele observados. O Estado social contemporâneo é um agente ativo, que presta serviços e regula atividades, vinculando-se à realização de fins definidos pelo texto constitucional. A lei formal, incapaz de atender com presteza às demandas desses novos Estado e Sociedade, deixou de ser a única fonte de atos normativos ou a única intermediária entre a Constituição e os atos concretos de execução, sendo muitas vezes, ela mesma, fonte de delegação de poderes normativos para instâncias administrativas[28].

37.Nesse contexto, a vinculação específica do administrador à lei formal deu lugar a fenômeno diverso. A vinculação da Administração Pública passou a se dar em relação a um bloco mais amplo de juridicidade, que congrega não apenas as leis formais, mas também, e sobretudo, a Constituição[29]. Assim, mesmo na ausência de ordem ou autorização específica de lei formal, a Administração poderá estar obrigada a agir por conta de imposições diretamente extraídas do texto constitucional. É certo que, no âmbito de sua competência, o desenvolvimento que a lei formal venha a dar a determinada disposição constitucional terá preferência sobre aquele por acaso consolidado no âmbito da Administração. A ausência de lei, porém, não interfere com o dever da Administração de dar cumprimento à Constituição.

38.Um exemplo do que se acaba de descrever é, justamente, a vinculação direta aos princípios da Administração, previstos no art. 37 da Carta. A Constituição não só dirige tais comandos diretamente aos agentes públicos, como determina que os Tribunais de Contas levem a cabo um controle que, além da legalidade, avalia também a legitimidade – não poderá ser legítimo o que viole a impessoalidade ou a moralidade – e a economicidade dos atos daqueles que administram recursos públicos (art. 70, caput).


39.A ausência de lei específica detalhando o sentido de cada um desses princípios não isenta o agente público de observá-los e, menos ainda, de dar cumprimento ao seu conteúdo essencial. No caso, é bem de ver, há inclusive lei formal dispondo nesse sentido: o art. 11 da Lei nº 8.429/92[30], como se sabe, identifica e pune como ato de improbidade ações ou omissões que violem os princípios da administração pública.

40.O que se acaba de expor pode ser resumido na forma abaixo. A Administração não está vinculada apenas à lei formal, mas a um bloco mais abrangente de juridicidade que inclui, em seu ápice, a Constituição. A ausência de lei formal não autoriza a Administração a ignorar deveres que decorrem do núcleo de princípios constitucionais. Assim, independentemente da competência específica atribuída pela Constituição ao CNJ para zelar pelo cumprimento do art. 37, o fato é que todos os agentes públicos estão diretamente vinculados ao seu conteúdo o que, por si só, justificaria a edição da Resolução nº 7/05 do CNJ.

41.Antes de examinar os outros conjuntos de argumentos apresentados por aqueles que têm procurado impugnar a Resolução, vale fazer um registro sobre a alegação de que ela teria invadido a competência da União para legislar sobre direito civil, especificamente sobre a definição de relações de parentesco.

42.O argumento seria o seguinte. O Código Civil define como parente por afinidade os ascendentes, descendentes e irmãos do cônjuge ou companheiro, ao passo que a Resolução, e o Enunciado Normativo nº 1 do CNJ, que alterou a redação da Resolução, fazem referência ao parentesco por afinidade, alcançando o colateral de terceiro grau. Como essa relação de parentesco não existe no direito civil, a Resolução estaria dispondo sobre normas de família. Estas as normas pertinentes.

Código Civil, art. 1.595, § 1o. O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro”.

Enunciado Administrativo nº 1 do CNJ: A) As vedações constantes dos arts. 2º e 3º da Resolução nº 07, de 18 de outubro de 2005, abrangem o parentesco natural e civil, na linha reta e colateral, até o terceiro grau, inclusive, e o parentesco por afinidade, na linha reta ou colateral, alcançando ainda o parente colateral de terceiro grau, do cônjuge ou companheiro dos membros e juízes vinculados ao Tribunal” (negrito acrescentado)[31].

43.A alegação, com a vênia devida aos seus defensores, veicula uma total impropriedade. A Resolução não se ocupa de dispor sobre direito de família nem terá criado, por evidente, novas relações familiares. Seu propósito é apenas fazer incidir sobre os atos administrativos de que se ocupa os princípios da moralidade e da impessoalidade. Para isso, procurou identificar aqueles indivíduos que, de acordo com as regras de experiência, são mais freqüentemente alvo de tratamento favorecido por parte de agentes públicos, por conta de relações de afeto pessoal. Nada mais que isso.

V.4. Ausência de violação à separação dos Poderes e ao princípio federativo

Tese: A Resolução nº 7/05 do CNJ não afeta o equilíbrio entre os Poderes, por não subordinar um Poder a outro, nem tampouco o princípio federativo, por não subordinar um ente estatal a outro.

44.Os dois pontos referidos neste tópico já foram enfrentados e superados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn nº 3.367/DF. Foram, igualmente, analisados pelo subscritor da presente peça em parecer elaborado por solicitação do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e divulgado publicamente[32]. Por tais razões, ambas as questões são enfrentadas de maneira objetiva, com remessa ao acórdão e ao estudo referidos.


45.O conteúdo nuclear e histórico do princípio da separação de Poderes pode ser descrito nos seguintes termos: as funções estatais devem ser divididas e atribuídas a órgãos diversos (divisão de funções) e devem existir mecanismos de controle recíproco entre eles, de modo a proteger os indivíduos contra o abuso potencial de um poder absoluto (controle recíproco ou cheks and balances)[33]. Para os fins aqui relevantes, merece ênfase a divisão de funções, que envolve, em formulação que já se tornou clássica, a especialização funcional e a necessidade de independência orgânica, de modo que cada poder não dependa dos demais, seja para existir, seja para desenvolver as suas atividades[34].

46.Feita essa breve nota teórica, é singela a tarefa de demonstrar a inexistência de violação ao princípio da separação de Poderes. Em primeiro lugar, o Conselho Nacional de Justiça é órgão do próprio Judiciário[35], composto por magistrados, membros do Ministério Público e cidadãos, que não pertencem a outros Poderes nem a estes representam[36]. O ponto foi examinado de forma específica pelo Ministro Cezar Peluso, Relator da ADIn nº 3.367/DF:

“Sob o prisma constitucional brasileiro do sistema da separação dos Poderes, não se vê a priori como possa ofendê-lo a criação do Conselho Nacional de Justiça. À luz da estrutura que lhe deu a Emenda Constitucional nº 45/2004, trata-se de órgão próprio do Poder Judiciário (art. 92, I-A), composto, na maioria, por membros desse mesmo Poder (art. 103-B), nomeados sem interferência direta dos outros Poderes, dos quais o Legislativo apenas indica, fora de seus quadros e, pois, sem laivos de representação orgânica, dois dos quinze membros”[37].

47.Em segundo lugar, as decisões do Conselho estão sujeitas a controle judicial pelo órgão de cúpula do Poder do Judiciário, que é o Supremo Tribunal Federal[38], como aliás bem o demonstra a presente ação. Por fim, e já ingressando no mérito da Resolução, é difícil imaginar como a proibição de nomear parentes de magistrados para cargos em comissão ou de contratá-los temporariamente ou ainda de contratar, sem licitação, empresas das quais parentes de magistrados sejam sócios poderia afetar a autonomia dos Tribunais. Os Tribunais estão livres para, afora os parentes em questão, e observados os parâmetros constitucionais e legais, nomearem e contratarem quem entenderem por bem. Por certo continuarão a existir no mercado de trabalho inúmeras pessoas e empresas capacitadas a prestarem serviços aos Tribunais. O argumento de violação à separação de poderes, como se vê, simplesmente não se sustenta.

48.Melhor sorte não encontra a alegação de violação do princípio federativo. A Federação é uma forma de divisão espacial do poder, que fica repartido em dois níveis autônomos: o central e o federado[39]. Da soma dos dois surge o ente dito nacional. O princípio federativo compreende dois conteúdos essenciais: a autonomia dos entes central e locais – descrita como o governo próprio dentro de um círculo pré-traçado de competências definido pelo constituinte originário[40] – e a participação deles na formação da vontade do ente nacional. De acordo com a técnica tradicional adotada pelo sistema brasileiro, os entes federados participam da formação da vontade manifestada pelos órgãos do ente nacional por meio do Senado Federal[41].

49.Feita a nota teórica sumária, não é difícil demonstrar a compatibilidade da Resolução com o sistema federativo brasileiro. De fato, não há bom substrato jurídico no argumento de que se estaria submetendo os tribunais estaduais a um órgão não estadual; nem tampouco na alegação de que estariam sendo usurpadas competências das Assembléias Legislativas ou dos Governadores para disporem sobre a organização da administração estadual. É que, como referido acima, convivem em um Estado Federal o ente central (a União), os entes federados (os Estados) e o ente nacional (a República Federativa). Como conseqüência, existem órgãos e normas federais, estaduais e nacionais.


50.Veja-se, então, que na estruturação do Poder Judiciário a Constituição previu a existência de tribunais estaduais, de tribunais federais e de tribunais nacionais (como os Tribunais Superiores, CF, art. 92, § 2º). Mais que isso: existem na matéria normas constitucionais de âmbito nacional – como o art. 37 e o art. 93 – e normas legais de âmbito nacional – como a Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar nº 35/79).

51.Pois bem: o Conselho Nacional de Justiça é um órgão nacional integrante da estrutura do Judiciário – tanto assim que dele fazem parte membros de órgãos judiciários estaduais e federais (da União) –, e não um órgão do ente central ou dos entes locais. O argumento da subordinação de órgãos estaduais a um órgão do ente central, como se vê, não se sustenta. Ademais, e como já referido, os princípios do art. 37 da Constituição não estão associados ao ente central ou aos entes locais: eles são normas nacionais que se aplicam indistintamente a todos os agentes públicos. Não se cuida aqui de organização administrativa estadual nem de qualquer competência das Assembléias Legislativas dos Estados. O ponto também foi abordado pelo Ministro Cezar Peluso no julgamento da ADIn nº 3.367/DF, verbis:

Nesse diagrama constitucional, nunca se ouviu sustentar que as particularidades concretas da organização da estrutura judiciária violassem o pacto federativo. E não se ouviu, porque perceptível sua natureza nacional e unitária, embora decomposta e ramificada, por exigências de racionalização, em múltiplos órgãos (…) Não se descobre, pois, sob esse ângulo, por que a instituição do Conselho Nacional de Justiça não se ajustaria à organização constitucional do Poder. (…) o Conselho reúne as características palpáveis de órgão federal, enquanto representativo do Estado unitário, formado pela associação das unidades federadas, mas não, de órgão da União. O Conselho não é concebido nem estruturado como órgão da União, e, sim, do Poder Judiciário nacional[42].

52.Em suma: a Resolução nº 7/05 não produz qualquer esvaziamento da autonomia atribuída aos entes federados ou restrição a sua participação na formação da vontade nacional, elementos essenciais do princípio da forma federativa de Estado. Também aqui, não há consistência na alegação.

V.5. Inexistência de direitos fundamentais oponíveis à Resolução

Tese: A Resolução nº 7 do CNJ não encontra óbice em eventuais direitos de terceiros contratados pela Administração e não há qualquer violação a direitos de servidores.

53.O último grupo de argumentos lançados contra a Resolução nº 7/05 do CNJ envolve a suposta restrição que ela produziria sobre direitos de servidores, nomeados ou contratados em desacordo com seus termos, e de titulares de contratos firmados sem licitação por órgãos do Judiciário com empresas cujos sócios sejam cônjuges, companheiros ou parentes, e.g., de membros dos Tribunais. Nenhum dos dois argumentos resiste a uma análise isenta.

54.Há quem sustente que apenas a lei formal poderia restringir ou limitar direitos fundamentais. Esse entendimento, porém, enfrenta dois óbices principais que o condenam à superação. Em primeiro lugar, os direitos fundamentais têm de conviver tanto com outros direitos, como com outros bens jurídicos que tenham fundamento constitucional. Ou seja, e como já se tornou corrente: não há direitos absolutos[43]. Daí falar-se em limites imanentes dos direitos e, ainda, na necessidade eventual de ponderá-los com o restante do sistema constitucional[44]. Em segundo lugar, e como já se referiu, muitas normas constitucionais vinculam a Administração Pública de forma direta – em particular aquelas que tenham natureza de regra, como é o caso do núcleo dos princípios – cuja implementação poderá impor restrições a direitos. Nessas hipóteses, sem prejuízo da eventual preferência da lei formal, a ausência desta não afasta o dever da Administração de dar cumprimento ao texto constitucional[45].


55.Seja como for, e feita essa observação teórica, cabe perguntar: de que direito, fundamental ou não, se estaria tratando aqui? Do direito de nomear parentes para cargos em comissão? Ou de ser nomeado, nessas circunstâncias? Do direito de contratar, sem concurso e sem licitação, parente ou empresa da qual parentes sejam sócios? A questão certamente não se coloca no plano dos direitos fundamentais.

56.Não se deve ignorar o fato de que podem existir situações jurídicas consolidadas, a exigir exame específico. No geral, porém, o ponto é realmente simples. Sob a ótica da Administração, não há dúvida, atos praticados com violação aos princípios da impessoalidade e da moralidade – sejam nomeações, sejam contratos – são inválidos e não só podem como devem ser assim declarados pela Administração.

57.Quanto aos servidores públicos, há amplo consenso doutrinário[46] e jurisprudencial[47] no sentido de que não têm eles direito adquirido a regime jurídico. Isso significa que, dentro de certos limites, as condições de sua relação com o ente ou entidade estatal podem ser alterados, se isso for necessário para realizar o interesse público. O registro é feito, apenas, para conferir sistematicidade teórica à exposição. Isso porque, como se sabe, a Resolução cuida exclusivamente da nomeação de cargos em comissão ou funções gratificadas e de contratados por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público sem submissão a processo seletivo.

58.Em ambos os casos, ao contrário do que se passa com servidores efetivos, o vínculo que une tais indivíduos à Administração é absolutamente precário[48]. No caso dos cargos em comissão, a base da nomeação é a confiança, que pode extinguir-se a qualquer momento e sem vinculação a qualquer ato específico. A própria Constituição prevê que eles são de livre nomeação e exoneração (CF, art. 37, II). Os chamados “servidores temporários”, contratados por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, do mesmo modo, não têm direito à manutenção do seu vínculo com a Administração[49]. Ou seja: sequer há aqui direitos subjetivos que estejam sendo restringidos.

59.A solução não é substancialmente diferente no que diz respeito aos contratos administrativos. Também quanto a eles, a Administração Pública tem o poder-dever de rever seus próprios atos que se mostrem ilegais. Assim, se ajustes foram firmados, e.g., para favorecer determinado indivíduo, em violação aos princípios da moralidade ou da impessoalidade, eles são inválidos e assim devem ser declarados. No caso de contratos, é certo que a Administração deverá garantir aos interessados o direito de se manifestarem antes da rescisão e é até possível, em situações específicas, que terceiros de boa-fé tenham direito a algum tipo de reparação. Nenhuma dessas circunstâncias, porém, impede que a Administração desfaça atos ilegais que haja praticado[50].

60.Em suma: se a nomeação para um cargo em comissão, ou a contratação temporária de um agente público ou ainda a celebração de um contrato administrativo violaram os princípios constitucionais da impessoalidade ou da moralidade, tais atos são inválidos, como declarou a Resolução nº 7/05, e devem ser desfeitos. Não há quaisquer direitos que se oponham a tal comando.

V. Pedidos cautelar e principal

61.As razões até aqui expostas demonstram, com conforto, a validade da Resolução nº 7/05 do CNJ. Boa parte delas, a rigor, já foi examinada por essa Eg. Corte no julgamento da ADIn nº 3367/DF, no qual se reconheceu a validade da própria criação do Conselho Nacional de Justiça. Nada obstante isso, e como já descrito, a Resolução tem sofrido ampla impugnação, com a produção de diversas decisões liminares afastando sua incidência.


62.Os argumentos que fundamentam tais decisões são, em geral, formais e ao longo da presente ação procurou-se apontar, de forma específica, suas inconsistências. A verdade, porém, é que a persistência de tais decisões judiciais e a insegurança quanto à matéria gera na sociedade uma perplexidade compreensível e para o Poder Judiciário um dano irreparável. Com efeito, para um Poder cuja legitimidade repousa, em boa medida, na capacidade de avaliar imparcialmente argumentos e de decidir racionalmente, poucas coisas podem ser mais destrutivas do que ser associado à leniência com práticas de nepotismo.

63.Assim, por tais razões, e com fundamento no art. 21 da Lei nº 9.868/99, a requerente pede que essa Eg. Corte defira de imediato medida cautelar com eficácia erga omnes e efeitos vinculantes para o fim de:

(i) determinar que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da Resolução nº 7/05 do CNJ até o julgamento definitivo da presente ação, ficando impedidos de proferir qualquer nova decisão, a qualquer título, que impeça ou afaste a eficácia da Resolução em questão; e

(ii) suspender, com eficácia ex tunc, os efeitos de quaisquer decisões, proferidas a qualquer título, que tenham afastado a aplicação da Resolução nº 7/05 do CNJ.

64.Por fim, depois de conhecida a presente ação, apreciada cautelar pleiteada e ouvido o Procurador Geral da República, a AMB pede e espera seja o pedido principal aqui formulado julgado integralmente procedente, para o fim de declarar-se, em caráter definitivo, a constitucionalidade da Resolução nº 7/05 do CNJ com eficácia erga omnes e efeitos vinculantes.

Do Rio de Janeiro para Brasília, 1º de fevereiro de 2006

Luís Roberto Barroso

Adv. insc. 37.769 – OAB/RJ


[1] V. doc. nº 3: Resolução nº 7/05 do CNJ, arts. 2º e 3º.

[2] V. doc. nº 3: Resolução nº 7/05 do CNJ, art. 1º.

[3] V. doc. nº 3: Resolução nº 7/05 do CNJ, art. 5º.

[4] O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou diversas vezes nesse sentido. V., entre outros, STF, DJU 29 jun. 2001, QO na MC na ADI 1127/DF, Rel. Min. Paulo Brossard.

[5] V. STF, DJU 1º set. 2000, MC na ADI 1303/SC, Rel. Min. Maurício Corrêa.

[6] V., exemplificativamente, STF, RTJ 137:574, MC na ADI 519/MT, Rel. Min. Moreira Alves.

[7] Conforme declaração do Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cerca de 90 servidores serão exonerados em decorrência da aplicação da Resolução nº 7/05 do CNJ. V. reportagem TJ do Rio vai exonerar cerca de 90 parentes de juízes, disponível na internet, através da página eletrônica: <http://www.conjur.com.br/static/text/38956,1>; acesso em 27.jan.2006.

[8] Segundo a reportagem TJ da Bahia silencia sobre fim do nepotismo (Correio da Bahia), o Presidente eleito do TJBA já declarou que não aplicará a medida, tendo preferido analisar a questão ‘caso a caso’. Reportagem disponível na internet, através da página eletrônica: <http://www.correiodabahia.com.br/2006/01/10/noticia.asp?link=not000126097.xml>; acesso em 27 jan. 2006. Os Corregedores-Gerais dos Estados, em linha similar, expediram carta (“Carta de Maceió”) repudiando a Resolução no seguintes termos (extraído da Revista Consultor Jurídico, 12 de novembro de 2005):


“CARTA DE MACEIÓ

O Colégio de Corregedores-Gerais dos Estados, reunido na cidade de Maceió, em Alagoas, no período de 08 a 11 de novembro de 2005, na permanente busca de um Poder Judiciário moderno e eficaz, DECIDIU:

1. REPUDIAR a forma de atuação do Conselho Nacional de Justiça que, violando princípios da Constituição Federal, impõe procedimentos que cerceiam o autogoverno dos Tribunais de Justiça do Brasil e usurpam as atribuições do Poder Legislativo.

2. CONDENAR a prática do nepotismo nos três Poderes da República, que deve ser coibida por norma editada pelo Congresso Nacional.

3. SUGERIR aos Tribunais de Justiça que, sem perderem de vista os princípios norteadores de suas ações, resistam ao cumprimento de determinações do Conselho Nacional de Justiça que impliquem o desrespeito à Constituição da República e às demais normas válidas do sistema jurídico.

4. PONTIFICAR que a adoção desta postura decorre da possibilidade de transformação do Conselho Nacional de Justiça em órgão típico de regime de exceção, atentando contra o Estado Democrático de Direito e os direitos fundamentais da cidadania.

Maceió, 11 de novembro de 2005.”

[9] Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: TJ/RJ, DO 16 jan. 2006, MS 20060040008, Rel. Des. Luiz Zveiter: "(…) concedo a medida liminar, para que se abstenha o impetrado de promover qualquer ato, conforme determinado na resolução, que vise a exoneração da impetrante, ou a anulação do ato de sua nomeação para o exercício do cargo em comissão que ocupa, por indicação de seu pai.”; TJ/RJ, DO 26 jan. 2006, MS 200600400077, Rel. Des. Antonio Eduardo F. Duarte: “(…) defiro a medida liminar requerida, para que a autoridade impetrada, o Exmo. sr. Desembargador-presidente do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, abstenha-se de praticar qualquer ato, conforme determinado na resolução n. 07/05 do CNJ, que vise a exoneração da impetrante, ou a anulação do ato de sua nomeação para o exercício do cargo que ocupa."; TJ/RJ, DO 11 jan. 2006, MS 200600400006, Rel. Des. Fabrício Bandeira Filho: " (…) defiro a liminar requerida para o fim de que a eminente autoridade apontada como coatora se abstenha de praticar qualquer ato que importe na exoneração da segunda impetrante ou na declaração de nulidade do ato de sua nomeação para o exercício do cargo para o qual foi indicada pelo primeiro impetrante. "; TJ/RJ, DO 16 jan. 2006, MS 200600400010, Rel. Des. Sílvio Teixeira: “ (…) concede-se a liminar e determina-se ao Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro que, até o julgamento final do presente mandado de segurança, se abstenha de promover qualquer ato, que, invocando determinações da resolução n. 07/2005 do Conselho Nacional de Justiça, vise a exoneração, a anulação ou revogação do ato de nomeação da impetrante Carolina Goulart Salomão, para o exercício do cargo que ocupa por indicação do também impetrante desembargador Paulo César Salomão.”; TJ/RJ, DO 13 jan. 2006, MS 200600400004, Des. Rel. Sylvio Capanema: "(…) Concedo a medida liminar, para que se abstenha o impetrado de promover qualquer ato, conforme determinado na resolução, que vise a exoneração da 2a. e 3a. impetrantes, ou a anulação dos atos de suas nomeações para o exercício do cargo em confiança que ocupam, por indicação da 1a. impetrante, enquanto não decaírem elas de sua confiança"; TJ/RJ, DO 13 jan. 2006, MS 200600400002, Des. Rel. José Pimentel Marques: "(…) defiro a liminar pleiteada, devendo abster-se a honrada autoridade apontada coatora, o Exmo. Sr. Desembargador presidente deste Tribunal de Justiça, de promover qualquer ato, determinado na aludida resolução, que cuide de exoneração do 2o. impetrante, Livia Gagliano Pinto Alberto, ou a anulação do ato de sua nomeação para exercício do cargo que exerce, a menos que haja indicação na forma da lei em vigor, e que referida resolução não pode revogar.”.

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: 7ª Vara de Fazenda Estadual, Processo 002406930934-2: “(…) Desse modo, para garantir a efetividade da jurisdição, diante da verossimilhança do direito e do perigo de dano irreparável, fundado no art. 461, parág.3º, bem como no poder geral de cautela do juiz, DEFIRO A TUTELA ESPECÍFICA, inaudita altera parte, para que Sua Excelência, o Presidente do Tribunal de Justiça, se abstenha de exonerar os autores, com base na Resolução nº 07/2005 e Portaria nº 1.858/2005, até o julgamento definitivo desta ação. INDEFIRO LIMINARMENTE A INICIAL, com fulcro no art. 295, II, do CPC, em relação ao Des. Hugo Bengtsson, Presidente do Tribunal de Justiça. Cite-se o Estado de Minas Gerais e intime-se Sua Excelência, o Presidente do Tribunal de Justiça para dar cumprimento à decisão.”


Os sites www.oab.org.br e www.viajus.com.br, dentre outros, noticiam ainda a existência de outras ações, no mesmo sentido, em Minas Gerais e em Mato Grosso do Sul.

[10] STF, MS 25683/DF, Rel. Min. Carlos Velloso; STF, MS 25703/DF, Rel. Min. Carlos Velloso; STF, MS 25704/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence e STF, MS 25737/DF, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie.

[11] Sergio Ferraz, Regulamento. In: Três estudos de direito, 1977, p. 107. V. tb. Diógenes Gasparini, Poder regulamentar, 1982, p. 23: “Aceitou-se, sem contestação e por muito tempo, o princípio segundo o qual cabe à Administração Pública, valendo-se de normas abstratas, gerais e impessoais, disciplinar para o futuro a outorga de autorizações ou o estabelecimento de proibições, pelo simples fato de poder, no presente, autorizar ou proibir atuações por meio de soluções particulares ou individuais”.

[12] V., por todos, Almiro do Couto e Silva, Princípios da legalidade da Administração Pública e da segurança jurídica no Estado de Direito contemporâneo, Revista de Direito Público 84:46, 1987, p. 46 e ss..

[13] A tese tem como grande precedente histórico a decisão da Suprema Corte americana em McCulloch v. Maryland, 17 U.S. 316 (1819). Na literatura nacional, v. sobre o tema, e.g., Alexandre Santos de Aragão, Princípio da legalidade e poder regulamentar no Estado contemporâneo, Boletim de Direito Administrativo 5:370, maio/2002, p. 380: “Se, por exemplo, a Constituição estabelece que a Administração Pública deve prestar determinado serviço público (fim), não teria sentido que ela, independentemente da existência de lei ordinária, não pudesse regulamentar a sua prestação (meio). Nestas circunstâncias só alcançarão os seus propósitos se estas (regulamentares) forem admitidas. Com isto, não estamos ‘forçando’ o conteúdo da Constituição, mas apenas aplicando o vetusto princípio dos implied powers, por Marshall concebido nos seguintes termos: ‘legítimo o fim e, dentro da esfera da Constituição, todos os meios que sejam convenientes, que plenamente se adaptem a este fim e que não estejam proibidos, mas que sejam compatíveis com a letra e o espírito da Constituição, são constitucionais’”.

[14] V., dentre outros, Humberto Ávila, Teoria dos princípios, 2003.

[15] Sobre o assunto, v. Ronald Dworkin, Taking rights seriously, 1997; Robert Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, 1997; J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 1998; e Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 2000.

[16] Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais – O princípio da dignidade da pessoa humana, 2002, p. 103 e ss..

[17] V., por todos, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Moralidade administrativa: Do conceito à efetivação, Revista de Direito Administrativo 190:1, 1992, p. 8 e ss.; Caio Tácito, Moralidade administrativa, Revista de Direito Administrativo 218:1, 1999, p. 9 e ss.; e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 2002, p. 78 e ss.

Em sede jurisprudencial, merece destaque a posição do STF, na ADIn 2661/MA, com relatoria do Min. Celso de Mello: “O PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA – ENQUANTO VALOR CONSTITUCIONAL REVESTIDO DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO – CONDICIONA A LEGITIMIDADE E À VALIDADE DOS ATOS ESTATAIS. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta dos valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio constitucional da moralidade administrativa, a impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. (…) Na realidade, e especialmente a partir da Constituição promulgada em 1988, a estrita observância do postulado da moralidade administrativa passou a qualificar-se como pressuposto de validade dos atos, que, fundados, ou não, em competência discricionária, tenham emanado de autoridades ou órgãos do Poder Público. (…) Impõe-se ressaltar, por necessário, que a possibilidade jurídica de fiscalização jurisdicional dos atos estatais, mesmo daqueles de caráter discricionário, desde que praticados em inobservância do interesse público ou com desrespeito aos princípios que condicionam a atividade do Estado, tem sido reconhecida pela jurisprudência dos Tribunais (RDA 89/134), notadamente a deste Supremo Tribunal Federal (RTJ 153/1022-1032, 1030, Rel. Min. Marco Aurélio)”.


[18] V., sobre o tema da razoabilidade/proporcionalidade, dentre outros, Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, 2004, p. 218 e ss..

[19] STF, DJU 12 mar. 1997, ADIn 1521-4-RS, Rel. Min. Marco Aurélio.

[20] Sobre o papel dos agentes sociais na interpretação constitucional, v. Peter Häberle, Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, 1997, trad. Gilmar Ferreira Mendes.

[21] Uma pesquisa realizada em 2005 pela Associação de Magistrados Brasileiro – AMB, sob a coordenação da professora Maria Tereza Sadek, dá conta de que 67,9% dos magistrados, ou seja, expressiva maioria, são contrários a contratação de parentes. Também a OAB, por meio de seu Presidente, Dr. Roberto Busato, já se manifestou a favor do fim das práticas de favorecimento pessoais de parentes no âmbito do Judiciário. Além disso, já existem iniciativas no âmbito da Administração federal para conter os atos de favorecimento baseados em graus de parentesco: em abril de 2000, o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, proibiu, por meio de portaria, que cargos em comissão do Ministério e do INCRA fossem ocupados por parentes até terceiro grau dos servidores efetivos ou comissionados já lotados nesses órgãos.

[22] Resolução nº 246 do STF, art. 7º: É vedado ao servidor do Supremo Tribunal Federal: I – usar cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influências para obter favorecimento para si ou para outrem; (…) XVIII – manter sob sua subordinação hierárquica cônjuge ou parente, em linha reta ou colateral, até o 3º grau.”

[23] Regimento Interno do STF, art. 357, p. único: “Não pode ser designado Assessor, Assistente Judiciário ou Auxiliar, na forma deste artigo, cônjuge ou parente, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer dos Ministros em atividade”.

[24] Lei nº 8.112/90, art. 117, inciso VIII: “Ao servidor é proibido: (…)VIII – manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil;”.

[25] Lei nº 9.421/96: “Art. 10. No âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo é vedada a nomeação ou designação, para os Cargos em Comissão e para as Funções Comissionadas de que trata o art. 9° , de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, salvo a de servidor ocupante de cargo de provimento efetivo das Carreiras Judiciárias, caso em que a vedação é restrita à nomeação ou designação para servir junto ao Magistrado determinante da incompatibilidade.”

[26] A ementa da Portaria nº 428 traz o seguinte enunciado: “É vedada a nomeação para cargos em comissão (DAS) de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau de qualquer membro ou servidor em atividade, salvo se já em exercício no Ministério Público Federal”.

[27] Lei nº 9.953/00, art. 22: “No âmbito do Ministério Público da União é vedada a nomeação ou designação, para os Cargos em Comissão e para as Funções Comissionadas de que trata o art. 13, de cônjuge, companheiro, ou parente até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros, salvo a de servidor ocupante de cargo de provimento efetivo da Carreira de Apoio Técnico-Administrativo, caso em que a vedação é restrita à nomeação ou designação para servir junto ao membro determinante da incompatibilidade”.

[28] V. Patrícia Baptista, Transformações do direito administrativo, 2003, p. 98-103. V. tb. Clèmerson Merlin Clève, Atividade legislativa do Poder Executivo, 2000, p. 45-54.

[29] Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, 2003; Patrícia Baptista, Transformações do direito administrativo, 2003, p. 108; Fabrício M. Motta, A origem e a significação do ato administrativo no Estado de Direito, Fórum Administrativo 12:144, 2002, p. 146; e João Batista Gomes Moreira, A nova concepção do princípio da legalidade no controle da Administração Pública, Interesse Público 21:81, 2003.

[30] Lei nº 8.429/02: “art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:”

[31] O citado Enunciado Administrativo alterou parcialmente o disposto na Resolução nº 7/05.

[32] Luís Roberto Barroso, Constitucionalidade e legitimidade da criação do Conselho Nacional de Justiça. In: Tereza Arruda Alvim Wambier e outros (org.), Reforma do Judiciário, 2005. E tb. In: Sergio Rabello Tamm Renault e Pierpaolo Bottini (org.), Reforma do Judiciário, 2005.

[33] Nuno Piçarra, A separação dos Poderes como doutrina e princípio constitucional – Um contributo para o estudo das suas origens e evolução, 1989, p. 26: “Na sua dimensão orgânico-funcional, o princípio da separação dos Poderes deve continuar a ser encarado como princípio de moderação, racionalização e limitação do poder político-estadual no interesse da liberdade. Tal constitui seguramente o seu núcleo intangível”.

[34] A especialização funcional inclui a titularidade, por cada Poder, de determinadas competências privativas que, no caso do Judiciário, correspondem ao exercício da função jurisdicional. A independência orgânica demanda, na conformação da experiência presidencialista brasileira atual, três requisitos: (i) uma mesma pessoa não poderá ser membro de mais de um Poder ao mesmo tempo, (ii) um Poder não pode destituir os integrantes de outro por força de uma decisão exclusivamente política; e (iii) a cada Poder são atribuídas, além de suas funções típicas ou privativas, outras funções (chamadas normalmente de atípicas), como reforço de sua independência frente aos demais Poderes. No caso do Judiciário, essas funções atípicas têm em geral natureza administrativa e relacionam-se com a gestão interna de seus serviços e pessoal, daí a expressão “autogoverno” dos tribunais”. Sobre o tema, vejam-se José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 2001, p. 113; e Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 2005, p. 172.

[35] CF/88, art. 92 (com a redação da EC nº 45/04): “São órgãos do Poder Judiciário: (…) I-A – o Conselho Nacional de Justiça”.

[36] De acordo com o art. 103-B, da Carta Federal, compõem o CNJ: um Ministro do STF, um do STJ, um do TST, um desembargador de Tribunal de Justiça, cinco juízes (um estadual, um federal, um de TRF, um de TRT, e um do trabalho), dois membros do Ministério Público (um da União, um estadual), dois advogados e dois cidadãos indicados pelo Poder Legislativo.

[37] STF, DJU 25 abr. 2005, ADIn 3367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso (trecho do voto do relator).

[38] A própria EC 45/04 dispôs a respeito, atribuindo competência ao STF para conhecer das eventuais demandas que venham a ser propostas contra atos do Conselho. V. CF/88, art. 102: “Compete ao Supremo Tribunal Federal: I – processar e julgar, originariamente: (…) r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público”. (alínea acrescentada pela EC 45/04).

[39] No Brasil, além da autonomia dos Estados, a Constituição reconhece, também, a dos Municípios. A questão não é relevante para os fins aqui visados, à vista do fato de que os Municípios não têm Poder Judiciário.

[40] A autonomia, como é corrente, realiza-se nas idéias de auto-organização – o poder de elaborar sua própria Constituição e sua organização básica –, autogoverno – capacidade de exercer o poder por órgãos próprios, cujos ocupantes são escolhidos no âmbito do próprio ente – e auto-administração – faculdade de dar execução a suas próprias normas e prestar os serviços de sua competência.

[41] Também se insere nesse arranjo institucional a possibilidade de as Assembléias Legislativas estaduais apresentarem proposta de emenda constitucional (CF, art. 60, III), competência que, na prática, não adquiriu expressão.

[42] STF, DJU 25 abr. 2005, ADIn 3367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso (trecho do voto do relator).

[43] STF, DJU 12 mai. 2000, MS 23452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello: “OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto.”

[44] José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, 1998, p. 215 e ss..

[45] Há amplo material sobre o tema da restrição de direitos fundamentais, v., dentre outros, Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, 2001; Pedro Serna e Fernando Toller, La interpretación constitucional de los derechos fundamentales – Una alternativa a los conflictos de derechos, 2000; Juan Cianciardo, El conflictivismo en los derechos fundamentales, 2000; José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, 1998; Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2003; Robert Alexy, Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de direito democrático, Revista de Direito Administrativo 217:67-9, 1999; Luís Roberto Barroso, A nova interpretação constitucional – Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, 2003; e Jane Reis, A interpretação constitucional dos direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios, 2006.

[46] V., por todos, Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 2003, p. 235; e Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo brasileiro, 1993, p. 366.

[47] V. STF, DJU 14 out. 2005, ADIn 2349/ES, Rel. Min. Eros Grau, STF, DJU 30 set. 2005, AgR no RE 403922/RS, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, STF, DJU 26 ago. 2005, AgR no RE 287261/MG, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, entre outros.

[48] Marçal Justen Filho, Curso de Direito Administrativo, 2005, p. 594: “Em princípio, a investidura do indivíduo no cargo em comissão apresenta cunho de precariedade e temporariedade”.

[49] Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 2005, p. 335.

[50] Marçal Justen Filho, Curso de Direito Administrativo, 2005, p. 374 e ss..

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