Partido na moral

Melhor cláusula de barreira é a fidelidade partidária

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9 de dezembro de 2006, 6h00

Para alguns ministros do Supremo Tribunal Federal que votaram contra a cláusula de barreira na quinta-feira, eram de crocodilo as lágrimas de decepção derramadas por líderes de grandes partidos. Se a intenção é moralizar e democratizar a vida partidária brasileira, eles acreditam, o instrumento é a fidelidade partidária e não a imposição de exigências para inviabilizar os nanicos.

A cláusula de barreira restringia o funcionamento parlamentar, a participação no fundo partidário e na propaganda eleitoral aos partidos que não conseguissem pelo menos 5% dos votos em nove estados nas eleições para deputado federal. Com a decisão da última quinta-feira (7/12), tudo fica como está. Participação proporcional no fundo partidário e na propaganda.

Para o ministro Marco Aurélio, o número de partidos não é determinado por decreto, mas pelos votos dos cidadãos: “Para aqueles preocupados com a proliferação dos partidos políticos, há de levar-se em conta que o enxugamento do rol é automático, presente a vontade do povo, de quem emana o poder. Se o partido político não eleger representante, é óbvio que não se poderá cogitar de funcionamento parlamentar”.

Decidir contra a liberdade de escolha do eleitor seria antidemocrático, sustenta o ministro. “Surge com extravagância maior interpretar-se os preceitos constitucionais a ponto de esvaziar-se o pluripartidarismo, cerceando, por meio de atos que se mostram pobres em razoabilidade e exorbitantes em concepção de forças, a atuação deste ou daquele partido político”.

Ao barrar a barreira como inconstitucional, pelo menos seis ministros do Supremo apontaram a alternativa mais legítima e eficaz para garantir a seriedade das legendas: a fidelidade partidária. Para Marco Aurélio, que é o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, a suprema corte está aguardando o primeiro processo sobre a matéria chegar ao plenário para que essa tendência seja confirmada.

Em seu voto contra a cláusula de barreira, Marco Aurélio sinaliza a favor da fidelidade. “Surge incongruente assentar a necessidade de o candidato ter, em um primeiro passo, o aval de certo partido e, a seguir eleito, olvidar a agremiação na vida parlamentar. O casamento não é passível desse divórcio”.

Entendem os ministros que o mandato pertence antes ao partido do que ao deputado. São relativamente poucos os candidatos que se elegem apenas com os próprios votos. A grande maioria só se viabiliza eleitoralmente graças ao coeficiente eleitoral. Ou seja, se elegem com a sobra de votos que o partido lhe transfere. Assim, parece natural que ao mudar de legenda, o parlamentar deveria perder o seu mandato.

O governador de São Paulo, Cláudio Lembo, manifesta-se contrariamente à perspectiva de um candidato eleito perder seu mandato caso mude de legenda, mas é favorável à uniformização do voto – quando os diretórios fecham questão em torno de determinadas matérias – “para acabar com a farra da negociação de votos que faz tão mal à política”.

Seja ao dispor do mandato popular como se fosse propriedade privada sua, seja ao negociar seu próprio voto nas decisões parlamentares, deputados e senadores costumam demonstrar pouco apreço pelo compromisso partidário. Para o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal só mesmo a fidelidade para “quebrar a matriz da velhacaria partidária”.

Já a fidelidade partidária, ao exigir compromissos duradouros entre as partes, vai obrigar a pensar duas vezes tanto os partidos antes de indicar seus candidatos quanto os candidatos antes de se prenderem em uma legenda.

Para Mario Luiz Bonsaglia, procurador regional eleitoral de São Paulo, a fidelidade partidária é condição sine qua non para aprimorar o processo político brasileiro. Se um dia a regra for colocada em prática, defende a perda de mandato do parlamentar nos casos de infidelidade. “O mandato foi conquistado graças ao partido. Não é de propriedade do parlamentar. Quando deixa o partido depois de se eleger, está traindo o eleitor.”

O procurador sugere ainda o financiamento público da campanha eleitoral como forma de aperfeiçoar o sistema político. Ao analisar as contas dos candidatos e dos partidos, o Ministério Público Eleitoral percebeu que os que conseguiram se eleger foram aqueles que arrecadaram mais recursos. “Há uma correspondência direta entre a captação de grande quantidade de recursos e o êxito nas urnas”, constatou.

Com certeza sugestões como essas contribuem mais para o aprimoramento do funcionamento parlamentar do que a cláusula de barreira. Mesmo porque, ser pequeno em política é crime bem menos grave do que ser infiel. Ou como diz o ministro Marco Aurélio ao concluir seu voto: “É de repetir até a exaustão, se preciso for: Democracia não é a ditadura da maioria! De tão óbvio, pode haver o risco de passar despercebido o fato de não subsistir o regime democrático sem a manutenção das minorias, sem a garantia da existência destas, preservados os direitos fundamentais assegurados constitucionalmente”.


Leia a integra do voto

07/12/2006 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.354-8 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

REQUERENTE: PARTIDO SOCIAL CRISTAO — PSC

ADVOGADO: VITOR JORGE ABDALA NOSSEIS

REQUERIDO: PRESIDENTE DA REPÚBLICA

REQUERIDO: CONGRESSO NACIONAL

RELATÓRIO

“O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Inicialmente, consigno que o relatório e o voto referem-se às Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 1.351-3/DF e 1.354-8/DF, estando esta apensa àquela”.

No julgamento da medida cautelar na segunda ação, o ministro Maurício Corrêa formalizou o relatório de folha 115 a 120, o qual adoto parcialmente, contendo o seguinte teor:

O SR. MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA: — O Partido Social Cristão — PSC ajuíza a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade do art. 13, bem como das expressões que fazem remissões, contidas no inciso II do art. 41, do caput dos arts. 48 e 49 e ainda no inciso II do art. 57, todos da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que “dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal”.

(…)

Eis o teor do primeiro dos dispositivos impugnados:

“Art. 13 – Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles.”

O Autor entende que esse dispositivo é incompatível com o art. 5º, caput e seu inciso XXXVI, da Carta Magna, assim fundamentado:

“O art. 17, da Constituição Federal, consagra a liberdade para a criação dos partidos políticos. O seu § 1º, assegura-lhes autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, entre outras atribuições. Em nenhum momento a Letra Constitucional estabelece partidos de 1ª e 2ª categorias. Ao contrário, determina em seu art. 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Portanto, quando o legislador infra-constitucional cria normas díspares para iguais perante a lei, ele fere frontalmente a Lei Maior, com a agravante de ser em benefício próprio e de seus partidos políticos, com manifesto desrespeito às minorias e flagrante intenção de se eternizarem no poder.

O registro definitivo dos partidos políticos perante o Colendo Tribunal Superior Eleitoral, coloca-os em igualdade de condições perante a lei, assegurando-lhes o direito adquirido através de ato jurídico perfeito, com a obtenção de seu registro definitivo na Justiça Eleitoral.”

A impugnação a determinadas expressões insertas no inciso II do art. 41, nos arts. 48 e 49 e no inciso II do art. 57 da Lei 9.096/95, é conseqüência da inquinada inconstitucionalidade do art. 13, a saber:

a) a expressão “que tenham preenchido as condições do art. 13”, contida no inciso II do art. 41, que tem a seguinte redação:

“Art. 41. O Tribunal Superior Eleitoral, dentro de cinco dias, a contar da data do depósito a que se refere o § 1º do artigo anterior, fará a respectiva distribuição aos órgãos nacionais dos partidos, obedecendo aos seguintes critérios”:

I – (omissis)

II – noventa e nove por cento do total do Fundo Partidário serão distribuídos aos partidos que tenham preenchido as condições do art. 13, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados”.

b) a expressão “que não atenda ao disposto no art. 13”, constante da seguinte redação do caput do art. 48:

“Art. 48 – O partido registrado no Tribunal Superior Eleitoral, que não atenda ao disposto no art. 13, tem assegurado a realização de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de dois minutos”.

c) a expressão “que atenda ao disposto no art. 13″, incluída na redação do caput do art. 49:

“Art. 49 – O Partido que atenda ao disposto no art. 13 tem assegurado:

I – (omissis)

II – (omissis)

d) a expressão “que cumpram o disposto no art. 13 ou no inciso anterior”, contida no inciso II do art. 57, assim disposto:

“Art. 57 – No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte”:

I – (omissis)

II – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado para distribuição, aos Partidos que cumpram o disposto no art. 13 ou no inciso anterior, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados”.

Coube-me a distribuição do presente feito por ser o relator da ADI 1.351-3, proposta por outros oito partidos políticos, que também ataca o art. 13, partes do inciso II do art. 41, do art. 48, e do art. 49 e do inciso II do art. 57, da mesma Lei ora impugnada. [Os processos foram apensados no despacho de folha 14].


Solicitadas as informações, prestou-as o Senhor Presidente da República, louvando-se na manifestação da Advocacia-Geral da União que, ao sustentar a inexistência de incompatibilidade do citado art. 13 com a liberdade de criação dos partidos contida no art. 17 da Constituição, acrescenta:

“10. E não se diga que a verificação do caráter nacional, no art. 13, era desnecessária porque já teria sido feita de acordo com o § 1º do art. 7º da mesma lei. Não. Embora ambos os artigos tenham a mesma finalidade, a verificação se dá em momentos diferentes. A comprovação prevista no art. 7º, § 1º, se faz necessária para que o partido possa registrar-se no Tribunal Superior Eleitoral. Mas, para cumprir o mandamento constitucional há de o partido comprovar que é nacional no ato de registrar seus estatutos e continua nacional ao longo de sua existência. A exigência do art. 13 serve precisamente a isso. É verificação periódica e automática do cumprimento do dispositivo constitucional. Portanto, não apenas ele é pleno de constitucionalidade como ainda exerce papel verificador da observância de preceito constitucional”.

11. Uma das razões de insurgência do requerente contra o art. 13 consiste em que, na sua visão, a norma estaria em confronto com o caput do art. 17, que dispõe sobre a liberdade de criação dos partidos. Equivoca-se o PSC. A norma só versa, propriamente, sobre o funcionamento parlamentar. Só indiretamente, com propiciar a verificação do “caráter nacional” do partido, evidencia a incidência do inc. I do art. 17 da Constituição que, esse sim, limita a criação de partidos que não tenham âmbito nacional. Portanto, a vedação de criação de mini-partidos não está no art. 13 da lei, mas no art. 17, I, da Constituição.

12. Entende ainda o requerente, que as disposições impugnadas ferem o § 1º do art. 17 da Lei Magna. É outro equívoco. Esse dispositivo constitucional assegura “aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento”. Ora, nenhuma das normas tidas por inconstitucionais sequer de leve toca nessas matérias. A alegação é, pois, destituída de qualquer fundamento.

13. A igualdade de todos perante a lei — outra das increpações do PSC contra as normas assinaladas supõe, necessariamente, certas igualdades de fato. Não vá o pequeno partido, com apoio nessa garantia constitucional, pretender dispor, por exemplo, do mesmo tempo diante dos meios de comunicação de massa que os grandes partidos. E, assim, podem multiplicar-se aos milhares os exemplos de desigualdades que não atentam contra a Carta Magna.”

Por sua vez, o Congresso Nacional também prestou as informações que lhe foram solicitadas, argüindo a constitucionalidade dos dispositivos impugnados e acostando documentação relativa à tramitação do respectivo projeto de lei nas duas Casas do Legislativo (fls. 32/113).

Naquela assentada, o Tribunal, por unanimidade, indeferiu o pedido de medida cautelar.

O Advogado-Geral da União manifestou–se, à folha 147 à 153 da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.354-8/DF, pela improcedência do pedido. Aponta que, do exame dos dispositivos atacados, depreende-se que a análise da constitucionalidade restringe-se ao artigo 13 da Lei 9.096/95, tendo em conta a referência a este nas demais normas impugnadas. Busca demonstrar que a não-inclusão da matéria na Constituição de 1988, embora contida nas Cartas anteriores, não veda o legislador ordinário a adotá-la novamente sob a égide da ordem atual.

A limitação aos partidos políticos estaria em consonância com a adequação da lei ordinária para disciplinar o “caráter nacional” previsto no inciso I do artigo 17 do texto constitucional. O legislador apenas fixou critérios para evitar a criação e a atuação de partidos excessivamente pequenos, não dotados de expressiva representatividade. Refuta o argumento segundo o qual o caráter nacional está totalmente conceituado pelo § 1º do artigo 7º da mesma lei, asseverando aludir cada dispositivo a um momento distinto de verificação de regularidade, sendo este a do registro e a do artigo 13, de natureza periódica. Menciona a doutrina sobre o tema e o que decidido no julgamento da medida cautelar.

Vieram-me, então, os processos em razão de o relator ter ascendido à Presidência do Tribunal, conforme peça de folha 154.

O Procurador-Geral da República, no parecer de folha 158 a 160 – da ação de 1.354-8/DF -, também consigna resumir-se a questão ao exame da constitucionalidade do artigo 13. Ante a óptica externada, a organização dos partidos políticos, apesar de livre, não é limitada, tendo em vista o requisito do “caráter nacional” contido no inciso I do artigo 17 da Carta Federal. Afirma caber a determinação deste conceito à lei ordinária. Esta, restringindo a atuação parlamentar, guarda relação lógica com o fundamento constitucional. Considera observado o princípio da isonomia, levando em conta atribuírem as normas questionadas tempo nos meios de comunicação de massa e valor no rateio do fundo partidário conforme a proporção do partido. A discriminação de forma diversa seria inconstitucional. Cita a doutrina autorizada e pugna pela improcedência do pedido.


Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.351-3/DF, cuja inicial não encerrou pedido de suspensão de preceitos, mas implicou pleito de abrangência maior, são impugnados os artigos 13, 56, inciso II — todo ele – e 57 — na integralidade – e ainda as expressões “[…] que tenham preenchido as condições do art. 13 […]”, do inciso II do artigo 41, e “[…] que atenda ao disposto no artigo 13 […]”, do artigo 49, também da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995.

Relativamente ao inciso II do artigo 56, prevendo que “a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados disporá sobre o funcionamento da representação partidária conferida, nesse período, ao partido que possua representação eleita ou filiada em número inferior ao disposto no inciso anterior”, a razão de ser está na restrição decorrente do artigo 13, logo, a glosa a este último o alcança.

O artigo 57 tem o seguinte teor:

Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte:

I – direito a funcionamento parlamentar ao partido com registro definitivo de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral até a data da publicação desta Lei que, a partir de sua fundação tenha concorrido ou venha a concorrer às eleições gerais para a Câmara dos Deputados, elegendo representante em duas eleições consecutivas:

a) na Câmara dos Deputados, toda vez que eleger representante em, no mínimo, cinco Estados e obtiver um por cento dos votos apurados no País, não computados os brancos e os nulos;

b) nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, toda vez que, atendida a exigência do inciso anterior, eleger representante para a respectiva Casa e obtiver um total de um por cento dos votos apurados na Circunscrição, não computados os brancos e os nulos;

II – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado para distribuição, aos Partidos que cumpram o disposto no art. 13 ou no inciso anterior, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;

III – é assegurada, aos Partidos a que se refere o inciso I, observadas, no que couber, as disposições do Título IV:

a) a realização de um programa, em cadeia nacional, com duração de dez minutos por semestre;

b) a utilização do tempo total de vinte minutos por semestre em inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais e de igual tempo nas emissoras dos Estados onde hajam atendido ao disposto no inciso I, b.

Ante as peculiaridades apresentadas, o advogado-geral da União, à folha 231 à 239 da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.351-3/DF, defende que o princípio da plenitude partidária resguarda somente a existência de partidos autênticos, assim entendidos aqueles que se amparam em parcela razoável da população e não numa individualidade forte, capaz de obter a adesão de apenas alguns seguidores.

Diz não versar o artigo 13 sob análise a liberdade de criação de partidos mas o funcionamento parlamentar, apenas evidenciando, indiretamente, a incidência do inciso I do artigo 17 da Constituição da República. Logo, o óbice à criação de partidos pequenos estaria neste dispositivo constitucional, não no questionado. Aduz, alfim, inexistir ofensa ao princípio da igualdade, tendo em conta justamente o tratamento desigual dispensado aos partidos relevantes e pequenos, limitando a atuação destes últimos.

O procurador-geral da República, às folhas 241 e 242 da segunda ação, pronuncia-se contrariamente ao pleito dos requerentes, ratificando os termos da manifestação exarada na primeira, mediante a oferta de cópia do parecer.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.351-3/DF, neguei seguimento, nas folhas 227 e 258, aos pedidos formulados na inicial quanto aos requerentes Partido Liberal – PL, Partido Social Democrático – PSD, Partido Popular Socialista – PPS e Partido dos Trabalhadores – PT, ante o não-atendimento à regularização processual referente aos instrumentos de mandato com finalidade específica para a propositura de ação direta.

Às folhas 284 e 285, também da Ação nº 1.351-3/DF, acolhi o pleito de intervenção, no processo, do Partido Popular Socialista – PPS, condicionando a admissão do Partido Verde – PV, do Partido Socialista Brasileiro – PSB e do Partido Socialismo e Liberdade – PSOL ao saneamento da representação processual, sendo que só este último atendeu à determinação (folha 291).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Compõem a relação processual, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.351-3/DF, o Partido Comunista do Brasil – PC do B, o Partido Democrático Trabalhista – PDT, o Partido Socialista Brasileiro – PSB e o Partido Verde – PV, e, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.354-8/DF, o Partido Social Cristão – PSC, havendo sido admitidos naquela como terceiros o Partido Popular Socialista – PPS e o Partido Socialismo e Liberdade – PSOL. Friso que não está em mesa para julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.677-1/DF, ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, pelo Partido Popular Socialista – PPS e pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT.


A discussão básica estampada nos processos em apreciação diz respeito à harmonia ou não do artigo 13 da Lei dos Partidos Políticos — Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995 – com a Constituição Federal. Os demais dispositivos atacados, consideradas expressões a remeterem ao citado artigo – nos incisos II do artigo 41 e II do artigo 56, na cabeça dos artigos 48 e 49 e na cabeça e incisos do artigo 57 -, são alcançados pelo critério da conseqüência, por arrastamento. Eis o preceito em jogo:

Art. 13 – Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados, obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos estados, com o mínimo de dois por cento do total de cada um deles.

Vê-se que o artigo 13 em questão, relativamente ao funcionamento parlamentar nas Casas Legislativas, prevê que o partido político deve preencher dois requisitos. O primeiro deles refere-se à quantidade dos votos válidos atinentes às cadeiras da Câmara dos Deputados. Então, há de se ter o mínimo de cinco por cento da totalidade dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos. Atendida essa condição, surge novo obstáculo a ser ultrapassado. É preciso que os cinco por cento dos votos estejam distribuídos em nove Unidades da Federação, exigida ainda a quantidade mínima de dois por cento em cada uma delas. Eis, então, os pressupostos para que o partido político, em verdadeira corrida de obstáculos, alcance o funcionamento parlamentar:

a) obtenção de cinco por cento dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, considerada a votação em todo o território nacional, afastados os brancos e os nulos;

b) distribuição desse percentual mínimo, em pelo menos um terço dos Estados brasileiros;

c) conquista, em cada um dos nove Estados, da percentagem mínima de dois por cento.

A exigência, além de estar ligada ao funcionamento parlamentar, repercute, ainda, no fundo partidário e no tempo disponível para a propaganda partidária. Sob o ângulo econômico-financeiro, ante o disposto no artigo 41 do diploma analisado, a divisão do fundo, no tocante aos partidos que lograram votação mínima e aos demais, há de se fazer mediante equações extremadas:

a) noventa e nove por cento do fundo partidário devem ser rateados entre os partidos que atenderam às condições previstas no artigo 13 em comento;

b) a percentagem ínfima de um por cento será distribuída entre todos os partidos que tenham estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral.

Vale dizer: os partidos que atendam ao disposto no citado artigo 13 participam do rateio de cem por cento do fundo partidário, enquanto os que não atinjam os patamares versados concorrem em partes iguais e juntamente com os primeiros – friso –, à divisão do valor resultante do percentual de um por cento do fundo partidário.

A outra restrição corre à conta do denominado programa partidário. Conforme estabelece o artigo 48 da Lei 9.096/95, aos partidos que não preencheram os requisitos do artigo 13 reservar-se-á, em cada semestre, espaço de dois minutos para a propaganda eleitoral, limitado à cadeia nacional. Já os demais partidos, aqueles que conseguiram cumprir as exigências do artigo 13, poderão realizar um programa em rede nacional e outro em rede estadual, em cada semestre, com duração dez vezes maior, ou seja, de vinte minutos cada qual, gozando ainda do direito a inserções de trinta segundos ou um minuto, em âmbito nacional e estadual, perfazendo, por semestre, quarenta minutos – artigo 49 da Lei 9.096/95.

Tem-se a plena procedência do que apontado como extremos quer sob o ângulo do funcionamento parlamentar, excluído no que não alcançados os patamares do artigo 13, quer quanto à participação no fundo partidário, praticamente neutralizada em face das percentagens de noventa e nove por cento e de um por cento para rateio geral, quer em relação à propaganda partidária, tendo certos partidos o direito de veiculá-la apenas em cadeia nacional e por dois minutos em cada semestre, dispondo outros, para tanto, em rede nacional e estadual, de tempo dez vezes maior, além de contarem com as inserções a totalizarem, por semestre, também nos dois âmbitos, quarenta minutos em cada qual.

Explicando melhor, ante a qualificação dos partidos considerados os votos obtidos – o que resulta em dualidade toda imprópria – em majoritários e minoritários, cabe aos primeiros – assim entendidos os de votação a atender ao disposto na lei –, para difundir o programa partidário, transmitir mensagens aos filiados sobre a execução do programa partidário, dos eventos com este relacionados e das atividades congressuais do partido e divulgar a respectiva posição quanto a temas político-comunitários, vinte minutos corridos em cada semestre, para transmissões em cadeia nacional e estadual, e quarenta minutos semestrais, com inserções de trinta segundos ou um minuto nas redes nacional e estadual.


Os partidos minoritários, para as mesmas finalidades, têm direito a somente dois minutos por semestre e apenas em cadeia nacional, não contando com tempo algum para inserções.

As regras de repercussão avassaladora quanto à sobrevivência e ao crescimento dos partidos políticos tiveram a eficácia projetada no tempo, presentes os artigos 56 e 57 das Disposições Finais e Transitórias da Lei 9.096/95 e a mitigação das exigências previstas, também minimizadas as conseqüências. Em outras palavras, a plena eficácia dos artigos atacados nestas ações far-se-á a partir da legislatura que terá início em 2007, consideradas as eleições gerais ocorridas neste ano.

São vinte e nove os partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, a saber:

Partido Republicano Brasileiro – PRB (10)

Partido Progressista – PP (11)

Partido Democrático Trabalhista – PDT (12)

Partido dos Trabalhadores – PT (13)

Partido Trabalhista Brasileiro – PTB (14)

Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB (15)

Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado – PSTU (16)

Partido Social Liberal – PSL (17)

Partido Trabalhista Nacional – PTN (18)

Partido Social Cristão – PSC (20)

Partido Comunista Brasileiro – PCB (21)

Partido Liberal – PL, (22)

Partido Popular Socialista – PPS, (23)

; Partido da Frente Liberal – PFL, (26)

Partido dos Aposentados da Nação – PAN, (26)

Partido Social Democrata Cristão – PSDC (27)

Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – PRTB (28)

Partido da Causa Operária – PCO (29)

Partido Humanista da Solidariedade – PHS (31)

Partido da Mobilização Nacional – PMN (33)

Partido Trabalhista Cristão – PTC (36)

Partido Socialista Brasileiro – PSB (40)

Partido Verde – PV (43)

Partido Republicano Progressista – PRP (44)

Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB (45)

Partido Socialismo e Liberdade – PSOL (50)

Partido de Reedificação da Ordem Nacional – PRONA (56)

Partido Comunista do Brasil – PC do B (65), e, por fim, Partido Trabalhista do Brasil — PT do B (70)

Sem normas e fatos não há julgamento. Pois bem, qual foi o desempenho desses partidos, considerada a votação para preenchimento das cadeiras da Câmara dos Deputados, nas eleições últimas?

Dos vinte e nove partidos existentes, apenas sete alcançaram e suplantaram o patamar de cinco por cento dos votos para a Câmara dos Deputados em todo o território nacional, distribuídos de tal forma a perfazer pelo menos dois por cento em cada qual de nove estados. Ante a ordem de classificação, se é que desta podemos cogitar, eis os partidos que lograram atender aos ditames legais:

a) Partido dos Trabalhadores – PT, com 14,94% dos votos, totalizando treze milhões, novecentos e oitenta e nove mil, oitocentos e cinqüenta e nove votos, cobrindo, presente a percentagem mínima de dois por cento, todas as unidades da Federação, elegendo 83 deputados federais

b) Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, com 14,51% dos votos, totalizando treze milhões, quinhentos e oitenta mil, quinhentos e dezessete votos, abrangendo, com relação ao patamar de dois por cento, todos os Estados, elegendo 89 deputados federais

c) Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, com 13,76% dos votos, totalizando doze milhões, oitocentos e oitenta e três mil, cento e quarenta e sete votos, não alcançando a percentagem de dois por cento no Rio Grande do Norte e no Amazonas, elegendo 66 deputados federais.

d) Partido da Frente Liberal — PFL, com 10,88% dos votos, totalizando dez milhões, cento e oitenta e dois mil, trezentos e oito votos, deixando de atingir a percentagem de dois por cento no Ceará, no Espírito Santo, em Rondônia e no Acre, elegendo 65 deputados federais.

e) Partido Progressista — PP, com 7,11% dos votos, totalizando seis milhões, seiscentos e sessenta mil, novecentos e cinqüenta e um votos, não chegando à percentagem de dois por cento apenas no Distrito Federal, elegendo 41 deputados federais.

f) Partido Socialista Brasileiro – PSB, com 6,21% dos votos, totalizando cinco milhões, oitocentos e treze mil, quatrocentos e noventa e quatro votos, não obtendo o patamar de dois por cento em Goiás, no Pará, no Paraná e em Mato Grosso do Sul, elegendo 27 deputados federais.

g) Partido Democrático Trabalhista – PDT, que, passando rente à trave, logrou 5,19% dos votos no País, totalizando quatro milhões, oitocentos e sessenta e dois mil e setenta e quatro votos, deixando de alcançar a percentagem mínima de dois por cento em Goiás, no Rio Grande do Norte, em Mato Grosso, no Distrito Federal, no Amazonas e em Sergipe, elegendo 24 deputados federais.


Em síntese, a prevalecer, sob o ângulo da constitucionalidade, o disposto no artigo 13 da Lei 9.096/95, somente esses partidos terão funcionamento parlamentar, participarão do rateio de cem por cento do saldo do fundo partidário, gozarão, em cada semestre e em cadeias nacional e estadual, de espaço de vinte minutos para a propaganda eleitoral e desfrutarão de inserções, por semestre e também em redes nacional e estadual, de trinta segundos ou um minuto, totalizando oitenta minutos no ano.

Os demais ficarão à míngua, vale dizer, não contarão com o funcionamento parlamentar, dividirão, com todos os demais partidos registrados junto ao Tribunal Superior Eleitoral, a percentagem de um por cento do fundo partidário e, no tocante à propaganda partidária, terão, por semestre, apenas dois minutos restritos à cadeia nacional.

Eis a quantidade de votos obtidos por esses partidos:

a) Partido Trabalhista Brasileiro — PTB, com 4,72% dos votos, alcançando quatro milhões, quatrocentos e dezesseis mil, quinhentos e sessenta e seis votos, deixando de atingir o patamar de dois por cento em nove Estados – Mato Grosso, Santa Catarina, Bahia, Paraíba, Amapá, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Acre, elegendo 22 deputados.

b) Partido Liberal – PL, com 4,35% dos votos, alcançando quatro milhões, setenta e quatro mil, trezentos e noventa e três votos, não logrando a percentagem de dois por cento em cinco Estados – Maranhão, Rio Grande do Sul, Piauí, Mato Grosso do Sul e Tocantins, elegendo 23 deputados.

c) Partido Popular Socialista — PPS, com 3,99% dos votos, iguais a três milhões, setecentos e quarenta mil e cinco votos, não conseguindo os dois por cento em onze Estados – Pará, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Sergipe, Tocantins, Amazonas, Goiás, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte e Piauí, elegendo 22 deputados.

d) Partido Verde — PV, com 3,65% dos votos, significando três milhões, quatrocentos e vinte e um mil e sete votos, alcançando a meta de dois por cento apenas em oito Estados – Minas Gerais, São Paulo, Maranhão, Rondônia, Roraima, Rio de Janeiro, Alagoas e Paraná, elegendo 13 deputados.

e) Partido Comunista do Brasil — PC do B, com 2,12% dos votos, significando um milhão, novecentos e oitenta e dois mil, trezentos e vinte e três votos, obtendo os dois por cento apenas em nove Estados – Acre, Amazonas, Piauí, Rio Grande do Sul, Ceará, Maranhão, Amapá, Bahia e Pernambuco, elegendo 13 deputados.

f) Partido Social Cristão — PSC, com 1,86% dos votos, percentagem a revelar um milhão, setecentos e quarenta e cinco mil, cento e trinta e dois votos, ultrapassando os dois por cento em sete Estados – Sergipe, Rio de Janeiro, Pará, Espírito Santo, Amapá, São Paulo e Maranhão, elegendo 9 deputados.

g) Partido Socialismo e Liberdade — PSOL, com 1,23% dos votos, a revelar um milhão, cento e quarenta e nove mil, seiscentos e dezenove votos, tendo alcançado os dois por cento em quatro Estados – Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Ceará e Distrito Federal, elegendo 3 deputados.

h) Partido da Reedificação da Ordem Nacional — PRONA, com 0,97% dos votos, ou seja, novecentos e seis mil, trezentos e quarenta e sete votos, ultrapassando a meta de dois por cento em cinco Estados – Amazonas, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo e Alagoas, elegendo 2 deputados;

i) Partido da Mobilização Nacional — PMN, com 0,94% dos votos, logrando oitocentos e setenta e cinco mil, seiscentos e dezesseis votos, chegando aos dois por cento em quatro Estados – Rio Grande do Norte, Acre, Alagoas e Amazonas, elegendo 3 deputados;

j) Partido Trabalhista Cristão — PTC, com 0,86% dos votos, isto é, oitocentos e quatro mil, duzentos e vinte e seis votos, alcançando os dois por cento nos Estados de Roraima e São Paulo, elegendo 3 deputados;

l) Partido Humanista da Solidariedade – PHS, com 0,46% dos votos, ou seja, quatrocentos e trinta e cinco mil e dezenove votos, não logrando os dois por cento em qualquer dos Estados, elegendo 2 deputados;

m) Partido Social Democrata Cristão — PSDC, com 0,38% dos votos, logrando trezentos e cinqüenta e cinco mil e vinte e um votos, não obtendo os dois por cento em qualquer dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

n) Partido Trabalhista do Brasil — PT do B, com 0,32% dos votos, alcançando, assim, trezentos e dois mil, quinhentos e vinte votos, conseguindo os dois por cento somente no Estado do Rio de Janeiro, elegendo 1 deputado;

o) Partido dos Aposentados da Nação — PAN, com 0,32% dos votos, perfazendo trezentos e um mil, duzentos e sessenta e seis votos, ultrapassando os dois por cento no Estado do Maranhão, elegendo 1 deputado;

p) Partido Republicano Brasileiro — PRB, com 0,25% dos votos, tendo com isso duzentos e trinta e dois mil e novecentos e setenta e sete votos, não logrando os dois por cento em qualquer dos Estados, elegendo 1 deputado;


q) Partido Republicano Progressista — PRP, com 0,25% dos votos, logrando duzentos e trinta e um mil, cento e sessenta e um votos, não obtendo dois por cento em qualquer Estado, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

r) Partido Social Liberal — PSL, com 0,20% dos votos, alcançando cento e oitenta e sete mil, trezentos e quarenta votos, não logrando dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

s) Partido Renovador Trabalhista Brasileiro — PRTB, com 0,18% dos votos, isto é, cento e setenta mil, quatrocentos e trinta e seis votos, não chegando aos dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

t) Partido Trabalhista Nacional — PTN, com 0,16% dos votos, ou seja, cento e cinqüenta e um mil, duzentos e noventa e dois votos, conseguindo dois por cento em dois Estados: Rondônia e Roraima, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

u) Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado — PSTU, com 0,11% dos votos, significando cem mil, quinhentos e setenta e quatro votos, não logrando dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

v) Partido Comunista Brasileiro — PCB, com 0,05% dos votos, percentual igual a quarenta e três mil, setecentos e dezenove votos, não obtendo dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado;

x) Partido da Causa Operária — PCO, com 0,03% do total, significando vinte e seis mil e novecentos e quarenta e nove votos, não logrando dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado.

O registro desses dados servirá ao exame da razoabilidade das exigências legais.

Sob o aspecto constitucional, somente a Carta outorgada de 1967 versou a matéria alusiva à cláusula de barreira. Fê-lo não quanto ao funcionamento parlamentar em si, a existência de partido cerceado no tocante a prerrogativas normalmente existentes, mas relativamente à extinção.

O artigo 149 da Constituição Federal de 1967, ao dispor sobre a organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos, além de remeter a lei federal, assentou como princípio a necessidade de as agremiações haverem obtido, na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, dez por cento do eleitorado – atualmente cinco -, distribuídos pelo menos em sete Estados – e não em nove como agora – com um mínimo de sete por cento – hoje dois – em cada um deles. Eis o preceito regedor da matéria:

Art. 149. A organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos serão regulados em lei federal, observados os seguintes princípios:

I […]

[…]

VII – exigência de dez por cento do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos em dois terços dos Estados, com o mínimo de sete por cento em cada um deles, bem assim dez por cento de Deputados, em, pelo menos, um terço dos Estados, e dez por cento de Senadores.

[…]

A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, também dispôs sobre o tema, flexibilizando a exigência anterior. Esta a disciplina verificada:

Art. 152 – A organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos serão regulados em lei federal observados os seguintes princípios:

[…]

VII – exigência de cinco por cento do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo menos, em sete Estados, com o mínimo de sete por cento em cada um deles; e […]

A Emenda Constitucional 11, de 13 de outubro de 1978, ao dar nova redação ao artigo 152 mencionado, modificou a previsão:

Art. 152 – A organização e o funcionamento dos partidos políticos, de acordo com o disposto neste artigo, serão regulados em lei federal.

§ 1º […]

[…]

§ 2º […]

[…]

II – apoio, expresso em votos, de 5% (cinco por cento) do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo menos, por nove Estados, com o mínimo de 3% (três por cento) em cada um deles.

[…]

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985, houve nova alteração do artigo 152 em análise. O § 1º do citado artigo ganhou a seguinte redação:

§ 1º Não terá direito a representação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados o partido que não obtiver o apoio, expresso em votos, de 3% (três por cento) do eleitorado, apurados em eleição geral para a Câmara dos Deputados e distribuídos em, pelo menos, 5 (cinco) Estados com o mínimo de 2% (dois por cento) do eleitorado de cada um deles.

Então, é dado concluir que, sob a regência da Carta de 1967, tanto na redação primitiva, quanto nas resultantes das Emendas Constitucionais 1/69 e 11/78, as exigências ligadas à representatividade de partido político alcançaram, com gradação maior, constitucional, a própria organização, funcionamento e extinção das agremiações. Com a Emenda Constitucional 25/85, dispôs-se de forma precisa quanto às conseqüências de não ter o partido atingido os patamares fixados, versando o novo § 2º do aludido artigo 152 sobre a conseqüência de não ser alcançada a votação exigida, considerados os mandatos políticos:


§ 2º Os eleitos por partidos que não obtiverem os percentuais exigidos pelo parágrafo anterior terão seus mandatos preservados, desde que optem, no prazo de 60 (sessenta dias), por qualquer dos partidos remanescentes.

O § 3º do mesmo dispositivo cuidou da problemática da criação, fusão, incorporação, extinção e fiscalização financeira dos partidos políticos, remetendo a lei federal, guardados, é certo, os princípios constitucionais.

Conclui-se, portanto, que, anteriormente, a matéria tinha disciplina constitucional.

Sob o ângulo da votação obtida, a própria Carta dispunha não só sobre a representação nas Casas Legislativas como também sobre a vida ou a morte civil do partido político.

O que aconteceu, considerados os novos ares constitucionais, os benfazejos ares democráticos, ao menos assim se quer e se proclama a todos os ventos, consagrados na Lei Fundamental de 1988? O artigo 1º revela como um dos fundamentos da própria República o pluralismo político – inciso V.

Já o parágrafo único do citado artigo estabelece que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos do Diploma Maior. Este, ao fixar as condições de elegibilidade, menciona a necessária filiação partidária, ou seja, não existe a possibilidade de o cidadão, sem respaldo de partido político, lograr mandato eletivo, presente o sufrágio universal, o voto direto e secreto.

O Capítulo V de Título compreendido em parte básica da Constituição Federal – o II, porque trata dos direitos e garantias fundamentais – encerra como medula a liberdade dos partidos políticos, predicado inafastável quanto a essas pessoas jurídicas de direito privado. Pedagogicamente consigna a liberdade na criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, revelando a necessidade de se resguardar a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana.

Vê-se o relevo maior atribuído à multiplicidade política. Relembrem: como fundamento da República, versou-se o pluralismo político e, quanto aos partidos políticos, previu-se a livre criação, fazendo-se referência, de maneira clara, ao pluripartidarismo. Tratou-se do caráter nacional das entidades para, a seguir, dispor-se que os partidos adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil, devendo ter os estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral.

O que se contém no artigo 17 da Carta Federal diz respeito a todo e qualquer partido político legitimamente constituído, não encerrando a norma maior a possibilidade de haver partidos de primeira e segunda classes, partidos de sonhos inimagináveis em termos de fortalecimento e partidos fadados a morrer de inanição, quer sob o ângulo da atividade concreta no Parlamento, sem a qual é injustificável a existência jurídica, quer da necessária difusão do perfil junto ao eleitorado em geral, dado indispensável ao desenvolvimento relativo à adesão quando do sufrágio, quer visando, via fundo partidário, a recursos para fazer frente à impiedosa vida econômico-financeira.

Em síntese, tudo quanto venha à balha em conflito com os ditames maiores, os constitucionais, há de merecer a excomunhão maior, o rechaço por aqueles comprometidos com a ordem constitucional, com a busca do aprimoramento cultural. Transcrevo, para efeito de documentação, a íntegra do citado artigo:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

I – caráter nacional

II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes

III – prestação de contas à Justiça Eleitoral

IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

§ 2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.

§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.

§ 4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.

Ainda sob o ângulo do pluripartidarismo, da representatividade dos diversos segmentos nacionais, é dado perceber a ênfase atribuída pela Carta Federal às minorias. No tocante às comissões permanentes e temporárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o § 1º do artigo 58 do Diploma Maior assegura sem distinguir, considerada a votação obtida, o número de eleitos, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa.


Aliás, na cabeça do artigo, há a remessa aos Regimentos Internos do Congresso bem como das duas Casas, e versa o preceito algo compreendido no gênero funcionamento parlamentar, disciplina em sintonia com a independência dos Poderes. No processo legislativo, no aperfeiçoamento da lei em sentido formal e material, nesse ato complexo, atua, ao término da linha, o Executivo, sancionando ou vetando o que aprovado pelas Casas Legislativas. Fica no ar:

Existentes partidos com deputados eleitos, é dado a Poder diverso – o Executivo – compor e balizar o funcionamento interno, embora de forma conjunta com Senado e Câmara? Di-lo que não o jurista e ex-ministro Célio Borja. Endosso a óptica por Sua Excelência externado.

Da mesma forma que ao Judiciário cumpre reger órgãos internos – artigo 96, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal – via regimento interno, tem-se, preservado o sistema como único, idêntico enfoque quanto à vida interna de cada Casa Legislativa — artigos 51, incisos III e IV, 52, incisos XII e XIII, e 58 da Carta da República. Vale repetir o que consignado pelo parecista em peça elaborada a pedido da Mesa da Câmara dos Deputados, considerada transcrição contida em memorial:

“Da independência do órgão colegiado do Poder Legislativo e da inviolabilidade dos seus membros, no exercício do mandato, resulta a impossibilidade de lhes regular a conduta parlamentar por lei formal, dado que assim facultar-se-ia a intromissão de outra Casa e do Presidente da República em assunto entregue à autonomia de cada uma das Câmaras”

“.

As bancadas são instituições de direito parlamentar exclusivamente. Constituem-se, nos corpos legislativos, pela reunião dos representantes que se identificam pela unidade de propósito e pela uniformidade da atuação. Agrupam-se sob a liderança que designam”.

Sim, presentes deputados necessariamente vinculados a certo partido, cuja existência civil e registro no Tribunal Superior Eleitoral sejam incontestáveis, a eles são aplicáveis, em termos de atividade parlamentar, as normas constantes do Regimento Interno. Fora isso é menosprezar a independência funcional da Casa Legislativa.

Estabelece o § 3º do mesmo artigo 58 que a criação de comissão parlamentar de inquérito se faz mediante requerimento de um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal ou, se comissão mista, de ambas as Casas. A Constituição Federal atribui ainda legitimidade aos partidos políticos para provocarem a jurisdição constitucional concentrada, sendo suficiente, contar, para tanto, com um único representante em qualquer das Casas do Congresso. Em última análise, as previsões constitucionais encerram a neutralização da ditadura da maioria, afastando do cenário nacional óptica hegemônica e, portanto, totalitária. Concretizam, em termos de garantias, o pluralismo político tão inerente ao sistema proporcional, sendo com elas incompatível regramento estritamente legal a resultar em condições de exercício e gozo a partir da gradação dos votos obtidos.

Aliás, surge incongruente admitir que partido sem funcionamento parlamentar seja, a um só tempo, legitimado para a propositura das ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, não tendo atuação na Casa Legislativa, mas agindo via credenciamento popular no âmbito do Judiciário, tudo acontecendo – repito – sem que existente a restrição constitucional.

Vê-se que a Lei Básica de 1988 não manteve a vinculação surgida com a Constituição de 1967, para o desenvolvimento da atividade política pelo partido, aos votos obtidos em determinado certame. Nem se diga que o inciso IV do artigo 17 remete o funcionamento parlamentar à disciplina mediante lei, podendo esta última dispor sobre algo de fundamental relevância, ou seja, sobre a criação de partidos políticos de primeira e segunda categorias, considerado o desempenho nas urnas.

A previsão quanto à competência do legislador ordinário para tratar do funcionamento parlamentar há de ser tomada sem esvaziar-se os princípios constitucionais, destacando-se com real importância o revelador do pluripartidarismo. Vale dizer que se deixaram à disciplina legal os parâmetros do funcionamento parlamentar sem, no entanto, viabilizar que norma estritamente legal determinasse a vida soberba de alguns partidos políticos e a morte humilhante de outros.

Verificada a existência jurídica do partido, a participação em certas eleições, o êxito quanto a mandatos políticos em disputa, não há como afastar do cenário a vontade dos cidadãos que elegeram candidatos, que vieram a preencher cadeiras em Casas Legislativas, desvinculando-os, em quase um passe de funesta mágica, do próprio partido que respaldou a candidatura. Surge incongruente assentar a necessidade de o candidato ter, em um primeiro passo, o aval de certo partido e, a seguir eleito, olvidar a agremiação na vida parlamentar. O casamento não é passível desse divórcio.


Aliás, para aqueles preocupados com a proliferação dos partidos políticos, há de levar-se em conta que o enxugamento do rol é automático, presente a vontade do povo, de quem emana o poder. Se o partido político não eleger representante, é óbvio que não se poderá cogitar de funcionamento parlamentar.

Considerada a ordem natural das coisas, cuja força é insuplantável, a conveniente representatividade dos partidos políticos no parlamento fica jungida tão-somente ao êxito verificado nas urnas, entendendo como tanto haver sido atingido o quociente eleitoral, elegendo candidatos, pouco importando o número destes. Só assim ter-se-á como atendido o fundamento da República, ou seja, o pluralismo político, valendo notar que o verdadeiro equilíbrio decorre do somatório de forças que revelem a visão dos diversos segmentos que perfazem a sociedade.

Em síntese, não elegendo candidato, o partido fica automaticamente fora do contexto parlamentar. Estão enquadrados nessa situação, porquanto não alcançaram o coeficiente eleitoral, os seguintes partidos: Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado — PSTU, Partido Social Liberal — PSL, Partido Trabalhista Nacional — PTN, Partido Comunista Brasileiro — PCB, Partido Social Democrata Cristão – PSDC, Partido Renovador Trabalhista Brasileiro — PRTB, Partido da Causa Operária — PCO e Partido Republicano Progressista — PRP.

Resumindo, surge com extravagância maior interpretar-se os preceitos constitucionais a ponto de esvaziar-se o pluripartidarismo, cerceando, por meio de atos que se mostram pobres em razoabilidade e exorbitantes em concepção de forças, a atuação deste ou daquele partido político.

Tenham presente que a necessidade do trato constitucional da matéria, conforme a tradição, conforme a assegurada liberdade de criação dos partidos, foi percebida quando dos trabalhos de revisão da Carta de 1988. O então relator da revisão, deputado Nelson Jobim, apresentou, em 1994, substitutivo ao Parecer 36. Neste ressaltou que a chamada “cláusula de barreira” não teria sido tratada na Constituição, aspecto que vinha dando margem a “perplexidades interpretativas por parte do legislador”.

O substitutivo acrescentava, ao § 2º do artigo 17 da Constituição Federal, relativizando–o, a necessidade de o partido político comprovar o apoiamento de eleitores exigido em lei. Acrescentava os §§ 5º e 6º ao citado artigo e revogava o inciso IV nele contido, a versar sobre a remessa, à lei, do funcionamento parlamentar. Eis o teor dos preceitos que, caso aprovada a emenda constitucional de revisão, estariam hoje em vigor, afastando a celeuma que deu margem a este julgamento pelo Supremo, guarda maior da Constituição:

§ 5º Somente terá direito a representação na Câmara dos Deputados o partido que obtiver o apoio mínimo de cinco por cento dos votos válidos, excluídos os brancos e os nulos, apurados em eleição geral e distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, atingindo dois por cento em cada um deles.

§ 6º Somente o partido que cumprir o disposto no parágrafo anterior poderá registrar candidato a Presidente da República.

O substitutivo data de 1994. Não houve o consenso indispensável à aprovação da emenda em que pesem aos parâmetros flexibilizados, para alterar-se a Carta da República, previstos no artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias — voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional em sessão unicameral. Pois bem, após histórico e disciplina a revelarem a necessidade do trato da matéria com envergadura maior – constitucional , o legislador comum veio a aprovar o texto do que seria o § 5º do artigo 17 da Constituição Federal, olvidando a natureza rígida desse diploma.

A Carta acabou alterada mediante lei ordinária! Transportou-se – sem o advérbio “somente”, é certo -, para o estatuto dos partidos políticos aprovado no ano seguinte, as regras submetidas ao Congresso Nacional e rejeitadas para inserção no Documento Maior da República.

Não houve sequer alteração quanto às percentagens. Está-se a ver que o disposto no artigo 13 da Lei 9.096/95 veio a mitigar o que garantido aos partidos políticos pela Constituição Federal, asfixiando-os sobremaneira, a ponto de alijá-los do campo político, com isso ferindo de morte, sob o ângulo político-ideológico, certos segmentos, certa parcela de brasileiros. E tudo ocorreu a partir da óptica da sempre ilustrada maioria.

Sob o ângulo da razoabilidade, distancia-se do instituto diploma legal que, apesar da liberdade de criação de partidos políticos prevista na Constituição Federal, admite a existência respectiva e, em passo seguinte, inviabiliza o crescimento em termos de representação.

A exigência de cinco por cento dos votos válidos para a Câmara dos Deputados implica, considerados os dados da última eleição, a necessidade de o partido haver alcançado quatro milhões, seiscentos e oitenta e um mil, duzentos e noventa e três votos em um universo de noventa e três milhões, seiscentos e vinte e cinco mil, oitocentos e cinqüenta e oito votos. Aliás, assentada, em relação a todos os partidos hoje registrados no Tribunal Superior Eleitoral, a necessidade de alcançar cinco por cento dos votos, ter-se-ia que contar não com cem por cento correspondentes à totalidade dos sufrágios mas com cento e quarenta e cinco por cento!


Ainda no tocante à razoabilidade, mostra-se imprópria a existência de partidos políticos com deputados eleitos e sem o desempenho parlamentar cabível, cumprindo ter presente que, a persistirem partidos e parlamentares a eles integrados, haverá, em termos de funcionamento parlamentar, o esvaziamento da atuação das minorias.

A cláusula constitucional a remeter o funcionamento parlamentar, as balizas deste, a preceito legal – o que, no entendimento do ministro Célio Borja, constante de parecer, leva à disciplina mediante regimento interno – não pode ser tomada a ponto de admitir-se que a lei inviabilize, por completo, o dito funcionamento, acabando com as bancadas dos partidos minoritários e impedindo os respectivos deputados de comporem a Mesa Diretiva e as comissões, em flagrante contrariedade à disposição do § 1º do artigo 58 da Constituição Federal, no que sinaliza, em bom vernáculo, a necessidade de ambas – Mesa e comissões – serem integradas, se houver possibilidade física, de forma proporcional, pelos partidos e blocos parlamentares existentes na Casa, vale dizer, que tenham deputados eleitos.

Nos dias de hoje, tem-se exemplo marcante da extravagância da disciplina legal. O histórico e fidedigno Partido Comunista do Brasil logrou obter 2,12% da totalidade dos votos para a Câmara dos Deputados, significando esta percentagem substancial votação — um milhão, novecentos e oitenta e dois mil, trezentos e vinte e três votos em noventa e três milhões, seiscentos e vinte e cinco mil, oitocentos e cinqüenta e oito votos -, perfazendo a percentagem de dois por cento dos votos em nove Estados – Acre, Amazonas, Piauí, Rio Grande do Sul, Ceará, Maranhão, Bahia, Pernambuco e Amapá – e elegendo 13 deputados.

Conta hoje com integrante a presidir a Câmara dos Deputados – o deputado Aldo Rebelo. Pois bem, ante a incidência do artigo 13, na próxima legislatura, de duas, uma: ou o deputado Aldo Rebelo migra para outro partido, em condenável polivalência político –ideológica, ou terá que desistir de concorrer à reeleição, esta última admitida pelo Supremo desde que se trate de nova legislatura – muito embora o § 4º do artigo 57 da Carta contenha cláusula vedando “a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente”. Mais ainda: o atual Vice-Presidente da República, José Alencar, é do Partido Republicano Brasileiro – PRB. Foi reeleito.

O Partido não veio a atender às exigências legais nas últimas eleições, elegendo 1 deputado. Contará com integrante Vice-Presidente da República, mas com deputado órfão, sem endosso partidário, na Câmara dos Deputados.

Quanto ao rateio do fundo partidário, a circunstância de ter-se a divisão inicial considerados os percentuais de noventa e nove por cento e de um por cento, concorrendo ao primeiro os partidos ditos, sob o ângulo da representação, majoritários – com aumento da fatia de cada qual – e, à percentagem ínfima de um por cento, todos os 29 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, haverá situações concretas em que a redução de valor a ser recebido alcançará percentagem superior a noventa e nove por cento.

Levem-se em conta a situação do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, que elegeu 22 deputados e obteve quatro milhões, quatrocentos e dezesseis mil, quinhentos e sessenta e seis votos, o que, a toda evidência, não é pouco em termos de representatividade. Considerada a eleição de 2002, teve jus, em 2006, à cota de seis milhões, setecentos e quarenta e seis mil, cento e vinte e cinco reais, sessenta e quatro centavos. Com a nova disciplina, repetido em 2007 o valor arrecadado em 2006 para o Fundo Partidário, o PTB ficará com a quota de quarenta mil, seiscentos e quarenta e seis reais e setenta centavos, verificada assim diminuição de 99,40%.

O mesmo se diga em relação ao Partido Liberal — PL, cujos votos chegaram a quatro milhões, setenta e quatro mil, trezentos e noventa e três, elegendo 23 deputados. Ante a eleição de 2002 e considerado o Fundo Partidário relativo a 2006, alcançou seis milhões, setecentos e oito mil, noventa e três reais e treze centavos. Incidentes as novas regras e mantida a arrecadação de 2006 relativamente a 2007, caberá a ele quarenta mil, seiscentos e quarenta e seis reais e setenta centavos, ocorrendo decréscimo de 99,39%.

Enquanto isso, todos os sete partidos que lograram atender às exigências legais, com cinco por cento dos votos nacionais distribuídos em nove Estados, obtendo em cada qual dois por cento dos votos, terão majoração, a saber: Partido Progressista – PP, de 0,54%; Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, de 17,08%; Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, de 34,29%; Partido da Frente Liberal – PFL, de 1,59%; Partido dos Trabalhadores – PT, de 12,68%; Partido Socialista Brasileiro – PSB, de 43,53%; e Partido Democrático Trabalhista – PDT de 25,25%.


Ocorrendo alteração positiva e sendo alcançados valores que vão de 8.408.598,08 a 24.158.085,91. Não é aceitável, sob o ângulo da razoabilidade, tal equação, dividindo sete partidos o grande bolo de 99% do que vier a ser arrecadado para o Fundo Partidário e os vinte e nove partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, inclusive esses sete, um por cento.

O mesmo enfoque é dado verificar em termos de horário reservado à propaganda partidária. Os sete partidos que conseguiram atender aos requisitos legais terão, por semestre, cada qual, vinte minutos em rede nacional e vinte minutos em rede estadual bem como inserções nas duas cadeias, a totalizarem, em relação a cada uma, por semestre, quarenta minutos. Já os vinte e dois partidos de representação menor, aquém das rigorosas exigências legais, terão, cada qual, dois minutos por semestre e unicamente em rede nacional, não contando com o tempo para inserções.

Esta Corte é chamada a pronunciar-se sobre a matéria a partir da Constituição Federal. Descabe empunhar a bandeira leiga da condenação dos chamados partidos de aluguel, o preconceito, mesmo porque não se pode ter como a revelá-los partidos, para exemplificar, como o Partido Popular Socialista – PPS, o Partido Comunista do Brasil – PC do B, o Partido Verde – PV e o Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, sendo que este último, aliás, é condenado a não subsistir sem que tenha experimentado espaço de tempo indispensável a lograr grau de acatamento maior frente ao eleitorado. Se, impossibilitado de figurar junto à Casa para a qual elegeu deputados, tendo substancialmente mitigada a participação no fundo partidário e no horário de propaganda eleitoral, não deixará jamais a situação embrionária, própria ao surgimento de uma nova sigla.

Permanecerá, se tanto, em plano secundário, inviabilizado o acesso eficaz a eleitores, o que somente ocorre em virtude da atuação parlamentar e da divulgação de metas partidárias. A dose é cavalar, implicando a potencialização do objeto visado em detrimento de princípios constitucionais. Possíveis circunstâncias reinantes, possíveis desvios de finalidade hão de ser combatidos de forma razoável, sem a colocação em segundo plano de valores inerentes à democracia, a um Estado Democrático de Direito.

Levem em conta ainda que o funcionamento parlamentar não o é apenas nas Assembléias e Câmaras, alcançando o Senado da República e neste os seguintes partidos, da ala excluída, elegeram nas últimas eleições senadores – sem contar aqueles que se encontram em meio ao mandato: Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, 3 senadores; Partido Comunista do Brasil – PC do B, 1 senador; Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – PRTB, 1 senador; Partido Popular Socialista – PPS, 1 senador; e Partido Liberal – PL, 1 senador.

Indaga-se: ter-se-á dois pesos e duas medidas com funcionamento parlamentar no Senado e ausência nas demais Casas Legislativas? Se positiva a resposta, o sistema estará capenga, distinguindo-se onde o legislador não distinguiu.

Que fique ressaltado, em verdadeira profissão de fé, em verdadeiro alerta a desavisados, encontrar-se subjacente a toda esta discussão o ponto nevrálgico concernente à proteção dos direitos individuais e das minorias, que não se contrapõe aos princípios que regem o governo da maioria – cuja finalidade é o alcance do bem-estar público, a partir da vontade da maioria, desde que respeitados os direitos dos setores minoritários, não se constituindo, de forma alguma, em via de opressão destes últimos.

No Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria, organizada em torno de qualquer ideário ou finalidade – por mais louvável que se mostre –, é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais dos grupos minoritários dentre os quais estão a liberdade de se expressar, de se organizar, de denunciar, de discordar e de se fazer representar nas decisões que influem nos destinos da sociedade como um todo, enfim, de participar plenamente da vida pública, inclusive fiscalizando os atos determinados pela maioria.

Ao reverso, dos governos democráticos espera-se que resguardem as prerrogativas e a identidade própria daqueles que, até numericamente em desvantagem, porventura requeiram mais da força do Estado como anteparo para que lhe esteja preservada a identidade cultural ou, no limite, para que continue existindo.

Aliás, a diversidade deve ser entendida não como ameaça mas como fator de crescimento, como vantagem adicional para qualquer comunidade que tende a enriquecer-se com essas diferenças. O desafio do Estado moderno, de organização das mais complexas, não é elidir as minorias, mas reconhecê-las e, assim o fazendo, viabilizar meios para assegurar-lhes os direitos constitucionais. Para tanto, entre outros procedimentos, há de fomentar diuturnamente o aprendizado da tolerância como valor maior, de modo a possibilitar a convivência harmônica entre desiguais. Nesse aspecto, é importante sublinhar, o Brasil se afigura como exemplo para o mundo.

Democracia que não legitima esse convívio não merece tal status, pois, na verdade, revela a face despótica da inflexibilidade, da intransigência, atributos que, normalmente afetos a regimes autoritários, acabam conduzindo à escravidão da minoria pela maioria.

Alfim, no Estado Democrático de Direito, paradoxal é não admitir e não acolher a desigualdade, o direito de ser diferente, de não formar com a maioria. Mais: o Estado Democrático de Direito constitui-se, em si mesmo – e, sob certo ponto de vista, principalmente, instrumento de defesa das minorias. Esse foi o entendimento adotado, levando o Supremo a garantir a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito pela vontade de um terço – e não da maioria – dos parlamentares, no julgamento do Mandado de Segurança 24.831-9/DF, relatado pelo ministro Celso de Mello e cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 4 de agosto de 2006.

É de repetir até a exaustão, se preciso for: Democracia não é a ditadura da maioria! De tão óbvio, pode haver o risco de passar despercebido o fato de não subsistir o regime democrático sem a manutenção das minorias, sem a garantia da existência destas, preservados os direitos fundamentais assegurados constitucionalmente.

Então, encerro este voto, no julgamento conjunto das ações 1.351-3/DF e 1.354-8/DF, acolhendo os pedidos formulados e, com isso, declarando a inconstitucionalidade na Lei 9.096/95:

a) do artigo 13

b) da expressão “obedecendo aos seguintes critérios”, na cabeça do artigo 41, e dos respectivos incisos I e II

c) do artigo 48

d) da expressão “que atenda ao disposto no artigo 13”, no artigo 49;

e) da expressão “no artigo 13” do inciso II do artigo 57.

É o voto.”

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