Conduta ilícita

Diretor que ajuda concorrente é demitido por justa causa

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9 de setembro de 2005, 10h33

O diretor que interfere em uma negociação sem o conhecimento da empresa e ajuda a alavancar o negócio do concorrente pode ser demitido por justa causa. A decisão é da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). A Turma manteve demissão por justa causa de um ex-diretor da Kodak Brasileira Comércio e Indústria.

O economista foi contratado em 1980 como operador de processamento. Depois de chegar ao cargo de diretor-geral comercial, trabalhou na matriz da indústria nos Estados Unidos. A informação é do TRT paulista.

Em abril de 2000, a empresa recebeu um dossiê anônimo que relatava irregularidades praticadas pelo executivo. De acordo com o documento, ele auxiliou uma concorrente na venda de seu parque industrial à Kodak, elaborando parecer favorável ao negócio junto ao Conselho Diretivo.

O executivo teria recebido US$ 235 mil pela “consultoria”. Ainda segundo o dossiê, o então diretor também cobraria uma “taxa mensal” de alguns distribuidores.

A Kodak demitiu o economista um mês depois, amparada no artigo 482 da CLT — Consolidação das Leis do Trabalho. A lei define como justas causas para rescisão do contrato de trabalho o ato de improbidade e a “negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço”.

O ex-diretor entrou com processo na 28ª Vara do Trabalho de São Paulo. Sustentou que a Kodak não apresentou provas das acusações e que não respeitou o “princípio da imediatidade”. Ou seja, o ex-empregado não foi demitido logo depois da suposta prática das irregularidades.

A empresa rebateu os argumentos. Alegou que, além da denúncia anônima, tinha comprovantes de depósitos em contas correntes do diretor e de sua família e que a demissão ocorreu depois de auditorias interna e externa.

A primeira instância manteve a demissão por justa causa e o economista recorreu ao TRT paulista. A relatora do Recurso Ordinário, juíza Rilma Aparecida Hemetério, manteve a sentença de primeira instância.

Segundo a juíza, o próprio trabalhador disse, em depoimento, “que sem cientificar sua empregadora, prestou serviços de consultoria a empresa que atuava no mesmo ramo de atividade, visando alavancar os negócios desta, restando evidente a prática do ato de concorrência”.

Para a relatora, “o princípio da imediatidade deve ter em conta a época em que a prática dos atos que podem consubstanciar falta grave do empregado chega ao conhecimento do empregador (…) Assim que recebeu a denúncia anônima, a recorrida determinou a abertura de auditoria para apuração dos fatos e, tão logo encerrada esta, despediu o recorrente”. A decisão da 10ª Turma foi unânime.

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ORDINÁRIO – TRT/SP Nº 01602.2000.028.02.00-7

RECORRENTES: xxxx xxxx xxxx

KODAK BRASILEIRA COMÉRCIO E INDÚSTRIA

RECORRIDOS: OS MESMOS

ORIGEM: 28ª Vara do Trabalho de SÃO PAULO/SP

TEXTO E VIGÊNCIA DE LEI ESTRANGEIRA. ÔNUS DA PROVA. Se a inicial não traz qualquer pedido fundamentado em norma estrangeira, o ônus de comprovar o texto e a vigência de lei estranha ao ordenamento jurídico pátrio é da reclamada, que a invocou em defesa, não do reclamante, que nada pleiteou com tal embasamento – inteligência do artigo 14 da LICC.

JUSTA CAUSA. ATO DE CONCORRÊNCIA. ATO DE IMPROBIDADE. O empregado que presta serviços de consultoria a empresa que atua no mesmo ramo que sua empregadora, visando, de maneira confessa, alavancar os negócios da primeira, sem autorização da segunda, e que admite que recebia “gratificação espontânea” dos distribuidores desta, pratica, indubitavelmente, os atos de concorrência desleal e de improbidade a que se referem, respectivamente, as letras “c” e “a” do artigo 482 da CLT, mormente em se considerando que tais condutas irregulares eram expressamente proibidas por norma regulamentar interna da empregadora.

Inconformadas com a r. sentença de fls. 682/684, complementada às fls. 686 (embargos declaratórios), que julgou Procedente em Parte a reclamação e cujo relatório adoto, recorrem ambas as partes ordinariamente, o reclamante com as razões de fls. 691/716 e a reclamada com as de fls. 724/732.

Alega o reclamante que não houve imediatidade entre a ocorrência das faltas que lhe foram atribuídas e o despedimento; que não restaram comprovados os atos de improbidade e de negociação habitual, fazendo jus aos consectários decorrentes de injusta dispensa e que são devidos os 13ºs salários relativos ao período em que laborou no exterior.

A reclamada argúi nulidade por negativa de prestação jurisdicional e, no mérito, sustenta que a reconvenção deve ser deferida; que houve julgamento extra petita quanto ao recolhimentos fundiários e que no que se refere às férias, a lei aplicável é a do país em que foram prestados os serviços, não tendo a justiça brasileira competência para dirimir a matéria.


Depósito recursal às fls. 733 e custas processuais às fls. 735.

Contra razões às fls.740/748 e 749/766.

Deixou o D. Ministério Público de emitir parecer, em face da matéria em litígio (fls. 771).

É o relatório.

V O T O

Conheço dos recursos, pois preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Em face das matérias aventadas pelas partes, o recurso ordinário da reclamada será analisado primeiramente.

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA

Rejeita-se a preliminar de nulidade, eis que inexistiu negativa de prestação jurisdicional, na medida em que a r. sentença de origem, inclusive na parte em que julgou os embargos declaratórios interpostos pela recorrente, atende todos os requisitos estabelecidos pelos artigos 832 da CLT, 458 do CPC e 93, Inciso IX, da Constituição Federal.

Note-se que no tocante às férias o MM. Juízo a quo fez constar expressamente que aplicaria a lei pátria, na medida em que a reclamada não comprovou o teor da legislação a seu ver aplicável, nem que o reclamante teria recebido os direitos eventualmente nela assegurados (fls. 683), inexistindo omissão.

Por outro lado, a questão relativa a eventual julgamento extra petita não se resolve em sede de embargos declaratórios, mas sim através da revisão do julgado pela Instância Superior.

Assim, não houve negativa de prestação jurisdicional, ficando rejeitada a preliminar de nulidade.

No mérito, melhor sorte não assiste à recorrente.

Com efeito, a reconvenção apresentada não merece acolhimento, na medida em que os valores recebidos pelo reclamante da empresa Braf e dos distribuidores não pertenciam à reclamada, a quem, portanto, não é devida qualquer devolução, valendo registrar que ainda que tenha havido enriquecimento sem causa por parte do primeiro, a segunda não é a destinatária legítima de eventual reparação de tal conduta.

Relativamente ao FGTS, de ressaltar, primeiramente, que não houve, a rigor, julgamento extra petita, pois é evidente que a condenação na efetivação dos recolhimentos para “todo o período em que não providenciados” (fls. 684) está estreitamente vinculada ao pedido formulado na peça de ingresso.

Entretanto, para evitar inúteis discussões na fase de liquidação, dou provimento ao recurso para limitar os recolhimentos fundiários ao meses de fevereiro/98 a maio/98 e jan/99, conforme expressamente pleiteado no item “13” do rol de fls. 10.

Quanto às férias objeto da condenação, registre-se, de logo, que eventual aplicação de lei estrangeira não tem o condão de afastar a competência jurisdicional brasileira para conhecer da matéria, sendo de todo equivocados os argumentos recursais em tal sentido.

Ademais, a anotação inserida unilateralmente pela reclamada na CTPS do autor de que ele esteve afastado no período de 02/08/95 a 01/08/99 (fls. 16) não leva necessariamente à conclusão de que as partes teriam negociado a aplicação da lei estrangeira para o interregno laborado nos EUA, se não existe nos autos documento escrito assim definindo. Frise-se, aliás, que tal apontamento não surte qualquer efeito, pois é fato incontroverso que a prestação de serviços não sofreu qualquer solução de continuidade.

Note-se, ainda, que diferentemente do argumentado, a prova do texto e da vigência da lei estrangeira, se aplicável, competiria à reclamada (que foi quem a invocou), e não ao reclamante (que nada pediu com base em tal fundamento), conforme determina o artigo 14 da LICC.

Todavia, conforme bem colocado na r. sentença de origem, não cuidou a recorrente de colacionar o teor da pretensa lei aplicável ou sequer de comprovar que os direitos nela previstos teriam sido corretamente observados.

Assim, não podendo o trabalhador ficar à deriva da proteção de qualquer ordenamento jurídico, agiu acertadamente o MM. Juízo de Origem ao determinar a aplicação da legislação pátria e, em face da ausência de recibos, condenar a recorrente a pagar ao recorrido as férias apontadas no dispositivo sentencial, que não merece reparos no tocante.

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE

Pretende o recorrente o afastamento da justa causa, sob argumento de que as faltas que lhe foram atribuídas não restaram comprovadas e de que o despedimento não observou o princípio da imediatidade.

Todavia, contrariamente ao asseverado e conforme muito bem colocado pela DD. Prolatora de Origem, o próprio autor reconheceu, em depoimento pessoal (fls. 436), que sem cientificar sua empregadora, prestou serviços de consultoria a empresa que atuava no mesmo ramo de atividade, visando alavancar os negócios desta, restando evidente a prática do ato de concorrência a que se refere o artigo 482, letra “c”, da CLT, sendo certo, ainda, que tal procedimento afronta o “Código de Conduta dos Colaboradores da Kodak”, conforme se observa de fls. 91 dos autos (haverá conflito de interesses se o empregado, dentre outras situações, “servir a uma empresa que faça ou procure fazer negócios com a Companhia ou que seja concorrente da Companhia. Isto inclui, por exemplo, exercer funções como diretor empregado, funcionário, sócio ou consultor” – grifei)


Também em flagrante violação ao citado código, confessou ainda o autor que recebia “gratificação espontânea” dos distribuidores. Todavia, às fls. 93 do indigitado documento (“Relacionamento com Clientes e Fornecedores”) consta expressamente que é proibido aos colaboradores da reclamada “oferecer, dar, solicitar ou receber qualquer forma de suborno ou pagamento”. A conduta, indubitavelmente, configura ato de improbidade, nos moldes como previsto na letra “a” do dispositivo consolidado acima aludido.

Constata-se, pois, que a recorrida desvencilhou-se satisfatoriamente do encargo probatório que lhe competia quanto à demonstração da justa causa alegada.

Por outro lado, o princípio da imediatidade deve ter em conta a época em que a prática dos atos que podem consubstanciar falta grave do empregado chega ao conhecimento do empregador.

Por conseguinte, referido princípio foi devidamente observado, tendo restado patenteado nos autos que assim que recebeu a denúncia anônima, a recorrida determinou a abertura de auditoria para apuração dos fatos e, tão logo encerrada esta, despediu o recorrente.

Via de conseqüência, correta a r. sentença recorrida ao acatar a justa causa, sendo improsperáveis todos os argumentos recursais em sentido contrário.

Pretende o recorrente o pagamento dos 13º salários relativos ao período em que prestou serviços na matriz da recorrida, localizada em New York, USA.

Sustentou a reclamada, em defesa (fls. 82) – tese acatada pela r. sentença de origem com embasamento na prova oral produzida às fls. 537 – que quando da transferência, as partes teriam ajustado o pagamento de 13 salários anuais divididos por 12, ficando 13º salário, portanto, inserido na paga mensal do autor, conforme apontado no documento de fls. 102.

Verifica-se, de logo, que o citado documento não prova o alegado ajuste, tratando-se apenas de uma correspondência enviada a terceiro estranho à lide, na qual a operação acima descrita é referida.

Ademais, nada consta dos autos que possa fornecer algum respaldo jurídico à forma de pagamento adotada para o título, sequer havendo prova de que ele tenha sido efetivamente pago, ainda que de maneira inadequada.

Por fim, data maxima vênia da nobre prolatora de origem, já ficou estabelecido, quando do julgamento do recurso da parte contrária, que a lei aplicável ao contrato de trabalho aqui questionado é a brasileira, que veda terminantemente o pagamento de salário complessivo.

Neste diapasão, faz jus o recorrente ao pagamento dos 13ºs salários relativos ao período em que laborou nos EUA, ou seja, de 02/08/95 a 01/08/99, merecendo reforma a r. sentença de origem quanto a este particular.

Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO a ambos os apelos, ao da reclamada para limitar os recolhimentos fundiários deferidos aos meses de fevereiro/98 a maio/98 e jan/99 e ao do reclamante para acrescer à condenação o pagamento dos 13ºs salários relativos ao período de 02/08/95 a 01/08/99, mantendo, no mais, íntegra a r. sentença de origem. Rearbitro a condenação em R$ 115.000,0 e custas processuais em R$ 2.300,00.

RILMA APARECIDA HEMETÉRIO

Juíza Relatora

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