Química financeira

De Maluf a Lula, em política nada se cria, tudo se copia

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3 de setembro de 2005, 13h47

O presidente Lula tinha razão quando disse que as falcatruas eleitorais jogadas na cara do PT na verdade constituem uma prática antiga e universal nos costumes políticos nacionais. Basta comparar os fatos que compõem a crise petista com os fatos que compõem o dossiê montado pela Polícia Federal contra o ex-prefeito Paulo Maluf para se chegar à conclusão de que não há nada de novo no reino da política brasileira.

Mensalão

A notícia do mensalão, denunciado pelo deputado Roberto Jefferson como uma invenção da dupla Delúbio Soares e Marcos Valério, não deve ter surpreendido a ex-primeira-dama paulistana Nicéa Camargo. O que Jefferson contou à Folha de S.Paulo, Nicéa contou à Polícia Federal. Segundo ela, quando perguntou ao marido, o ex-prefeito Celso Pitta, porque ele guardava tanto dinheiro vivo e verde em casa, ele lhe respondeu que era para pagamento do apoio de vereadores na votação de projetos de interesse do prefeito. Ainda segundo Nicéa, Pitta também não se surpreendeu. Garantiu à sua então mulher que seu antecessor na prefeitura, Paulo Maluf, já fazia a mesma coisa: trocava dólares por votos dos vereadores.

Caixa 2 de campanha

O ex-presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Armando Mellão, também já havia detectado sinais concretos de caixa 2 de campanha bem depois das invenções de PC Farias e muito antes dos “recursos não contabilizados” da dupla Delúbio-Valério. Por Mellão, a Polícia ficou sabendo que numa reunião na casa do então secretário de obras da prefeitura de São Paulo, Reinaldo de Barros, o filho e operador do prefeito, Flávio Maluf solicitou aos empreiteiros presentes uma colaboração de 30% sobre o valor das obras contratadas pela prefeitura para um fundo político do grupo Maluf.

DNA e SMP&B

Assim como o PT tinha Marcos Valério, Paulo Maluf tinha Flávio Maluf como principal operador do caixa 2 do grupo. Tal como Marcos Valério, Flávio Maluf também não é publicitário, mas era ele o responsável pela propaganda e a publicidade tanto da prefeitura quanto do partido Segundo o mesmo Armando Mellão, Flávio Maluf não tinha cargo na administração municipal, mas era ele quem decidia e quem dava as ordens na prefeitura.

Há que se reconhecer que Marcos Valério deu um passo à frente ao usar empresas de publicidade — a SMP&B e DNA — para lavar o dinheiro que iria irrigar as campanhas e outros gastos suspeitos do grupo político a quem servia. No suposto esquema de Flávio Maluf, segundo o inquérito da Polícia, quem se ocupou de fazer este serviço sujo foram a Lavicen e a Sanerio, duas empresas fantasmas criadas por empreiteiras que prestavam serviços à prefeitura — aquelas dos 30%. O inquérito da Polícia Federal contabiliza uma movimentação de mais de US$ 44 milhões nas contas das duas empresas entre 1995 e 1999.

As empreiteiras abasteciam as empresas que em seguida distribuíam cheques a mancheias que eram descontados na boca do caixa. No caso atual, beneficiavam parlamentares da base aliada. No caso anterior beneficiavam contas no exterior.

Malas de dinheiro

Assim como se carrega dinheiro em malas ou em cuecas no esquema petista não contabilizado, no suposto sistema malufista não contabilizado o dinheiro era carregado em sacos. Segundo uma testemunha ouvida pela Polícia, o volume de dinheiro sacado na agência do banco BCN da Rua Boa Vista, em São Paulo, “era tão grande, que era colocado em sacos de viagem”.

Dinheiro vivo, é claro, é o preferido em esquemas suspeitos, já que não deixam rastros contábeis, especialmente quando se trata de moeda estrangeira. De acordo com a mesma testemunha, teriam sido guardados em um cofre de agência bancária em São Paulo, nada menos que US$ 12 milhões. “O espaço físico do cofre já não comportava guardar nenhum centavo a mais”, diz a testemunha, ouvida pela Polícia e citada no inquérito contra Maluf.

Duda Mendonça

No caso do marqueteiro, não se trata de cópia, mas de repetição. Duda Mendonça, que comandou a marketagem que elegeu Lula presidente em 2002, é o mesmo que comandou a marketagem que elegeu Maluf prefeito de São Paulo em 1992. Pela campanha de Lula, Duda confessou ter recebido US$ 10 milhões em uma conta Dusseldorf, do Bank Boston nas Bahamas. Da campanha de Maluf, Duda é acusado de ter recebido US$ 6,88 milhões em uma conta Heritage no Banco Safra de Nova Iorque.

Delação premiada

A história de ontem também termina como a de hoje: antigos operadores ou participantes dos supostos esquemas tentam escapar por alguma brecha do inquérito oferecendo informações em favor de vantagens penais. Gente como Marcos Valério e Rogério Buratti já se candidatou a cliente da chamada delação premiada.

Seguindo o mesmo figurino, mas sem se referir ao instituto da delação premiada, o delegado Protógenes Queiroz, que assina o inquérito que resultou no pedido de prisão de Paulo Maluf, informa que “os investigados Vivaldo Alves (operador da Conta Chanani), Simeão Damasceno de Oliveira e Joel Guedes Fernandes (tesoureiro e auxiliar de tesouraria da empresa Mendes Junior), apesar de participarem ativamente das fraudes de desvios de recursos ao exterior, não foram indiciados, pois prestaram relevantes informações que ajudaram a elucidar o complexo esquema”. Mesmo contrariando os princípios mais básicos da delação, segundo os quais apenas o juiz pode decidir se o delator merece redução de pena ou até o perdão judicial.

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