Prova do dano

Sem provas de constrangimento não há dano moral

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29 de outubro de 2005, 6h02

Para configurar dano moral é preciso provar que a ação, ou omissão, do empregador causou grande constrangimento ao empregado. Com este entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), em decisão unânime, livrou a C&A Modas de pagar indenização a um ex-empregado que foi retirado por seguranças da loja em que trabalhava.

O trabalhador, que exercia função de analista de crédito, foi demitido por justa causa quando a C&A descobriu que ele emitiu para si um cartão de crédito da loja, contrariando norma interna da empresa. No momento da demissão, ele foi acompanhado por um segurança até a administração da loja e, de lá, outra funcionária levou-o para fora do estabelecimento.

O analista entrou com ação na 70ª Vara do Trabalho de São Paulo, alegando que foi vítima de constrangimento pelo modo como aconteceu sua demissão, já que foi retirado do local de trabalho na frente de colegas e de clientes da loja. Ele pediu R$ 300 mil como indenização, além da reversão da demissão por justa causa, com o pagamento das verbas trabalhistas.

A primeira instância manteve a justa causa, mas condenou a C&A a pagar indenização de R$ 5 mil por danos morais. A empresa recorreu ao TRT paulista, sustentando que não houve constrangimento.

De acordo com o juiz Plínio Bolívar de Almeida, relator do Recurso Ordinário no tribunal, como o analista ignorou norma interna da empresa — que ele confessou conhecer — “é justo e razoável que a empregadora não mais confiasse no seu empregado”.

Segundo o juiz, nos depoimentos das quatro testemunhas ouvidas não há referência de que a retirada do reclamante da loja tivesse acontecido de modo vexatório, com estardalhaço ou com movimentação extraordinária no local, de modo a gerar constrangimento que justificasse o dano moral.

“O dano tem de ser real e comprovado. Não pode ser subjetivo e nem muito menos se basear em petições sem arrimo de prova forte e firme”, concluiu o relator.

Leia a íntegra da decisão

RO 02705.2002.070.02.00-1

RECURSO ORDINÁRIO DA 70ª VT DE SÃO PAULO.

RECORRENTES/RECORRIDOS: C&A MODAS LIMITADA E JORGE LUIZ MAGALHÃES BORINI.

EMENTA: “O dano moral é constituído pela ação ou omissão do empregador que cause constrangimento de monta ao empregado. Apelo provido.”

R E L A T Ó R I O

Inconformadas com a r. sentença de fls. 134/137, que julgou procedente em parte a reclamação trabalhista, recorrem, a Reclamada pela via ordinária às fls. 149/153, preliminarmente argüindo a incompetência da Justiça Especial do Trabalho para julgar a matéria pertinente à indenização por dano moral. E no mérito atacando essa condenação e pleiteando a improcedência da ação. A Autor vem pela via adesiva insistir na ausência de justa causa para a demissão e pretende a majoração do valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), consignado à indenização por dano moral.

Feito instruído, conforme ata de fls. 130/133, depoimento das partes e de uma testemunha convidada pelo Autor e de três convidadas pela Ré.

Custas e depósito recursal, fls. 154 e 155, a tempo e suficientes. Tempestividade observada em ambos os apelos. As partes apresentam contra-razões, conforme acostado às fls. 160/162 pelo Autor e 172/175 pela Ré. Procurações às fls. 08 (Reclamante) e 13 e 15 (Reclamada). Manifestação da douta Procuradoria Regional do Trabalho às fls. 176, nos termos do art. 83, II, VII, XII e XIII da Lei Complementar nº 75/93. É o relatório do necessário.

CONHECIMENTO

Conheço dos recursos. Bem feitos e aviados preenchendo, portanto, os pressupostos de admissibilidade.

V O T O

Preliminar de incompetência da Justiça Especial do Trabalho para conhecer o pedido de indenização por dano moral. Rejeito. O entendimento quanto à competência da Justiça Especial do Trabalho para julgar a matéria está pacificado após a promulgação da última emenda constitucional vigente.

Demissão por justa causa.

Nego provimento ao apelo do Autor. Nada a reparar na r. sentença.

Razão teve a empregadora ao demitir o empregado por justa causa, constituída ao se permitir o Reclamante, que estava ativado no setor, à emissão de um cartão de crédito de vendas da Reclamada para seu uso pessoal. E usando de estratagema. As normas internas da empresa, e de pleno conhecimento do empregado, conforme confessa em sede do depoimento pessoal assentado às fls. 130 dos autos do processo, eram no sentido de que os empregados deveriam, caso quisessem se habilitar ao cartão de crédito, requisitar a aprovação, e antes obter a anuência do seu supervisor. Descumpriu a ordem, obteve e usou o cartão de crédito de maior poder de compra nas lojas da Reclamada, o cartão Gold, e com débitos a descoberto, agora sob a alegação de que não paga porque foi demitido. Houve a apropriação indireta de mercadorias por parte do obreiro e existiu a quebra de fidúcia porque trabalhava exatamente no departamento de emissão de cartões de crédito. Além do ato em si ensejar a demissão com justa causa como reconhece a r. decisão que mantenho nesse ponto, é justo e razoável que a empregadora não mais confiasse no seu empregado. É que haveria a possibilidade de causar maiores prejuízos, caso continuasse a desobedecer as regras determinadas para concessão dos cartões de crédito e os habilitasse, por amizade ou por outros motivos e interesses, à pessoas sem suficiente respaldo econômico e financeiro para recebe-los.

Indenização por dano moral.

Entende a r. sentença, e nesse ponto a reformo, que agiu a Reclamada de forma a humilhar o empregado, quando da sua retirada, fazendo-o acompanhar por um segurança.

A uma, depreende-se pela prova testemunhal que o Autor de fato foi acompanhado, flagrado o ilícito, por um fiscal de segurança, desde a Loja até à área administrativa. E de lá, até à porta do estabelecimento, pela funcionária Amanda Batista.

A duas, não há nos depoimentos das quatro testemunhas ouvidas, referência a ter sido esse acompanhamento realizado de modo vexatório, com estardalhaço, movimentação extraordinária na loja, de modo a propiciar um constrangimento que justificasse o alegado dano moral. De se ver que a Reclamada é uma loja de grande afluência de público, compradores na maioria jovem da classe média e os empregados também na maioria jovens vendedoras. Assim, não vislumbro na cautela do empregador, tendo em vista a malícia do procedimento do obreiro, até mesmo se utilizando indevidamente de senha de outra funcionária para a consumação do ilícito, qualquer agressão moral. Ação discreta e eficiente para que o Autor não cometesse qualquer atitude imprópria ou desatinada.

O Autor nada reclama em seu depoimento pessoal. Nem se refere ao se dizente trauma de que teria sido vítima. Nem a sua testemunha. A única das quatro testemunhas ouvidas que se referiu ao fato foi Amanda Batista, a própria funcionária que o acompanhou da área administrativa até à porta de saída da Loja. E o faz de maneira passageira, sem detalhes. Não se depreende do seu singelo depoimento de que forma foi o Autor humilhado.

Evidente que as palavras maneira categórica. Ao assumir a Justiça Especial a devida competência para julgamento dessa questão de indenização por dano moral tem de faze-lo de forma correta, razoável. Formarmos uma jurisprudência, agora se iniciando, sem se cair em exageros. O dano tem de ser real e comprovado. Não pode ser subjetivo e nem muito menos se basear em petições sem arrimo de prova forte e firme. Expurgo da r. decisão o que vem a esse título de indenização por dano moral. Prejudicado o recurso adesivo também que pede o aumento do valor da indenização concedida.

DISPOSITIVO

Com os fundamentos supra nego provimento ao Recurso Adesivo do Autor e dou provimento ao Recurso Ordinário da Ré para expungir a indenização por dano moral e julgar a reclamatória totalmente improcedente.

Custas como já arbitrado e, por reversão, a cargo do Autor. E que isento na forma do pedido formulado e da declaração de próprio punho atestando a impossibilidade de pagar, encartados às fls. 06 e 09 dos autos do processo.

É o meu voto.

P. BOLÍVAR DE ALMEIDA

Juiz Relator

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