Vaca premiada

Justiça proíbe abate de animais em área de risco de aftosa

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25 de outubro de 2005, 12h19

A Justiça do Paraná concedeu medida cautelar que impede a Secretaria de Agricultura daquele estado de abater 28 vacas de fazendeiros paulistas que foram levadas para Toledo (PR) para participar de uma exposição agropecuária. A decisão é do juiz Eugênio Giongo, da 1ª Vara Cível de Toledo, que determinou ainda que seja autorizada a permanência de “dois ou três prepostos para o manejo do animais” enquanto estes estiverem retidos. Em caso de não cumprimento da medida, o estado pagará multa de R$ 2 milhões para cada animal abatido.

A ação contra o governo do Paraná foi impetrada pelo advogado Frederico Diamantino, do escritório Diamantino Advogados Associados, representando a empresa Quilombo Empreendimentos e Participações, responsável pela apresentação dos animais na exposição de Toledo, entre os dias 6 e 16 de outubro.

Por causa de um foco de febre aftosa registrado no Paraná, as vacas estão proibidas de deixar o recinto da Expotoledo até que exames confirmem se elas estão ou não contaminadas pelo vírus da doença. Em caso de exame positivo os animais devem ser sacrificados.

Surtos de febre aftosa, doença altamente contagiosa que afeta o gado e compromete a qualidade da carne, foram detectados inicialmente no Mato Grosso do Sul e mais tarde no Paraná. Para impedir a disseminação da doença o governo interditou as áreas onde foi constatada a presença do vírus e mandou abater os animais de rebanhos infectados.

No Paraná, foram detectados focos da doença em Londrina e Maringá. Segundo a ação, as 28 vacas são oriundas de São Paulo, estado onde não existem focos de aftosa. Esclarece também que os animais, todos de alta linhagem genética, por participarem de seguidas exposições em todo o país além das vacinações obrigatórias de maio e novembro, recebem outras duas vacinas de reforço em março e agosto. E alerta: “animais vacinados detêm o vírus da aftosa, oriundo da própria vacina, logo possuem soro falso positivo”.

O próprio juiz reconhece que apesar de haver focos da doença no estado, nenhum deles foi constatado em Toledo. “Tudo passa de simples suspeita decorrente do fato de que alguns animais que participaram dessa exposição serem originários da região do Mato Grosso do Sul onde foram identificados alguns focos de infecção de febre aftosa”.

Embora reconheça o empenho das autoridades em controlar a doença o juiz reconhece também que os fazendeiros “possuem legítimo receio dever os animais de sua propriedade abatidos sem nenhuma necessidade”. E acrescenta: “É fácil compreender que consumação do abate trará à Requerente enormes prejuízos em face do elevado valor genético e econômico dos animais retidos junto à Expotoledo”.

Leia a íntegra da decisão

Vistos, etc…

Os fatos relatados na inicial revelam que QUILOMBRO EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA, ora Requerente, participou da EXPOTOLEDO realizada no período de 06 a 16.10.2005 para a qual trouxe 28 fêmeas da raça Nelore, todos premiados, pertencentes a vários criadores de vários Estados da Federação, inclusive do Mato Grosso do Sul, portanto muito valorizados.

Quem em face do surto de febre aftosa identificado naquele estado o Parque de Exposições foi parcialmente interditado e os animais ficaram retidos lá por determinação da Secretaria do Estado da Agricultura e Abastecimento do Paraná, ora Ré, dos quais também foi colhido material para exame e apesar da promessa de liberação dos animais no dia 22.10.2005 isso não aconteceu.

Esclarece que todos esses animais por participarem com freqüência de exposições e concursos são vacinados contra a febre aftosa duas vezes por ano, em maio e novembro além de outras duas vacinações de reforço em março e agosto.

Que esses animais são oriundos de São Paulo onde não existem focos de aftosa, logo não há risco de disseminação da doença através desses animais e por isso inexiste motivo para interdita-los.

Esclarece que os animais vacinados detêm o vírus da aftosa, oriundo da própria vacina, logo são possuem soro falso positivo.

Requer o deferimento de liminar para autorizar a apartação de seus animais, mantendo-os sob sua guarda e na hipótese de lá existir algum foco de a aftosa sejam isolados.

Requer ainda o deferimento de liminar para a Ré se abstenha de abater os animais que estão no parque de exposições da EXPOTOLEDO, salvo se restar confirmada a infecção pela febre aftosa através de exame complementar sob pena de multa de R$ 2.000.000,00.

É o relatório. Passo a decidir.

Tratando-se de medida cautelar satisfativa é possível, data vênia, tratar o pedido liminar pretendido pela Requerente como verdadeira tutela antecipada, até porque o artigo 273, § 7º do CPC que trata fungibilidade das tutelas de urgência autoriza o deferimento de medida cautelar em sede de tutela antecipatória quando presentes os requisitos legais da fumaça do bom direito e do perigoso na demora.

O Artigo 273 do CPC estabelece os pressupostos para concessão da tutela antecipatória ou liminar provisoriamente satisfativa:

1) Exige a prova inequívoca, que a melhor doutrina tem conceituado como “aquela que apresenta um grau de convencimento tal que, a seu respeito, não possa ser oposta qualquer dúvida razoável, ou , em outros termos, cuja autenticidade ou veracidade seja provável” (J.E. CARREIRA ALVIM, “CPC Reformado”, ed. Del Rey, 2ª ed., pág. 115);

2) Dispõe que tal prova deve levar o julgador ao convencimento da verossimilhança da alegação, chegando, assim, ao conceito de probabilidade, “portador de maior segurança do que a mera verossimilhança” (CÂNDIDO DINAMARCO, “A Reforma do CPC”, ed. Malheiros, nº 106).

3) É ainda imprescindível, para a concessão da tutela antecipatória, que o autor possa invocar situação de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (o periculum in mora, comum às ações cautelares) ou, alternativamente, que seja evidenciado o manifesto propósito protelatório do Réu o que pressupõe, nesta segunda hipótese, a concessão da antecipada tutela somente após apresentada a contestação;

4) E ainda, last but not least, que não ocorra o perigo de irreversibilidade dos efeitos do provimento antecipatório.

Nas palavras de JOÃO BATISTA LOPES, há que ressaltar “que a antecipação da tutela exige equilíbrio e cautela do julgador para que não traduza injusto prejuízo ao réu” (“Ver. de Direito Processual Civil”, Curitiba, nº 01, pág. 51).

O juiz poderá (e deverá) autorizar a tutela antecipatória somente quando lhe parecer altamente provável que a sentença definitiva virá a confirmar os efeitos provisoriamente antecipados. Ocorrendo duvidas, e tendo em vista que igualmente impõe-se resguardar “o possível direito do demandado”, cumpre ao juiz reservar-se para prover somente após a cognição plena, exauriente.

Dizer do mestre ARRUDA ALVIM, a expressão prova inequívoca significa “que o juiz, para conceder a meta, deverá estar firmemente convencido da verossimilhança da situação jurídica apresentada pelo autor e, bem assim, da juridicidade da solução pleiteada” (estudo in ob, cit., pág. 111).” (Estudo de autoria do Ministro aposentado do STJ, Athos Gusmão Carneiro publicado na RJ nº 237, pág. 5).

Pois bem, compulsando os autos verifica-se que a Autora é a responsável pelos animais referidos na inicial e todos eles são premiados e de alto valor econômico em razão de sua genética e dos prêmios que já receberam.

Todos participam de exposições e por isso necessitam deslocar-se de uma cidade para outra, de um estado para outro e para isso é requisito indispensável que sejam apresentados comprovantes da vacinação, dentre elas, vacina contra a febre aftosa, da qual foram identificados focos no vizinho estado do Mato Grosso do Sul existindo ainda suspeitas de outros focos no Paraná e em São Paulo, segundo notícias divulgadas pela mídia.

Contudo, não foi identificado nenhum foco da doença no município de Toledo e menos ainda nos animais que participaram e que se encontram junto as instalações da EXPOTOLEDO. Tudo não passa de simples suspeita decorrente do fato de que alguns animais que participaram desta exposição serem originários da região do Mato Grosso do Sul onde foram identificados alguns focos de infecção de febre aftosa.

Entretanto, é preciso assinalar que os animais da Requerida foram vacinados contra aftosa conforme comprovam os documentos juntados, fls. 69, 74, 76, 78, 82, 84, 85 e 90 de modo que estão imunes a qualquer infecção por esse vírus, salvo se a vacina se revelar ineficiente o que, naturalmente, não é esperado.

Desses fatos é fácil extrair a fumaça do bom direito da Requerente, pois outro não é o seu desiderato se não de proteger o seu patrimônio.

Também é verdade que as autoridades constituídas estaduais e federais não vacilaram em abater os animais infectados por febre aftosa no Mato Grosso do Sul, até para demonstrar aos demais países compradores de carne bovina do Brasil a seriedade de propósitos no trato dessa questão e assim minimizar os prejuízos da perda de mercado.

Não obstante as boas intenções dessas autoridades é certo que os criadores de gado da região atingida, e a eles se equipara a Autora, como responsável pelo gado que se encontra junto a EXPOTELODO, possuem legitimo receio de ver os animais de sua propriedade abatidos sem nenhuma necessidade, na medida em que estão protegidos pela vacina.

É fácil compreender que consumação do abate trará à Requerente enormes prejuízos em face do elevado valor genético e econômico dos animais retidos junto à EXPOTOLEDO surgindo assim o perigo na demora, isto é, de que o provimento jurisdicional ao final do processo seja ineficaz.

Na qualidade de responsável por esse rebanho nos parece bastante razoável que a Autora possa indicar dois ou três prepostos para manejo desses animais, acompanhando-os, alimentando-os e medicando-os segundo seus interesses, auxiliando inclusive as autoridades sanitárias, desde que se submetam a prévias medidas profiláticas para adentrar no local onde se encontram os animais.

Pelas razões expostas hei por bem deferir a liminar pleiteada porque presentes os requisitos do artigo 798 e 273, parágrafo 7º do CPC, para o fim de:

1. DETERMINAR ao Requerido que se abstenha de abater os animais da Autora, referidos na inicial, sem que antes seja confirmado de forma induvidosa, por exames laboratoriais complementares, que se encontra, infectados pelo vírus da febre aftosa.

2. AUTORIZAR a Requerente a indicar dois ou três prepostos para o manejo dos animais junto à EXPOTOLEDO, podendo acompanhá-los, alimentá-los e medicá-los para proteção do rebanho, auxiliando inclusive as autoridades sanitárias atuantes no local se assim forem solicitados, contudo nenhum desses animais poderá ser removido ou apartado do local onde se encontram, sem autorização das autoridades sanitárias.

Para a hipótese de descumprimento desta decisão hei por bem fixar pena de multa (astreinte) no valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) por animal que venha a ser indevidamente abatido o que faço com fundamento no artigo 461, parágrafo 5º do CPC.

Considerando que a Secretária do Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná é simples órgão do Estado do Paraná e não possui personalidade jurídica própria determino a retificação do pólo passivo da presente ação para ESTADO DO PARANÁ, devendo o Sr. Escrivão proceder as devidas retificações na autuação e demais registros.

Cumprida a liminar, se necessário com auxilio de força policial, cite-se o Requerido para querendo contestar o pedido em cinco dias (5) dias, com as advertências contidas no artigo 803 do CPC.

Intime-se.

Toledo, 25 de outubro de 2005.

Eugênio Giongo

Juiz de Direito

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