Preço do atraso

Atraso de salário de R$ 1,2 mil dá indenização de R$ 50 mil

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6 de outubro de 2005, 13h47

O atraso de salário de R$ 1,2 mil resultou numa indenização de R$ 50 mil para um trabalhador, pelos prejuízos materiais e morais que sofreu durante os meses que ficou sem a remuneração. A empresa condenada foi a Fundação para o Progresso da Cirurgia — Hospital São Lucas a pagar. A decisão é da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

A operadora de raios X, contratada pela cooperativa Cooperplus, entrou com processo na 14ª Vara do Trabalho de São Paulo, pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício com o Hospital São Lucas. Ela trabalhou para o hospital de 1993 a 2002 e seu último salário foi de R$ 1,2 mil.

Além do vínculo, a trabalhadora reclamou que, por causa dos freqüentes atrasos no salário, ela teve cheques devolvidos por insuficiência de fundos, arcou com multas pela falta de pontualidade no pagamento de obrigações e foi incluída na lista de restrição ao crédito da Serasa.

A primeira instância acolheu o pedido da trabalhadora. Inconformado, o Hospital São Lucas recorreu ao TRT paulista. Alegou que a ex-empregada não demonstrou os danos sofridos e que a responsabilidade pelo atraso dos salários, se houvesse, seria da própria cooperativa.

No entanto, a juíza Vera Marta Públio Dias, relatora do recurso no tribunal, reconheceu, conforme depoimento de testemunhas, a “rotina constante no atraso para pagamento dos salários”.

Para a relatora, documentos com cobranças bancárias de dívidas em atraso, bem como a inclusão do nome da trabalhadora na lista da Serasa, são evidências “de que a conduta da ré afetou a vida particular da autora”.

“A indenização por dano moral é devida quando o trabalhador sofre, por parte do empregador, dor, angústia e tristeza, que são formas pelas quais o dano moral se exterioriza. A cobrança sistemática e a sabida impossibilidade de quitação, dado o pagamento parcial dos salários, a toda evidência conduziram a empregada àqueles estados d’alma”, observou a juíza.

“Já o dano material compreende o dano emergente trazido pelos gastos feitos pela vítima, no caso, com juros e acréscimos moratórios, e o lucro cessante, constituído de vantagens que a vítima deixou de auferir durante certo período em virtude do dano; com inscrição do nome no rol dos inadimplentes no Serasa, obviamente a autora viu-se impedida de obter empréstimos, realizar crediários, até para quitação das dívidas cobradas”, decidiu.

A 10ª Turma do TRT de São Paulo manteve a indenização de R$ 50 mil para a reparação dos danos morais e materiais sofridos pela operadora de raio X. A Turma também reconheceu o vínculo empregatício da ex-empregada com o Hospital São Lucas.

RO 02263.2002.014.02.00-5

Leia a íntegra da decisão

RECORRENTE: FUNDAÇÃO PARA O PROGRESSO DA CIRURGIA HOSPITAL SÃO LUCAS

RECORRIDO: SONIA NEUSA ALEXANDRE

ORIGEM: 14ª VT/SP

EMENTA – Dano Material – Atraso no pagamento de salários – Dano material compreende o dano emergente trazido pelos gastos feitos pela vítima, no caso, com juros e acréscimos moratórios, e o lucro cessante, constituído de vantagens que a vítima deixou de auferir durante certo período em virtude do dano; com inscrição do nome no rol dos inadimplentes no Serasa, obviamente a autora viu-se impedida de obter empréstimos, realizar crediários, até para quitação das dívidas cobradas.

Inconformada com a r. sentença de fls. 90/2, complementada pela decisão proferida em sede de embargos declaratórios à fl. 96, que julgou procedente em parte a reclamatória, recorre ordinariamente a reclamada às fls. 98/105, argüindo nulidade do processado pelo não chamamento da Cooperplus 9 para integrar o pólo passivo da demanda. No mérito, insurge-se contra a sentença que não deu validade à contratação via cooperativa, estabelecendo o vínculo empregatício diretamente com a recorrente, bem como contra a condenação em danos morais e materiais, não demonstrados; ainda mais porque não pode ser condenada por atos de terceiros – a cooperativa –, responsável pelo atraso salarial, se houve, vez que a recorrente somente paga as faturas emitidas pela cooperativa. Indevido o adicional de insalubridade no período compreendido entre junho e dezembro/2000, quando a autora ativou-se no setor de faturamento.

Tempestividade observada.

Contra-razões às fls. 111/129.

Parecer da D. Procuradoria à fl.n131.

É o relatório.

V O T O

Conheço do recurso porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

1. Chamamento ao processo

A ré pretende o chamamento da Cooperplus ao processo para integrar o pólo passivo da demanda como verdadeira e única empregadora da autora.

Compete ao autor indicar, quando da propositura da reclamação trabalhista, aquele que integrará o pólo passivo da demanda e no caso demandou somente contra a recorrente, sendo o chamamento ao processo, conforme incisos I e II ao art. 77 do CPC, totalmente inaplicáveis nesta Justiça Especializada, porque envolvem questões relativas ao fiador. Mesmo em se considerando o inc. III, que versa sobre os devedores solidários, ainda assim, haveria a incompetência desta Justiça para resolver a questão surgida entre o chamado ao processo e quem o chamou, pois envolveria direitos entre duas empresas; repita-se, se o empregado quisesse demandar todos os devedores solidários, o teria feito já na peça de notícia.

Ensina a Profª Maria Helena Diniz, in Código Civil Anotado, editora Saraiva, que a obrigação solidária é aquela em que, havendo multiplicidade de credores ou devedores, ou de uns e outros, cada credor terá direito à totalidade da prestação, como se fosse o único credor, ou cada devedor estará obrigado pelo débito todo, como se fosse o único devedor. Fica ressalvado, sempre o direito de regresso do devedor principal contra o(s) outro(s) devedor(es) solidário(s). Rejeito.

2. Condição de cooperada da autora

A peça defensiva embasou sua argumentação na condição válida de cooperada da recorrida para justificar a ausência de registro do contrato de trabalho.

Contudo, o tema comporta algumas considerações.

De se por em relevo que em uma cooperativa regularmente constituída os associados ou cooperados, são, ao mesmo tempo, os titulares da atividade produtiva – os proprietários dos bens de produção – e os prestadores de serviço; por isso, os verdadeiros cooperados não são de fato empregados da cooperativa.

Entretanto, no caso dos autos, vislumbra-se o conhecido desvirtuamento do sistema de Cooperativa, consoante previsto na Lei nº 5.764/71, com a conseqüente tentativa de fraude operada pela reclamada para burlar a legislação trabalhista, em prejuízo dos direitos da autora.

Conforme inicial, a reclamante teve típico contrato de trabalho com a recorrente até 17.11.2000, e a partir do dia seguinte foi recontratada, para exercer a mesma função – técnica de RX -, mas desta vez sem anotação do contrato em carteira de trabalho.

Em primeira audiência (fls. 39/40) foram tomados os depoimentos pessoais das partes e o da recorrente importou em verdadeira confissão real, ao confirmar que a partir de quando a reclamante passou a atuar pela Cooperplus continuou nas mesmas funções operando o raio X, e ainda deixou evidente a fraude perpetrada, porque a reclamada desligou todos os empregados que operavam raio X sendo que a partir daí todos que prestaram tal trabalho o fizeram através da cooperativa. Constou ainda que todos os empregados do Hospital – enfermeiros, raio X e outros passaram a ser cooperados. Houve indevida terceirização da atividade fim da ré.

Os documentos de fls. 82 e seguintes comprovam a prestação laboral sem solução de continuidade e os recibos de pagamento de fls. 32 e seguintes demonstram que a reclamante recebia, já na condição de suposta cooperada, salário mensal de R$ 1.200,00, quando no sistema de cooperativa é impossível o recebimento de valor fixo, uma vez que o rateio se dá por produção.

Por outro lado, não há nos autos quaisquer documentos contábeis referentes ao seu faturamento mensal das cooperativas, a fim de comprovar que a autora efetivamente recebia o equivalente as suas cotas “integralizadas”, tal como deve ocorrer entre pessoas que se assemelham a sócios ou cooperados.

Além disso, improvada a participação da recorrente nas assembléias gerais, ou em qualquer votação da reclamada, muito menos termo de adesão válido e livremente subscrito.

Do anotado, verifica-se a existência de verdadeira relação de emprego entre as partes, contínua a prestação de trabalho sem qualquer alteração.

Ressalte-se que o disposto no parágrafo único do artigo 442 da CLT não é óbice para reconhecimento de vínculo empregatício, face aos princípios norteadores do Direito do Trabalho, especialmente porque a característica do contrato laboral deve repousar na realidade dos fatos. Não interessa a esta Justiça Especializada sob que rubrica o obreiro presta seus serviços, mas sim se estes ocorrem de forma pessoal e subordinada, mediante salário, e não eventual, como já observado anteriormente.

Caracterizada a fraude na tentativa de desvirtuar a relação empregatícia havida, é de se aplicar ao caso a regra de proteção contida no artigo 9º celetizado, padecendo o ato de nulidade, pois, o sistema como um todo deve prevalecer sobre fato eventual, pleno de natureza econômica, mas vazio de especificidade jurídica.

Nesse sentido o entendimento de Eduardo Gabriel Saad: “Se o cooperado, em caráter permanente, presta serviços à empresa com subordinação e mediante salário, nasce a relação empregatícia”; “A lei que acrescentou o parágrafo ao artigo em estudo (artigo 442), visa, apenas, os casos de cooperados que realizam trabalho eventual ou de curta duração; interpretá-la de modo diverso, ou literal, é abrir campo para graves deformações incompatíveis com o caráter protetivo da lei trabalhista” (in CLT Comentada, 31a edição, 1999, LTr, fls. 50 e 270).

Mantenho a correta decisão que reconheceu a relação jurídica de emprego até 14.10.2002.

3. Adicional de insalubridade em grau máximo

Após a recontratação, a reclamante passou a recebeu tão-somente o equivalente ao seu salário mensal (fl. 32) sem a consideração do adicional de insalubridade em grau máximo em decorrência da função exercida, pelo que, o decreto hostilizado condenou o pagamento em todo o período.

Recorrente a ré pugnando a exclusão do período compreendido entre junho e dezembro/2000 e assiste-lhe razão, por força do contido no depoimento da testemunha da autora, como auxiliar de faturamento, soube informar que no período indicado a recorrida trabalhou no setor de faturamento, retornando ao setor de raio X como operadora em janeiro/01.

Reformo, para excluir da condenação no pagamento do adicional de insalubridade o período compreendido entre junho e dezembro/2000, pois o adicional somente é devido enquanto perdurarem as condições insalubridades, inexistentes no faturamento vez que nada há nos autos nesse sentido.

4. Danos morais e materiais

A testemunhal confirmou a tese inicial de rotina constante no atraso para pagamento dos salários, e associada aos documentos de fls. 25 e seguintes, referentes a cobranças bancárias e comerciais de dívidas em atraso, inclusive inclusão do nome da recorrida junto ao Serasa, há evidências que não foram descaracterizadas, de que a conduta da ré afetou a vida particular da autora.

A indenização por dano moral é devida quando o trabalhador sofre, por parte do empregador, dor, angústia e tristeza, que são formas pelas quais o dano moral se exterioriza. A cobrança sistemática e a sabida impossibilidade de quitação, dado o pagamento parcial dos salários, a toda evidência conduziram a empregada àqueles estados d’alma.

Já o dano material compreende o dano emergente trazido pelos gastos feitos pela vítima, no caso, com juros e acréscimos moratórios, e o lucro cessante, constituído de vantagens que a vítima deixou de auferir durante certo período em virtude do dano; com inscrição do nome no rol dos inadimplentes no Serasa, obviamente a autora viu-se impedida de obter empréstimos, realizar crediários, até para quitação das dívidas cobradas.

Incontroversos os requisitos ensejadores à reparação, caracterizada a responsabilidade civil, impondo-se a respectiva indenização do dano, em observância ao que dispõe o artigo 159, do Código Civil.

Mantenho.

Por estes motivos, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso para excluir o período compreendido entre junho e dezembro/2000 para fins de apuração do adicional de insalubridade em grau máximo, nos termos da fundamentação. Mantenho no mais a r. decisão recorrida, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Custas pela reclamada no importe de R$ 1.300,00, calculadas sobre o valor da condenação ora arbitrado em R$ 65.000,00.

VERA MARTA PÚBLIO DIAS

Juíza Relatora

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