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Relatório revela o nepotismo no Ministério Público da União

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15 de novembro de 2005, 13h09

O Ministério Público não apenas combate o nepotismo na Administração Pública, mas também o pratica. É o que mostra relatório confidencial encaminhado no início de outubro ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, que revela a contratação irregular de mais de 136 pessoas do Amazonas ao Rio Grande do Sul, somente nos primeiros dez meses deste ano.

As informações são de reportagem do jornal Correio Braziliense, publicada nesta terça-feira (15/11). De acordo com o texto, em protesto contra a enxurrada de contratações irregulares, servidores do Ministério Público Federal de todo o país se preparam para cruzar os braços na próxima quinta-feira.

Leia a reportagem

Denúncias contra quem denuncia

Relatório encaminhado ao procurador-geral da República aponta a existência de vários casos de nepotismo e de contratações irregulares na instituição encarregada de fiscalizar as falhas do Executivo e do Legislativo

Fernanda Odilla

Da equipe do Correio

Nepotismo em São Paulo e Espírito Santo, contratações ilegais no Acre, nomeações imorais na Bahia, no Amazonas e no Ceará e suspeitas ascensões meteóricas na capital federal. O Ministério Público da União, guardião dos poderes e advogado dos interesses da sociedade, é capaz de cometer o mesmo tipo de irregularidade que tanto combate no Executivo e no Legislativo. Relatório confidencial encaminhado no início de outubro ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, relata a contratação irregular de mais de 136 pessoas do Amazonas ao Rio Grande do Sul, somente nos primeiros dez meses deste ano.

Até mesmo quem foi reprovado no último concurso da instituição conseguiu entrar pela porta dos fundos, para ocupar importantes cargos como o de assessor de subprocurador-geral, em Brasília. São pelo menos 26 funcionários, que se classificaram em até 12.995º lugar na seleção, nomeados para trabalhar no MPU em funções que deveriam ser, muitas vezes, ocupadas por servidores de carreira, com salários que variam de R$ 1.567,93 (FC-01) a R$ 4.726,70 (FC-06).

“Nos últimos 12 meses, a enxurrada de pessoas sem vínculos com o serviço público nomeadas para ocuparem função comissionada no MPU chega às raias do escândalo. São parentes, amigos, parentes de amigos e indicações de políticos, advogados ou de autoridades”, observa, indignado, o presidente do Sindicato dos Servidores do MPU, Luiz Ivan Cunha Oliveira, que organiza uma paralisação para a próxima quinta-feira para protestar contra a prática. Foi o sindicalista quem assinou o relatório confidencial de 23 páginas recheado de casos de nepotismo e nomeações irregulares em diferentes estados do Brasil.

Exoneração

Em julho do ano passado, o Tribunal de Contas da União já havia determinado a exoneração de funcionários nomeados sem concurso. A Procuradoria recorreu ao Supremo Tribunal Federal e conseguiu uma liminar para manter no cargo aproximadamente 300 pessoas. Somente na gestão de Cláudio Fonteles teriam sido nomeadas 120 pessoas para assumir funções comissionadas FC-01 a FC-06, de acordo com levantamento do Sindicato e da Associação da categoria.

O Correio Braziliense teve acesso ao dossiê encaminhado ao gabinete do procurador-geral Antônio Fernando no mês passado, que revela que as nomeações irregulares continuaram mesmo depois da troca do comando da Procuradoria. No relatório do sindicato, é citado, por exemplo, o caso de Vinícius de Oliveira Lancelotti, que entrou no MPU em março deste ano como auxiliar de gabinete e, em menos de quatro meses, já ocupava o cargo de assessor do subprocurador geral José Eduardo Santana. De março a julho, seu salário aumentou três vezes. Em todo o país se repetem histórias de pessoas sem nenhum vínculo com o órgão que ocupam vagas destinadas a servidores.

Nem mesmo a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público, que proibiu, na semana passada, a prática de nepotismo promete colocar um ponto final em nomeações imorais, de acordo com Luiz Ivan. Em São Paulo, até mesmo parentes de pessoas que estão no MPU ocupando cargos comissionados conseguem emprego. De acordo com o relatório do sindicato, em agosto deste ano o engenheiro Alcides Braz Tenreiro foi nomeado como coordenador de administração, indicado por sua própria irmã, Maria da Luz B. Terneiro Moreira, coordenadora jurídica da PGR na capital paulista. No Espírito Santo, a chefe de gabinete do Procurador Chefe, Jussara Lobato, indicou e obteve a nomeação de sua filha Camila para trabalhar como “responsável administrativa”.

O secretário-geral do MPF, Carlos Frederico Santos, diz que a Secretaria de Recursos Humanos está fazendo um levantamento da situação de todos os funcionários para que, em caso de irregularidades, sejam tomadas as devidas providências. Carlos Frederico argumenta, no entanto, que o MPU não desrespeita a lei, que prevê que 70% das funções comissionadas fiquem nas mãos dos servidores da casa. “O número de concursados em cargos de confiança é maior do que o limite estabelecido”, observa, emendando que “o sindicato ao fazer as denúncias não aponta quais foram os dispositivos legais ou constitucionais feridos”.

“Casa de ferreiro, espeto de pau”

Servidores do Ministério Público Federal em todo o país se preparam para cruzar os braços na próxima quinta-feira. Pela primeira vez, a paralisação que planejam não será por melhores salários ou benefícios. Eles são contra o próprio plano de carreira, prestes a ser encaminhado ao Congresso. O Sindicato e a Associação dos servidores da instituição denunciam que o plano vai oficializar a distribuição de todos os tipos de cargo a pessoas sem vínculo com o serviço público. A secretaria-geral do MPU contesta a acusação, dizendo que o plano de carreira discrimina o que é função comissionada (específica para o servidor) e cargo em comissão, que será dividido meio a meio entre concursados e pessoas sem vínculo.

A prática irregular, freqüente dentro das procuradorias de acordo com as entidades que defendem a categoria, já foi condenada por auditoria do Tribunal de Contas da União, que no início do ano deu prazo de 180 dias para a exoneração de funcionários nomeados em situação irregular. Mas, enquanto os procuradores travam brigas homéricas para substituir funcionários contratados por servidores concursados, o MPU recorre ao Supremo Tribunal Federal (STF) justamente para não fazer essa troca, sugerida durante avaliação do TCU e exigida em três ações do sindicato dos servidores.

“O MPU é hoje vitima daquele jargão popular, que diz: casa de ferreiro, espeto de pau”, lamenta o presidente do sindicato da categoria, Luiz Ivan Cunha Oliveira. De acordo com o relatório confidencial assinado pelo sindicalista e encaminhado ao procurador-geral da República, no Rio de Janeiro 42% das pessoas que exercem cargos em comissão não são concursadas. No Acre, a situação é ainda mais grave. O sindicato dos servidores do MPU denuncia que pelo menos três funcionários foram indicados a pedidos de políticos, sem passar por uma avaliação de conhecimentos e capacidade técnica.

Ausência de servidores

O argumento do MPU para tantas nomeações de pessoas de fora da instituição é a ausência de servidores do quadro capacitados para desenvolver atividades técnicas específicas. O secretário-geral do MPF, Carlos Frederico Santos, afirma que o MPU não fere a lei. “As entidades que defendem os servidores da instituição querem que 100% das funções comissionadas sejam ocupadas por funcionários de carreira. Mas, para alguns cargos, são necessárias pessoas de fora, da confiança do procurador”, diz Carlos Frederico.

Ele avalia que as mudanças previstas no plano de carreira em nenhum momento aumentam as cotas para funcionários sem vínculo. “Dos 2.707 cargos de confiança da casa, apenas 443 serão para pessoas de fora”, afirma o secretário-geral, lembrando que a entidade está, a partir da resolução do Conselho, mais atenta aos casos de indicação de procuradores, inclusive para gabinetes de colegas.

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