Mensalidade em dia

União não pode cortar pensão de universitário antes dos 24 anos

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21 de março de 2005, 19h20

A União está obrigada a pagar pensão ao neto de uma servidora federal morta até que o rapaz complete 24 anos. Ele tem hoje 20 anos. A decisão liminar é do juiz federal Júlio Rodrigues Coelho Neto, da 1ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe. Cabe recurso.

O autor da ação, Igor Juhy da Costa Pinto, pediu a continuidade do pagamento da pensão para que possa concluir a faculdade de odontologia. Os argumentos da defesa do estudante, representado pela advogada Aida Mascarenhas Campos, foram aceitos pelo juiz.

Segundo o juiz, a jurisprudência se consolida no sentido de que o estudante universitário deve continuar recebendo a pensão alimentícia mesmo depois de completar a maioridade. Segundo ele, há dois valores constitucionais que impõem a extensão de pensão aos filhos de servidores.

O primeiro deles é o direito à educação, artigo 205 da Constituição Federal, “como dever do Estado e da família, o qual impõe que a pensão temporária se prolongue até 24 anos, época provável da conclusão de curso superior ao filho universitário”. Em segundo lugar, o princípio da isonomia: Coelho Neto afirmou que seria “injusto” não prorrogar o direito a pensão “pelo simples fato de seu extinto genitor não haver seguido a carreira castrense [militar], mas sim a de servidor civil”.

Leia a íntegra da sentença

2005.85.00.000735-5

AUTOR: IGOR JUHY DA COSTA PINTO

ADVOGADO: AIDA MASCARENHAS CAMPOS E OUTRO

RÉU: FUNDACAO NACIONAL DE SAUDE – FUNASA

PROCURADOR: SEM PROCURADOR

1ª. VARA FEDERAL – Júlio Rodrigues Coelho Neto

Objetos: 04.01.08 – Pensão por Morte (Art. 74/9) – Benefícios em Espécie/Concessão/Conversão/Restabelecimento/Complementação – Previdenciário

Existem Petições/Expedientes Vinculados Ainda Não Juntados

Concluso ao Juiz em 08/03/2005 para Decisão

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária do Estado de Sergipe – 1a Vara Federal

PROCESSO N° 2005.85.00.000735-5.

CLASSE 01000 – AÇÃO ORDINÁRIA

AUTORA: IGOR JUHY DA COSTA PINTO

RÉU: FUNASA

DECISÃO

Trata-se de ação ordinária, com pedido de antecipação da tutela, ajuizada por Igor Juhy da Costa Pinto em face da Fundação Nacional de Saúde, objetivando, liminarmente, a continuidade do pagamento de pensão por morte a que faz jus até atingir a idade de 24 (vinte e quatro) anos ou até a conclusão do curso universitário.

Aduz que é beneficiário de pensão deixada por sua avó, e, estando prestes a completar 21 (vinte e um) anos de idade, pretende a permanência do seu pagamento até completar 24 (vinte e quatro) anos de idade, possibilitando, dessa forma, a conclusão do seu curso universitário.

É o que importa relatar.

Para que seja concedida a tutela antecipada nos termos do art. 273 do CPC, mister se faz que, além do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, haja o convencimento da verossimilhança das alegações, fundadas em prova inequívoca.

No caso dos autos, os documentos de f. 28/88 comprovam que o Autor é pensionista da FUNASA, além de estar cursando o sexto período do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe.

Quanto ao objeto da lide, cumpre mencionar que a jurisprudência vem consolidando o direito de o alimentando, estudante universitário, continuar percebendo a pensão alimentícia, mesmo depois de completar a maioridade. Nesse sentido, dispõe o seguinte precedente:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. PENSÃO MENSAL. LIMITE DO PENSIONAMENTO. ABATIMENTO DE VALORES PAGOS A TÍTULO DE SEGURO DE VIDA. I – Termo final do pensionamento devido às filhas menores da vítima. Fixação em 24 anos, considerado que, nessa idade, as beneficiárias já terão concluído a sua formação, inclusive em nível universitário. II – Abatimento dos valores pagos a título de seguro de vida: dissenso interpretativo não suscetível de configuração. III – Recurso especial conhecido, em parte, e provido. (STJ. Resp 333462/MG. Rel. Min. Barros Monteiro. DJ 24.02.2003. p. 238)

Nesse ponto, há de se lembrar que o Direito Civil tem inegável natureza supletória das omissões normativas, especialmente em matéria previdenciária.

Além disso, a hermenêutica estabelece que as normas proibitivas devem ser interpretadas restritivamente, não se podendo alcançar situações fáticas que não foram estabelecidas na lei.

Segundo a lição do Min. Sálvio de Figueiredo:

“A interpretação das leis não deve ser formal, mas, antes de tudo, real, humana, socialmente útil. (…) Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando ‘contra legem’, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum.”1

Em exame do tema, mostram-se irreparáveis as palavras do Juiz Federal Federal Edilson Nobre Júnior (4ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte) lançadas nos autos da ação ordinária nº 2002.84.00.8067-5.


“05. Em matéria de pensão estatutária, típica prestação previdenciária, não se pode, a princípio, esquecer que a tarefa de definir o rol dos seus beneficiários pertence ao legislador.

06. Sendo assim, não haveria como obter êxito a autora, haja vista que o art. 217, II, alínea a, da Lei 8.112/90, ao ditar:

“Art. 217. São beneficiários das pensões:

II – temporária:

a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez”

07. Nessa linha, a jurisprudência se posicionou pela inexistência, ante a Lei 8.112/90, do direito do filho maior de 21 anos à continuidade da pensão temporária, conforme se pode conferir, a título exemplificativo, dos seguintes julgados: STJ, 5ª T., Resp 443503/SC, rel. Min. FELIX FISCHER, v.u., DJU de 16/12/2002, p. 383; STJ, 5ª T., Resp 259718/RJ, rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, v.u., DJU de 22/04/2003, P. 250.

08. Esse sempre foi o entendimento deste julgador. Todavia, a inicial agrega um informe novo, qual seja a de que a Lei 3.765/60, que disciplina as pensões militares, com alteração imposta pela MP 2.215-10, 31-08-01, cuja vigência se beneficiara da cláusula de perpetuidade do art. 2o da Emenda Constitucional 32/01/00, passou a dispor no seu art. 7o, I, alínea d:

“Art. 7º A pensão militar é deferida em processo de habilitação, tomando-se por base a declaração de beneficiários preenchida em vida pelo contribuinte, na ordem de prioridade e condições a seguir:

I – primeira ordem de prioridade:

d) filhos ou enteados até vinte e um anos de idade ou até vinte e quatro anos de idade, se estudantes universitários ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez; e”

09. Vê-se, portanto, que, pela primeira vez em nosso ordenamento, o legislador passou a voltar sua atenção para os dependentes na condição de filhos em curso de estudos universitários, permitindo o prolongamento da pensão temporária até 24 anos. A pergunta que surge é a seguinte: tal disposição é aplicável também aos dependentes dos servidores civis? A primeira resposta que se antevê é a negativa, principalmente se considerado que os servidores civis são regidos por estatuto próprio.

10. Penso ser possível solução diversa. Não se pode deixar de considerar que o princípio da legalidade, inscrito no art. 37, caput, da CF, não mais se circunscreve à cega obediência à letra da lei. Pressupõe, antes de tudo, o respeito à lei e ao Direito, conforme enunciam constituições recentes, tais como a da Alemanha de 1949 (art. 20.3) e da Espanha de 1978 (art. 103.1).

11. Desse modo, a atual configuração do princípio da legalidade não dispensa, anteriormente pressupõe, interação com os princípios gerais de direito e com o sistema de direitos fundamentais, consagrado em determinado ordenamento.

12. Daí considerar recomendável que o atuar jurisprudencial, sempre fértil como fonte jurídica, possua ponderável atuação no concretizar os desígnios constitucionais, principalmente em matéria previdenciária, seara onde os tribunais serviram de lastro inspirador às previsões normativas. Por exemplo, o direito da companheira à pensão previdenciária é de ser tributado, com anterioridade aos tribunais, do que ao Parlamento.

13. Na espécie, há dois valores constitucionais que impõem a extensão aos filhos dos servidores civis do art. 7o, I, alínea d, da Lei 3.765/60. O primeiro deles é o direito à educação, consagrado no art. 205 da Lei Fundamental como dever do Estado e da família, o qual impõe que a pensão temporária se prolongue até 24 anos, época provável da conclusão de curso superior ao filho universitário.

14. Em segundo lugar, há o cânon da isonomia, previsto no art. 5o, I, da Lei Básica, a qual não tolera, por inteiramente arbitrária e fora da razoabilidade, a previsão de referido benefício unicamente para os filhos dos servidores militares. Não é demasiado asseverar que a distinção legal caprichosa, no diferenciar o tratamento jurídico dado a uma classe de indivíduos, como acentuou SAN TIAGO DANTAS, em escrito tornado clássico na literatura pátria (Igualdade perante a lei e “due process of law”: contribuição ao estudo da limitação constitucional do Poder Legislativo. Revista Forense, Rio de Janeiro, p. 21-31, abril, 1948), revela-se inconstitucional por agredir o princípio da igualdade.

15. Poder-se-á argumentar que suposta inconstitucionalidade, por infringência do art. 7o, I, alínea d, da Lei 3.765/60, à obrigação constitucional de tratamento igualitário, pouco beneficiaria o autor, uma vez o Judiciário não poder operar como legislador positivo. Assim, a mácula constitucional apenas poderia albergar forças para invalidar o dispositivo acima referido e não para justificar a ampliação de sua força vinculante a outras situações.


16. O ponto de vista de que, na jurisdição de constitucionalidade, o Judiciário apenas detém o papel de legislador negativo, invalidando a norma tisnada de inconstitucional, embora conte com o prestigioso lastro do Supremo Tribunal Federal (Pleno, Rp 1.417 – DF, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 15-04-88), não tem, com a devida vênia, acompanhado o evolver que sofrera a matéria, carecendo, por isso, novo exame.

17. Sou de que, na hipótese, há uma lacuna, qual seja a ausência de norma que verse sobre o termo final da pensão do filho de servidor civil universitário. A colmatação daquela poderá ser feita mediante a via da integração, máxime porque assim o exige o princípio da isonomia.

18. Contrastando com o mito que se forjou do Judiciário como “legislador negativo”, não se pode olvidar que as cortes constitucionais européias elaboraram a figura das sentenças aditivas. Tomando como exemplo a Corte Constitucional italiana, temos as chamadas sentenze aggiuntive ou additive, utilizadas quando uma disposição porta uma norma de menor abrangência daquela que, constitucionalmente, deveria possuir, de modo que a declaração de inconstitucionalidade tem como efeito de inserir no texto normativo aquilo que lhe falta, sanando-lhe a omissão parcial. A propósito, consultar: GUSTAVO ZAGREBELSKY (La giustizia costituzionale. Bolonha: Società editrice il Mulino, 1977, p. 156-157) e LIVIO PALADIN (Diritto Costituzionale. Milão: CEDAM, 1998, p. 781). Entre nós, suscita a questão FRANCISCO CAVALCANTI (A inconstitucionalidade por omissão parcial e a revogação da Súmula n.º 339 do STF. In: BELLO FILHO, Ney de Barros (Coord.). Estudos em Homenagem a Dionísio Rodrigues Nunes Brasil. São Luís: Seção Judiciária do Maranhão, 2001. p. 151-156).

19. No caso dos autos, a autora é estudante devidamente matriculada no Curso de Psicologia da Universidade Potiguar (fls. 22), pelo que seria sobremodo injusto que não lhe fosse deferida a prorrogação da pensão pelo simples fato de seu extinto genitor não haver seguido a carreira castrense, mas sim a de servidor civil.

20. À derradeira, não argumente a representação judicial da autarquia-ré, ao manejar recursos, que a presente decisão contribui para a elevação da despesa pública. Isso porque, conforme se depreende do Orçamento Geral da União do corrente exercício (DOU, Seção I, de 30.04.2003, p.77), esta, não obstante projetar gastos de 16,01% com reformas e pensões dos servidores militares frente a 14,3%, relativos às aposentadorias e pensões da Administração Direta, não hesitou em editar medida provisória, tendente à ampliação do prazo dos pensionamentos solvidos a filhos de militar, desde que estudem em estabelecimento de ensino superior.”

Com base nessa argumentação, resta configurada a verossimilhança das alegativas, a ensejar a concessão da medida pleiteada. O perigo da demora, por sua vez, decorre da inegável natureza alimentar do benefício, podendo sua supressão significar prejuízo irreparável ou de difícil reparação, caso se consume e perdure.

Ante o exposto, presentes os pressupostos legais autorizadores da tutela de urgência, pleiteada nos termos do art. 273 do CPC, DEFIRO o pedido de tutela antecipada para determinar à União Federal que se abstenham de proceder ao cancelamento da pensão a que faz jus a Autora, devendo o referido benefício adotar como termo fatal o atingimento pelo Requerente da idade de 24 (vinte e quatro) anos ou a conclusão do curso universitário em que se encontra matriculado, aquele que primeiro ocorrer.

Cite-se o Réu, através da União Federal para, querendo, contestarem o feito, intimando-os, nesta ocasião, dos termos da presente decisão.

Defiro o benefício da Assistência Judiciária Gratuita como requerido, nomeando o(a) subscritor(a) da inicial para patrocínio da causa.

Intimem-se.

Aracaju, 08 de março de 2005.

RICARDO CÉSAR MANDARINO BARRETO

Juiz Federal Substituto – 1a Vara/SE

1 RSTJ 26/378

PROCESSO N° 2005.85.00.0735-5 – 1ª Vara – JF/SE

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