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Desembargador intercedia a favor de amigos junto a juízes

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26 de junho de 2005, 12h21

Sete juízes federais do Paraná acusam o desembargador Dirceu de Almeida Soares, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de interceder por advogados e seus clientes, pressionando pela concessão de sentenças favoráveis. Segundo reportagem publicada neste domingo (26/6) pelo jornal O Estado de S.Paulo, os juízes prestaram depoimentos sigilosos na Procuradoria da República em Curitiba, numa investigação que corre em segredo sobre suspeita de vendas de sentenças.

De acordo com um dos relatos, o desembargador chegou a entregar uma sentença já redigida à juíza Ana Beatriz Palumbo, do Porto de Paranaguá, determinando a não cobrança de Imposto sobre Serviços dos escritórios de advocacia de Curitiba, pedindo-lhe que apenas assinasse a decisão. A juíza se lembra de “comentário que havia escutado no sentido de que, por vezes, sentenças eram entregues prontas, redigidas pelos próprios advogados interessados”.

A investigação envolve pelo menos quatro advogados identificados, entre eles Roberto Bertholdo, ex-conselheiro de Itaipu, que tem como clientes os deputados José Janene, líder do PP na Câmara, e José Borba, líder do PMDB, ambos do Paraná.

Nos sete “termos de declaração”, firmados em setembro, e obtidos pela reportagem do Estado, os juízes relatam situações em que se sentiram “pressionados” e “constrangidos” pelo desembargador. Soares lhes pede para atender a advogados “muito amigos”, insistindo que os juízes lhes digam que o desembargador havia falado com eles previamente sobre seus casos.

O juiz Ricardo Rachid de Oliveira, da 2ª Vara Cível de Curitiba, conta que recebeu um recado do desembargador para que “não decidisse um determinado processo sem falar com ele”. Depois, ligou lhe pedindo para receber um advogado: “É muito amigo meu, atenda”. À juíza Vera Lúcia Ponciano, o desembargador teve o cuidado de recordar que, se o advogado Bertholdo lhe perguntasse se ele já havia falado com ela, “era para dizer que sim”.

O cliente de Bertholdo era Ricardo Sabóia Khury, ex-diretor do Banestado. O desembargador pretendia reverter a decisão da Justiça de quebrar o sigilo bancário de Khury. Ele era acusado de participação em crimes com empresa fantasma e de movimentar em sua conta 49 vezes mais que sua renda declarada em 1998, e 28 vezes mais, em 2000. Isso ocorreu em março de 2003, durante as investigações do caso Banestado, usado por doleiros para enviar dinheiro para o exterior com contas laranjas e a conivência de diretores de bancos.

O pedido foi indeferido, mas a sentença foi suspensa com medida cautelar do relator do processo: o próprio Soares. O desembargador questionou a juíza Ana Carine sobre por que havia indeferido liminar pedida por “um grande amigo seu”, o advogado Roberto Morel, cuja cliente, Ginap, queria redução de imposto de importação de pneus. Dias depois, o advogado entrou com pedido de reconsideração da decisão. A juíza conta que “se sentiu extremamente pressionada”.

Segundo o jornal, ponto em comum nos depoimentos é que os juízes afirmam não terem cedido às supostas pressões do desembargador. Diante da recusa do juiz Nivaldo Brunoni, para que “amolecesse a mão” e reconsiderasse um pedido de liminar para liberar roupas fabricadas na China com etiquetas falsas do Brasil, apreendidas pela Receita, Soares, na época diretor do Foro de Curitiba, foi irônico, segundo o relato: “Olha, no que precisar da gente na Direção do Foro, estamos às ordens”.

Leia o que disse o desembargador ao Estado

Pedidos de preferência são normais

Desembargador confirma que intercede em favor de seus amigos advogados

O desembargador Dirceu de Almeida Soares negou que tenha cometido qualquer irregularidade. “Pedidos de preferência são normais entre juízes”, disse ele. “Nós, desembargadores, recebemos muitos pedidos e de vez em quando telefonamos, quando vemos que a coisa é difícil, tem que ser resolvida, pelo bem da própria Justiça”. Soares confirmou os vínculos com os advogados citados: “Todos são meus amigos. Quem me pede isso só pode ser meu amigo”.

Segundo ele, até mesmo a insistência para os juízes informarem aos advogados que o desembargador lhes havia pedido para atendê-los é algo normal. “É para defender o próprio juiz”, explica. “Para não ir lá e começar a dar de dedo no juiz e dizer que tem que fazer isso, tem que fazer aquilo. Se o juiz falar: ‘O dr. Dirceu telefonou para mim’, a pessoa só vai pedir o que pediu para mim, não vai aumentar”. Referindo-se às queixas dos juízes, o desembargador diz que “eles relataram da maneira que os mandaram relatar”. Soares não quis especular sobre quem fez essa “armação” contra ele. Mas admitiu que há uma disputa política feroz no interior da Justiça Federal gaúcha.

Ele apontou como seu principal rival o desembargador Vladimir Passos de Freitas, que presidiu o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre, até segundafeira. Freitas tinha expectativa de se tornar ministro do STJ, no ano passado. Não foi apoiado pelos deputados paranaenses, liderados por José Janene, do PP, e José Borba, do PMDB, ambos clientes de Roberto Bertholdo, um dos advogados citados pelos juízes. “Ele acha que fui eu que atrapalhei”, diz Soares. Outra disputa interna se refere a instalar ou não uma sede da Justiça Federal em Curitiba. Soares é a favor; Freitas, contra.

O desembargador se queixa da condução do processo. “Não tive direito a ampla defesa”, conta o desembargador. “Não pude acompanhar os depoimentos dos juízes”. Mas, segundo ele, dos 27 desembargadores da 4ª Região, 23 já votaram pelo arquivamento do caso. E dois dos sete juízes já se teriam oferecido para se retratar. De qualquer maneira, conclui o desembargador, de 64 anos, “se tivesse cometido algum ilícito, já estaria prescrito”. Para esses casos “administrativos”, o prazo é de dois anos. “Eles sabem que já prescreveu”, diz o desembargador, referindo-se a seus inimigos. “Como não me derrubaram, lhe passaram isso”.

Advogado diz que sócio o torturou

As investigações sobre suposta venda de sentenças em Curitiba podem estar entrelaçadas com um episódio rumoroso, ainda não esclarecido, em escritório de advocacia da cidade. O advogado Sérgio da Costa Filho acusou em janeiro o seu sócio, Roberto Bertholdo, de tê-lo “torturado” por causa de suposto desvio de R$ 900 mil e de um “grampo” no escritório. Ambos são citados nos depoimentos como advogados que o desembargador Dirceu de Almeida Soares tentou favorecer.

O episódio ocorreu depois da prisão, em novembro, de um cliente do escritório, o empresário Antônio Celso Garcia, um ex-deputado estadual, acusado de “gestão temerária” do Consórcio Garibaldi, falido em 98. Tony Garcia, como é conhecido, foi candidato a senador pelo PP, tendo Bertholdo como primeiro suplente. O telefone de Garcia foi grampeado pela polícia. A gravação de conversas supostamente comprometedoras entre Garcia e Bertholdo teria levado Costa a querer desfazer a sociedade. Bertholdo e Costa acusam um ao outro de ter instalado aparelhos de escuta e câmeras ocultas no escritório.

A disputa resultou no espancamento de Costa. Em depoimento à polícia, ele acusou o sócio de tê-lo algemado, aplicado choques, ameaçado de enforcar e espancado, durante 14 horas, com a ajuda do segurança, do motorista e de dois homens que se diziam policiais civis. Costa gravou um vídeo de si mesmo, dois dias depois da surra, e mantémse escondido, com medo.

Bertholdo, que tem escritório em Brasília, onde atende políticos como os líderes do PP na Câmara, José Janene, e do PMDB, José Borba, teve a prisão decretada em março por Sérgio Moro, um dos juízes que denunciam o tráfico de influência do desembargador, num caso em que o advogado atuava. “Ele é um fascista que se considera o chicote de Deus”, diz Bertholdo sobre Moro. O advogado, que admite ter batido no sócio, porque ele lhe roubou dinheiro e grampeou o escritório, diz que ninguém foi prendê-lo em Brasília. Em junho, obteve Habeas Corpus. Pouco antes da ordem de prisão, Bertholdo deixou o Conselho da Itaipu, para o qual fora indicado pelo PMDB.

A escuta telefônica também levou à prisão, por ordem do juiz Moro, de Michel Saliba, expresidente da OAB no Paraná, sócio de Bertholdo em pelo menos um caso. Costa acusa Saliba de ter estado no escritório durante as ‘torturas’ e nada ter feito. Saliba é citado pelo juiz Ricardo Rachid de Oliveira como advogado num processo em que o desembargador Soares intercedeu. Mas, segundo o juiz, não foi Saliba quem conversou com ele, a pedido de Soares. Bertholdo garantiu que nunca comprou sentenças. O Estado não conseguiu falar com Saliba nem com os outros advogados.

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