Ironia polêmica

Dizer que XI de Agosto defende escravidão é equivoco, diz nota

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21 de junho de 2005, 21h22

A afirmação do jornalista Gilberto Dimenstein de que o Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, defendeu a escravidão, feita em sua coluna na Folha online, é equivocada e não reflete a prática do “bom jornalismo”. É o que sustento o centro acadêmico.

Em sua coluna, Dimenstein diz, em tom de repúdio, que o XI de Agosto publicou a seguinte tese sobre a escravidão dos negros: “Se não fossem escravizados, os negros não teriam sido trazidos ao continente americano. Por pior que estejam aqui atualmente, estão melhores do que estariam na África atualmente”.

Em nota divulgada à imprensa, a diretoria da agremiação afirma que o panfleto “Gazieta Svolach”, onde foi publicada a “tese”, não representa nem expressa, em nenhum momento, a opinião do Centro Acadêmico ‘XI de Agosto’”. Segundo a diretoria do XI, Dimenstein não “chegou a procurar a Direção da Entidade para obter melhores esclarecimentos sobre o ‘fato’ que divulgou. Não tomou as devidas cautelas, inerentes ao bom jornalismo, o que é de se lamentar partindo de jornalista de tamanho gabarito”.

De acordo com a nota, a “tese” estava inserida num contexto jocoso, em meio a outras “‘teses’ igualmente absurdas”, como a que considerava “o fim do cio como fator civilizatório”, sugerindo que “o contrato social decorre do fim do cio na espécie humana” e a que dizia do “lamarckismo no centro de São Paulo”, segundo a qual “os pombos da região central” da cidade “estariam se transformando em galinhas”. Considerado o contexto, afirma a nota, sabe-se que a afirmação não pode ser levada a sério.

Leia a íntegra da nota

Preliminarmente, cabe um ponto neste processo que se desvelou: o jornalista Gilberto Dimenstein noticiou, equivocadamente e sem mencionar sua fonte, a ‘informação’ de que a direção do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, teria publicado tese que defenderia a escravidão.

A Entidade, instituição tão conhecida na busca dos melhores ideais humanos, sentiu-se profundamente ofendida com tal inverdade. Este Centro Acadêmico nunca defenderia tal ignomínia. Sempre manifestamos, e aproveitamos a oportunidade para ressaltar isso, nosso veemente repúdio a quaisquer iniciativas de cunho discriminatório, sejam elas baseadas em cor, sexo, idade, etnia, posição social, afiliação política ou qualquer outro critério, bem como a todas as iniciativas de restrição ou de controle do exercício das liberdades públicas a qualquer título.

O jornalista, ao que parece, não teve tempo para escutar a parte noticiada, a fim de que esta apresentasse sua versão. Não chegou a procurar a Direção da Entidade para obter melhores esclarecimentos sobre o ‘fato’ que divulgou. Não tomou as devidas cautelas, inerentes ao bom jornalismo, o que é de se lamentar partindo de jornalista de tamanho gabarito.

Passada esta preliminar, vale apresentar uma visão mais informada dos acontecimentos. A ‘tese’ foi apresentada num panfleto apresentado por estudantes, conhecido como “GAZIETA SVOLACH”.

Há de se destacar que esta não é publicação do Centro Acadêmico “XI de Agôsto” e não reflete a opinião e os anseios da entidade. A publicação não representa nem expressa, em nenhum momento, a opinião do Centro Acadêmico “XI de Agôsto”.

O panfleto é notório na Faculdade, bem como tantos outros de tempos passados, por seu cunho irônico, sarcástico, ácido até, movido pelo animus jocandi e pela contestação, sentimentos tão caros aos universitários do Largo.

O panfleto que apresentou a ‘tese’ em discussão trouxe em seu bojo diversas outras ‘teses’ igualmente absurdas e desatinadas, por exemplo, ‘o fim do cio como fator civilizatório’ (sugerindo que o contrato social decorre do fim do cio na espécie humana), ‘lamarckismo no centro de São Paulo’ (defendendo que Darwin estava errado, e os pombos da região central estariam se transformando em galinhas), ‘o indulto de natal’ (defendendo que o indulto de natal teria sido criado para controlar a economia, tirando desta o décimo-terceiro excedente que poderia gerar inflação), sendo que a leitura da ‘tese’ dentro de seu contexto deixa mais que óbvio que a mesma não poderia ser levada à sério.

O Centro Acadêmico informa, ainda, que já houve sincera retratação, amplamente divulgada pela Faculdade, pelos responsáveis pela publicação que veiculou tal ‘tese’. Aliás, no mesmo dia em que houve o pedido de retratação, a mesma foi feita.

Na mesma ocasião a Entidade também se manifestou expressando que a ‘tese’ em nenhum momento corresponde à sua posição institucional em defesa das lutas da sociedade civil, mostrando um posicionamento firme em relação à comoção pública gerada pelo incidente.

O Centro Acadêmico “XI de Agôsto” nunca defendeu, não defende e nunca defenderá a escravidão, muito menos outras formas de discriminação calcadas em cor, sexo, idade, etnia, posição social, afiliação política ou qualquer outro critério, e mais uma vez manifesta aqui sua profunda indignação com qualquer tentativa de atribuir à Entidade a defesa institucional de idéias discriminatórias.

Tanto é assim que a Entidade expressa, desde já, seu integral APOIO a todas as iniciativas contra o racismo, a homofobia, o machismo e o desrespeito aos direitos humanos, uma vez que a luta pela dignidade da pessoa humana e pela efetivação dos direitos humanos sempre orientam, desde sua fundação, a atuação desta Entidade.

São Paulo, 21 de junho de 2005

Centro Acadêmico “XI de Agôsto”

Leia a coluna de Dimenstein

Estudantes de Direito defendem a escravidão

É mais do que uma asneira histórica ou uma piada de péssimo gosto –é o retrato de uma geração de jovens vítimas do cinismo extremado.

A direção do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, publicou, em seu jornal, a seguinte tese sobre a escravidão dos negros: “Se não fossem escravizados, os negros não teriam sido trazidos ao continente americano. Por pior que estejam aqui atualmente, estão melhores do estariam na África atualmente”.

Note-se que o grupo que assumiu a direção do centro (que já foi ocupado, por exemplo, por Ulysses Guimarães), batizou-se de “escória” e seu lema, na campanha eleitoral, era “balada, bebida e putaria”.

O fato de um grupo desse tipo chegar ao poder numa instituição tão tradicional, marcada pela defesa dos direitos humanos, não é um problema nem provinciano nem só estudantil. Revela o que ocorre quando o descrédito se abate na política. Uma tendência que só tende a se agravar com as denúncias que envolvem o PT, que tinha a ética como uma espécie de marca registrada.

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