Queda no embarque

Passageira vai receber indenização por acidente em barca

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25 de dezembro de 2005, 6h00

A Barcas Transporte Marítimo foi condenada a pagar indenização de R$ 22 mil a uma passageira que fraturou o pé ao tentar embarcar na ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro. A decisão é da juíza Carla Faria Bouzo, da 24ª Vara Cível do Rio. Cabe recurso.

Lucia Helena Ferreira de Souza entrava na embarcação quando a barca se afastou da plataforma. A passageira só não caiu no mar porque conseguiu se apoiar com um dos braços e foi puxada pelo namorado. Porém, no momento em que estava pendurada, seu pé direito foi atingido. Lucia só não foi esmagada porque conseguiu subir à superfície segundos antes de a barca se chocar contra a plataforma.

A empresa afirmou que no dia do acidente o mar estava agitado e por isso havia dois funcionários orientando e ajudando os passageiros a embarcar. A alegação foi desmentida por uma testemunha e pela própria vítima. Segundo os autos, nenhum funcionário da Barcas socorreu a passageira, que recebeu os primeiros socorros no Hospital Municipal de Paquetá e depois foi encaminhada ao Hospital Souza Aguiar, no centro do Rio.

Por causa do acidente, Lucia precisou ficar com o pé engessado durante quase três meses e teve que comprar uma muleta para se locomover. Também foi obrigada a passar por vinte sessões de fisioterapia e ficou incapacitada por 9 meses, de acordo com o laudo do perito.

A juíza Carla Faria Bouzo sugeriu em sua sentença que “a solução adequada seria a colocação de uma espécie de ponte móvel, ligando a plataforma e a embarcação, a fim de diminuir o afastamento entre elas”. De acordo com a juíza, essa iniciativa seria exigível por conta da obrigação de modernização dos serviços, prevista na lei de concessões.

Processo 2003.001.101677-7

Leia a íntegra da decisão

JUÍZO DE DIREITO DA 24ª VARA CÍVEL Processo: 2003.001.101677-7 Autor : Lucia Helena Ferreira de Souza Ré : Barcas S/A SENTENÇA I) Relatório Lucia Helena Ferreira de Souza ajuizou a presente ação indenizatória em face das Barcas S/A, narrando, em síntese, que no dia 17/03/02, ao tentar ingressar na embarcação que fez o trajeto Paquetá -Rio de Janeiro, a barca se afastou da plataforma e sofreu brusa queda, só não caiu no mar, porque conseguiu se apoiar com um dos braços a plataforma, enquanto era puxada para cima com o seu então namorado.

No momento em que estava pendurada, a embarcação bateu no seu pé direito, atingindo seus dedos e fraturando a base do 5º metatarso, sendo que por fração de segundos não foi esmagada, pois assim que conseguiu ser colocada na plataforma, a embarcação chocou-se contra esta.

Alega que diversos funcionários da ré presenciaram o acidente, mas não prestaram socorro, apenas informaram que existia um hospital municipal nda ilha e que não precisaria pagar a viagem de volta ao Rio de Janeiro. Os primeiros socorros foram prestados na ilha e depois foi encaminhada ao Hospital Souza Aguiar.

Aduz que sua perna ficou engessada por quase três meses e teve que adquirir uma muleta e uma sandália de gesso, para conseguir se locomover, ainda que de forma precária. Após este período, fez vinte sessões de fisioterapia, o que lhe trouxe fortes dores e ficou impedida de levar vida normal e comparecer as aulas, tendo inclusive ficado em dependência de matemática.

Ressalta que ficou com seqüelas consistentes em desnível na lateral do pé direito, dedos ligeiramente tortos, pisada incorreta e dores para caminhar e permanecer em pé. Pede indenização por danos morais, estéticos e materiais, estes consistentes a cirurgias reparadoras que tiver que fazer, ressarcimento da quantia de R$ 63,00, despedida para aquisição da muleta e sandália de gesso.

A petição inicial foi instruída com os documentos de fls. 09/19. A ré apresentou a contestação escrita de fls. 24/34 acompanhada das peças de fls. 35/73, em que alega que no dia dos fatos, ao se dirigir à embarcação, a autora caiu ainda na plataforma flutuante, antes de chegar à barcaça.

Declara que no dia dos fatos o mar estava revolto, fazendo com que a plataforma oscilasse, por isto a equipe da estação orientava os usuários a envidarem atenção na travessia da plataforma, para que não perdessem o equilíbrio, porém a autora desprezou as instruções e caminhava como se estivesse em terra firme, razão pela qual tem culpa exclusiva quanto ao evento danoso.

Assevera que a plataforma flutuante não oferece perigo, pois crianças, idosos e deficientes físicos utilizam os serviços da ré sem que nunca tenha ocorrido nenhum incidente. Sustenta que não praticou ato ilícito, inexistência de nexo de causalidade quanto aos danos materiais e inocorrência de danos morais e estéticos,que não podem ser cumulados, ressaltando que o montante indenizatório de 100 salários mínimos é elevado. Instados a se manifestarem, a autora requereu a produção de prova oral e pericial (fls. 79) e a ré o depoimento pessoal da autora e de testemunhas (fls. 80).


Audiência de conciliação a fls. 88. Decisão de saneamento de deferimento de prova pericial a fls. 88 verso. Laudo pericial a fls. 111/117, sobre o qual se manifestaram as partes a fls. 121 e 122/123.

O juízo determinou que as partes informassem se insistiam na produção de prova oral, tendo havido resposta positiva a fls. 126 e 127 Audiência de instrução e julgamento a fls. 134, em o depoimento da autora não foi reiterado, foi ouvida uma testemunha arrolada pela autora e as partes apresentaram alegações finais oralmente.

É o relatório.

Passo a decidir. II) Fundamentação Cuida-se de ação de indenização por danos materiais, estéticos e morais, em razão de acidente ocorrido no interior da estação da ré localizada na ilha de Paquetá. Presentes os pressupostos processais e as condições para o legítimo exercício do direito de ação, encontra-se o feito apto a ser sentenciado.

A responsabilidade civil é de natureza objetiva, em que basta a demonstração do dano, nexo de causalidade e conduta ilícita, havendo tríplice fundamento: a concessão de serviço público, contrato de transporte e relação de consumo. Comprovada a condição de passageira da autora, que nem foi contestada, configura-se a relação contratual de transporte, respondendo o transportador pela incolumidade do passageiro.

Mostra-se, pois, objetiva a responsabilidade, in casu, do transportador, seja com fulcro na norma constitucional disposta no art. 37, § 6º, eis que consiste a ré em prestadora de serviço público, quer com fundamento no Decreto nº 2.681/12 ou no Código de Defesa do Consumidor, sendo incontrastável a existência de relação de consumo.

É dever da transportadora preservar a incolumidade do passageiro por todo o trajeto percorrido. Conforme assevera o ilustre Des. Sergio Cavalieri Filho, em sua excelente obra ´Programa de Responsabilidade Civil´ (Ed. Malheiros, 2º ed.; pág, 212).: Sem dúvida, a característica mais importante do contrato de transporte é a cláusula de incolumidade que nele está implícita. A obrigação do transportador é de fim, de resultado, e não apenas de meio.

Não se obriga ele a tomar as providências e cautelas necessárias para o bom sucesso do transporte; obriga-se pelo fim, isto é, garante o bom êxito. Tem o transportador o dever de zelar pela incolumidade do passageiro na extensão necessária a lhe evitar qualquer acontecimento funesto, como assinalou Vivante, citado por Aguiar Dias.

O objeto da obrigação de custódia, prossegue o Mestre, é assegurar o credor contra os riscos contratuais, isto é, pôr a cargo do devedor a álea do contrato, salvo, na maioria dos casos, a força maior (José de Aguiar Dias, ob. cit., v. I/230). Em suma, entende-se por cláusula de incolumidade a obrigação que tem o transportador de conduzir o passageiro são e salvo ao lugar de destino.´ Prossegue: Assentado que a responsabilidade do transportador é objetiva e que, em face da cláusula de incolumidade, tem uma obrigação de resultado, qual seja, levar o transportado são e salvo ao seu destino, o passageiro, para fazer jus à indenização, terá apenas que provar que essa incolumidade não foi assegurada; que o acidente se deu no curso do transporte e que dele lhe adveio o dano.

O transportador só se exonera do dever de indenizar provando uma daquelas causas taxativamente enumeradas na lei: caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima. (Ob. cit., pág. 217) De qualquer forma, o Código de Defesa do Consumidor acabou com a dicotomia entre ilícito contratual e extracontratual, instituindo a falha no serviço como base do dever de indenizar, nos termos do artigo 14 e 22 do diploma, considerando que a ré é prestadora de serviço de transporte.

A autora e o réu se enquadram nos conceitos de ocnsumidor e prestador de serviços públicos, nos termos dos artigos 2º, caput, 3º, parágrafo 2º e 22 do CDC que deve disciplinar a relação jurídica. O policial militar Fabio Costa do Nascimento, ouvido na audiência de instrução e julgamento, estava presente no embarque da estação de Paquetá no momento dos fatos e corroborou os fatos narrados na petição inicial, declarando de forma direta e segura: que a autora chegou a encostar o pé na barca, mas esta se afastou e a autora caiu, tendo sido socorrida por um rapaz que lhe acompanhava; que o acompanhante da autora a puxou de volta para plataforma… que não apareceu nenhum membro da brigada nem funcionários para socorrer a autora… que ao que se recorda não apareceu nenhum funcionário da ré para prestar socorro; que o pé da autora… ficou como um ´mocotó´; que ficou bem inchado… que no momento dos fatos não havia funcionários auxiliando o embarque; que os portões de fero da estação se abriram e os passageiros se dirigiram automaticamente em direção à embarcação, sem a orientação de um funcionário…


A testemunha afirmou que o mar não estava revolto no dia dos fatos. De qualquer forma, é natural o movimento do mar e disto ninguém discorda, entretanto a ré tem o dever de minimizar os riscos de sua atividade. A ré, na qualidade de fornecedora de serviços e concessionária do Poder Público, tem a obrigação de prestar o serviço publico concedido de forma adequada e segura aos usuários, acompanhando a modernização ocorrida no setor.

A solução adequada seria a colocação de uma espécie de ponte móvel ligando a plataforma e a embarcação, a fim de diminuir o afastamento entre elas. Isto seria exigível por conta da obrigação de modernização dos serviços, conforme previsto na lei de concessões. Além disso, o próprio advogado do réu em alegações finais declarou que é obrigatória a presença de um funcionário na embarcação e dois marinheiros para auxiliar o embarque, sob pena de perda do direito de operar no setor.

A presença de dois funcionários em atividade no momento do embarque seria suficiente para servir de apoio a autora e evitar a sua queda. O evento danoso só ocorreu porque, como provado por meio do depoimento colhido, não havia funcionários auxiliando e orientando o embarque. Tal regra de segurança não foi obedecida pela ré que também não logrou êxito em demonstrar a culpa exclusiva da vítima.

Ao contrário, ficou patente que não havia prepostos no local e, se existiam, não desempenhara a função que lhes competia, deixando os passageiros entregues a própria sorte. Como se não bastasse, também houve omissão de socorro da autora, que chegou a embarcar, mas teve que retornar em busca de socorro, junto ao hospital municipal existente em Paquetá, conforme Boletim de Atendimento Médico de fls. 13 e posteriormente no Hospital Souza Aguiar.

Se não fosse a presença do ex-namorado da autora, que impediu que caíssem no mar e ainda a carregou no colo rumo ao hospital, estaria em situação de total desamparo. A conduta ilícita da ré, consistente em falha no serviço, consistiu na falta de obediência a regras de segurança aos usuários, e que foi causa adequada para o acidente ocorrido. A culpa exclusiva da vítima não foi comprovada pelo réu, não devendo ser aplicado o artigo 14, parágrafo 3º, II do CDC.

A relação de causalidade entre a queda e as lesões físicas sofridas ficaram demonstradas por meio da prova pericial, pois o expert declarou que existe nexo causal entre a queda da embarcação e a fratura de base do 5º metatarsiano direito, que provocou incapacidade total e temporária por nove meses, durante o período de 17/03/02 a 11/12/02. O pedido de indenização por danos materiais, consistentes em cirurgias reparatórias que vier a se submeter não merece acolhimento, pois o perito concluiu que a autora não sofreu seqüelas decorrentes do evento.

No que tange ao pedido de ressarcimento da quantia de R$ 63,00, o pleito deve prosperar, pois a autora realmente ficou imobilizada em razão do acidente e a nota fiscal de fls. 15 comprova o gasto com a aquisição de uma muleta canadense e uma sandália de gesso G. O pedido de indenização por danos morais e estéticos pode ser cumulado, pois embora tenham o mesmo fato gerador, consistem em lesões de natureza diversa.

Neste mesmo sentido é o enunciado nº 22 do Encontro de Desembargadores ocorrido em Búzios entre os dias 13 e 15 de maio de 2005: As verbas relativas a indenização por dano moral e dano estético são acumuláveis. Entretanto, não há prova de tal tipo de lesão, inclusive o perito respondeu ao quesito nº 6 formulado pela autora, informando que ela não sofreu dano estético no pé fraturado, ressaltando que a parte não impugnou o laudo juntado a fls. 11112/117.

O pedido de indenização por danos morais deve ser acolhido, pois a autora além da dor física decorrente do acidente, ainda ficou privada do exercício de suas atividades normais durante o período de nove meses em que ficou engessada. Saliento que não há prova alguma de que a autora tenha ficado em dependência em matemática ou que o fato tenha relação com os fatos objeto da presente.

O dano extrapatrimonial é ínsito à própria lesão ao direito, de sorte que não se afigura necessária a sua comprovação, posto que se constitui in re ipsa, bastando, ao revés, a demonstração de um fato, donde se presuma, numa lógica do razoável, sofrimento, dor, vergonha causados à vítima, que fujam à normalidade.

Neste mesmo sentido: ´Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa, deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum´. (Programa de Responsabilidade Civil, Sérgio Cavalieri Filho, 4ª edição, pagina 102) Reconhecido o dano e o nexo causal, passo a fixar o quantum devido em atenção aos princípios da razoabilidade e da vedação ao enriquecimento sem causa, levando, ainda, em consideração o duplo aspecto relacionado ao tema, visando, por um lado, compensar o autor pelos transtornos sofridos e, por outro, propiciar a ré o denominado efeito pedagógico com o intuito de evitar a reiteração de comportamentos semelhantes que são veementemente repelidos por este Juízo.

Considerando todos estes critérios, bem como o fato de que a autora está totalmente restabelecida, reputo como suficiente para repação do dano não patrimonial a quantia de R$ 22.000,00. III) Dispositivo Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido, a fim de condenar a ré: a) ao ressarcimento da quantia de R$ 63,00 (sessenta e três reais) acrescida correção monetária e juros de mora no percentual de 0,5% ao mês até 10 de janeiro de 2003 e, a partir daí, no percentual de 1% ao mês, desde o desembolso, ocorrido em 08 de agosto de 2002, até o efetivo pagamento e b) ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais), corrigida monetariamente a contar da presente e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) desde a citação até o efetivo pagamento,de acordo com o disposto no § 1º do art. 161 do CTN, aplicável ao caso, na forma do art. 406 do Código Civil, e artigo 219 do Código de Processo Civil. Diante da mínima sucumbência, condeno a ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em dez por cento sobre o valor total da condenação imposta. P.R.I. Rio de Janeiro, 30 de novembro de 2005 Carla Faria Bouzo Juíza de Direito

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