Patrimônio da União

STF dá liminar que impede Maranhão de reintegrar convento

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20 de dezembro de 2005, 10h01

O governo do Maranhão está proibido, por enquanto, de reintegrar ao seu patrimônio histórico o prédio do Convento das Mercês, em São Luís. Este deverá permanecer com a Fundação da Memória Republicana, responsável pelo acervo do ex-presidente da República José Sarney, atualmente senador pelo PMDB do Amapá. A decisão foi tomada em caráter liminar pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Mesa do Senado pediu liminar para suspender a eficácia da Lei estadual maranhense 8.313/05. A norma fixava o prazo de 30 dias, a contar de 30 de novembro último, para a reintegração do prédio do convento ao patrimônio do governo do Maranhão.

A lei questionada pelo Senado revoga as Leis Estaduais 5.007/90 e 5.765/93 que, dentre outras atribuições, autorizaram o governo do estado a participar da Fundação da Memória Republicana, mediante a incorporação do imóvel. Segundo informa o Senado, a lei do estado que tornou inválidas as outras duas normas fere os preceitos constitucionais que tratam da preservação do patrimônio histórico e cultural brasileiro (artigos 23, 24 e 216 da Constituição Federal).

Na ação, o Senado ainda sustenta que a Fundação está instalada no prédio do convento há mais de 15 anos e que abriga o acervo particular do ex-presidente José Sarney, composto por centenas de milhares de documentos, livros, fotografias, cartas, manuscritos, filmes, slides, gravuras, pinturas e obras de arte.

Ao analisar o pedido, o ministro Marco Aurélio ressaltou que a questão é impar e que, em sua análise preliminar, procurou afastar atos que possam prejudicar a apreciação do tema pelo Plenário do Supremo.

Leia a íntegra da decisão

MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.626-2 MARANHÃO

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

REQUERENTE(S) : MESA DO SENADO FEDERAL

ADVOGADO(A/S) : ALBERTO CASCAIS

REQUERIDO(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DO MARANHÃO

REQUERIDO(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO

DECISÃO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

– LIMINAR – URGÊNCIA NA APRECIAÇÃO – ATUAÇÃO DO RELATOR – REFERENDO PELO PLENÁRIO.

1. A Mesa do Senado Federal ajuíza esta ação direta de inconstitucionalidade visando a fulminar a Lei nº 8.313, de 29 de novembro de 2005, do Estado do Maranhão, publicada no Diário Oficial do mesmo dia, cuja circulação teria ocorrido em 6 do corrente mês.

Eis o teor do diploma:

Art. 1º – Ficam revogadas as Leis nos 5.007, de 6 de abril de 1990, e 5.765, de 26 de agosto de 1993.

Art. 2º – No prazo de 30 (trinta) dias da vigência desta Lei, o Poder Executivo reintegrará o Convento das Mercês ao patrimônio do Estado do Maranhão.

Art. 3º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

As leis revogadas tinham o seguinte teor:

a) Lei nº 5.007, de 6 de abril de 1990:

Art. 1º – Fica o Poder Executivo autorizado a participar da Fundação da Memória Republicana, entidade que tem por finalidade perpetuar a história da República, a amizade entre os povos da língua portuguesa e a integração latino-americana.

Art. 2º – A participação prevista no artigo anterior dar-se-á mediante a incorporação do Convento das Mercês, imóvel pertencente ao Estado do Maranhão, situado entre as Ruas da Palma, Jacinto Maia, Estrela e Beco da Lapa, à Fundação da Memória Republicana.

Art. 3º – O Estado do Maranhão integrará o Conselho Curador da Fundação da Memória Republicana, através de um representante nomeado pelo Governador do Estado.

Art. 4º – Extinguindo-se a Fundação, reverterá ao patrimônio do Estado do Maranhão o imóvel de que trata o artigo 2º.

Art. 5º – As despesas decorrentes da execução da presente Lei, correrão à conta da Fundação da Memória Republicana.

Art. 6º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 7º – Revogam-se as disposições em contrário.

b) Lei nº 5.765, de 26 de agosto de 1993:

Art. 1º – Fica o Poder Executivo autorizado a participar da Fundação da Memória Republicana, entidade que faz parte integrante do Sistema de Arquivos Presidenciais, conforme dispõe a Lei nº 8.394, de 30 de dezembro de 1991, que dispõe sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentários privados dos Presidentes da República e dá outras providências.

Art. 2º – A participação prevista no artigo anterior dar-se-á mediante a incorporação à Fundação da Memória Republicana, do Convento das Mercês, imóvel pertencente ao Estado do Maranhão, situado entre as Ruas da Palma, Jacinto Maia e Beco da Lapa, nesta Capital.

Art. 3º – Ficam ratificados os atos decorrentes da execução da Lei nº 5.007, de 06 de abril de 1990.

Art. 4º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Sustenta a requerente que a segunda lei surgiu em período de nova administração estadual. Ressalta que a lei revogadora e atacada mediante esta ação não constitui ato de efeitos concretos, tendo em conta a circunstância de possuir comando normativo revogatório de normas legais anteriores, cuja retirada do mundo jurídico configura situação inerente à abstração. Aponta mais que, embora tenha atingido negócio jurídico antes consolidado, a lei versa sobre o gerenciamento de atividade estatal, surgindo, por isso mesmo, no campo abstrato, fazendo cessar e obstaculizando a participação do Poder Público Estadual no Conselho Curador de Fundação de interesse público. Então, menciona preceitos da Constituição Federal acerca do patrimônio histórico e cultural brasileiro:

artigo 23, inciso I, artigo 24, inciso VII e artigo 216, incisos III, IV, V e § 1º, respectivamente do seguinte teor:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

(…)

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(…)

VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

(…)

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

(…)

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º – O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

(…)

O Estado membro teria legislado em sentido contrário ao Texto Básico, no que este direciona ao zelo, à proteção e à preservação do patrimônio histórico e cultural brasileiro. A Fundação da Memória Republicana estaria no local referido há mais de quinze anos, abrigando extraordinário acervo devidamente organizado, contando com documentos privados do ex-presidente da República José Sarney desde 1952, acervo de cerca de duzentos e vinte mil documentos, trinta e sete mil livros – entre os quais a edição original de Maquiavel e obras de autores lusobrasileiros, como Castro Alves, Eça de Queiroz e padre Antônio Vieira –, dezoito mil registros fotográficos, mil slides, mil e quinhentas reportagens em filmes de dezesseis milímetros, oitenta mil textos manuscritos e datilografados, cópia de setenta mil cartas dirigidas pelo povo ao ex– Presidente, acervo museológico de duas mil e quinhentas peças, pinturas e gravuras de artistas contemporâneos como Scliar, Siron Franco, Carlos Brecher e artesanato de várias regiões do País. Aduz a requerente que a Lei nº 8.394/91, decorrente do Diploma Máximo, determina, no artigo 3º, que os acervos documentais privados dos presidentes da República integram o patrimônio cultural brasileiro, sendo declarados de interesse público para os fins de aplicação do § 1º do artigo 216 da Constituição Federal, sujeitando-se a restrições como o direito de preferência da União a adquirilos, não podendo ser alienados para o exterior sem manifestação expressa desta última. A legislação revogada dispunha sobre a Fundação da Memória Republicana, integrando o Sistema de Arquivos Presidenciais, coordenado pela Comissão Memória dos Presidentes da República, a atuar em caráter permanente junto ao Gabinete Pessoal do Presidente da República. O ato teria implicado, com inobservância do Código Civil, extinção da própria Fundação, entidade que também possibilitaria a integração de crianças carentes ao projeto “Banda do Bom Menino”. Ter-se-ia, com a implementação do ato atacado, a perda de trabalho de preservação da história republicana e literária nacional. Evoca a Mesa do Senado o princípio da proporcionalidade, dizendo do móvel político da nova disciplina – perseguição ao ex-presidente José Sarney, conforme recortes jornalísticos. Argúi a ofensa ao princípio da intangibilidade do ato jurídico perfeito, de que as revogadas Leis nº 5.007/90 e 5.765/93 “ostentavam natureza de autorização”, de modo a viabilizar “a participação do Poder Público Estadual em fundação sem fins lucrativos, mediante ingresso no Conselho Curador da entidade e incorporação patrimonial vinculada”. Fora lavrada Escritura Pública de Incorporação do bem, transcrita no Livro 539 do Tabelionato do 1º Ofício da Comarca de São Luís e registrada no cartório competente. A Lei nº 8.313/2005 teria o alcance de implicar até mesmo desfazimento de negócio jurídico, contemplando a brusca retomada extrajudicial de bens. Citando a doutrina, afirma que não houve transmissão definitiva de propriedade do Estado membro para a Fundação, mas simples incorporação de bem a esta última passível de ser afastada, vindo a ser extinta a entidade. Tudo teria ocorrido sem o respeito ao contraditório e à ampla defesa. Pleiteia a requerente a medida acauteladora, salientando a relevância do pedido e o risco de se manter com plena eficácia o quadro, para aguardar-se a decisão final, quando é esperada a conclusão sobre a inconstitucionalidade da lei em comento. A inicial, acompanhada dos documentos de folha 20 à 73, está subscrita pelo Presidente da Mesa do Senado Federal, senador Renan Calheiros, e pelo Advogado-Geral do Senado Federal, Dr. Alberto Cascais.

Em 14 de dezembro de 2005, foi expedida papeleta ao Plenário para o pregão do processo e apreciação do pedido de concessão de medida acauteladora pelo Colegiado.

2. O encerramento do Ano Judiciário, sem espaço para o crivo pelo Plenário, leva-me à atuação individual, em caráter de urgência, consoante dispõe o § 3º do artigo 10 da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, dispensada, em face do risco latente, a audição prévia dos requeridos.

A situação retratada na inicial mostra–se ímpar, o que levou a Mesa do Senado Federal a deliberar sobre a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. Ao primeiro exame, pode transparecer que a lei atacada é de efeito concreto, como toda e qualquer lei revogadora de diploma então em vigência. Para chegar–se ao alcance fidedigno do que nela se contém, devem ser consideradas as conseqüências próprias, a retirada do mundo jurídico de diploma de natureza abstrata, tendo em conta a existência e administração da instituição envolvida, a Fundação da Memória Republicana, presente a participação, no Conselho Diretivo, do próprio Estado. Nesta análise preliminar, cumpre o afastamento de atos que possam prejudicar a apreciação do tema pelo Pleno da Corte. É que a lei revogadora fixa prazo para reintegração de prédio incorporado à Fundação, que, em última análise, viabiliza a preservação, em si, de patrimônio histórico de envergadura maior, da memória da República.

3. Defiro a medida acauteladora, submetendo este ato ao referendo do Plenário quando da abertura do Ano Judiciário de 2006. Faço-o para afastar do cenário jurídico a eficácia da Lei nº 8.313/2005, do Estado do Maranhão.

4. Solicitem-se informações aos requeridos.

5. Publique-se.

Brasília, 19 de dezembro de 2005.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

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