Direito ao ócio

Bens destinados ao lazer não podem ser penhorados

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20 de dezembro de 2005, 12h37

O ócio é uma garantia constitucional e legal do trabalhador. Por isso, bens destinados ao seu lazer e entretenimento não podem ser penhorados, “pois representam a válvula de escape das tensões que se operam no dia-a-dia”. Com esse entendimento a 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região suspendeu penhora de dois televisores e um videocassete de Lucidalva Soares da Silva, ex-empregada da Telefônica, condenada por litigância de má-fé.

O relator do caso, juiz Rovirso Aparecido Bolso, entendeu que “é justo considerar que o trabalhador mereça descansar. Aliás, esse é o espírito da lei (Lei 605/49)”.

“Pretender expropriar a agravante dos bens móveis em epígrafe, com destaque para os dois televisores e o vídeo cassete, é negar vigência a preceito constitucional (CF, artigo 6º), onde está textualmente assegurado, como direito social, o lazer”, considerou o juiz.

O juiz considerou que são impenhoráveis todos os bens de uso pessoal do executado. “Da mesma forma, não se concebe a penhora sobre máquina de lavar roupas. O cuidado com as vestimentas é exigível muito menos pelo esmero no vestir do que pelo asseio; trata-se de questão de saúde, igualmente considerado como direito social pela CF, artigo 6º”, acrescentou.

Direito de lazer

A trabalhadora entrou com processo na 55ª Vara do Trabalho de São Paulo, reclamando verbas que entendia devidas pela Telefônica. Como a primeira instância acolheu o pedido, a empresa recorreu ao TRT paulista.

Na ocasião, a 3ª Turma reformou a sentença da primeira instância. Inconformada, a ex-empregada entrou com Embargos Declaratórios, rejeitados pela Turma. Os juízes também multaram a trabalhadora em 22% sobre o valor da causa, em favor da Telefônica, “a título de indenização, por litigância da má-fé”.

Para garantir o pagamento da multa, a 55ª Vara penhorou dois televisores, uma mesa com 6 cadeiras, um videocassete e uma máquina de lavar roupas da ex-empregada. Ela recorreu novamente ao TRT-SP, argumentado que, de acordo com a Lei 8.009/90, estes bens são impenhoráveis.

O Agravo de Petição foi distribuído ao juiz Rovirso Aparecido Boldo. Seguido pelos demais juízes, Boldo revogou a penhora dos bens.

AP 01470.2003.055.02.00-9

AGRAVO DE PETIÇÃO

AGRAVANTE: LUCIDALVA SOARES DA SILVA

AGRAVADO: TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S/A – TELESP

ORIGEM: 55ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

EMENTA

Execução. Bens que guarnecem a residência. Garantia constitucional. Caráter social. Impenhorabilidade. Considerando-se a aplicação da Lei Especial em prevalência à regra geral de que cuida o CPC, art. 649, os bens que guarnecem a residência, exceção feita aos voluptuários, reputam-se como impenhoráveis, ex-vi da Lei 8.009/90, art. 1º, parágrafo único.

O trabalhador brasileiro, que via de regra traz a marca da hipossuficiência presumida, vê-se alijado do lazer cultural (teatro, cinema, por exemplo).

O ócio, no mais das vezes, se restringe em permanecer à frente do televisor assistindo à programação que mais lhe apetece. Nesse caso, permitir a expropriação do bem em epígrafe é negar vigência a preceito constitucional, onde está textualmente assegurado como direito social o lazer (CF, art. 6º).

Da mesma forma, a penhora de máquina de lavar roupas, mesas e cadeiras não se concebe. O cuidado com as vestimentas é exigível muito menos pelo esmero no vestir do que pelo asseio; trata-se de questão de saúde, igualmente considerado como direito social pela CF, art. 6º. Vale citar a tese construída por Luiz Edson Fachin, denominada estrutura jurídica do patrimônio mínimo, pela qual deve ser assegurada à pessoa o mínimo para a sua sobrevivência, caso do direito à moradia; e para o exercício desse direito é preciso garantir um mínimo de habitabilidade e conforto. Agravo provido para a desconstituição do ato constritivo .

Contra a decisão de fl. 180 que acolheu parcialmente os embargos à execução, discutindo a conta de liquidação, justiça gratuita e impenhorabilidade de bens.

Contraminuta apresentada às fls. 195/199.

Desnecessária a manifestação do MPT, de acordo com o Provimento nº 01/2005 do C. TST.

É o relatório.

V O T O

Conheço, eis que atendidos os requisitos de admissibilidade.

Da conta de liquidação

Foi reconhecida na decisão de embargos à execução (fl. 180) o equívoco no valor da dívida (Mandado de Citação Penhora e Avaliação – R$ 732,00, fl. 164). O refazimento dos cálculos já foi determinado pelo Juízo da execução. Destarte, não há prejuízo a ser considerado.

Da justiça gratuita

Injurídico o pedido. Não está aqui se falando em isenção de pagamento de taxas judiciais de natureza tributária, mas sim de dívida decorrente de decisão condenatória transitada em julgado.

Da impenhorabilidade dos bens

Há notícia nos autos (Auto de Penhora e Avaliação, fl. 167) da constrição de bens que a ora agravante reputa como impenhoráveis, ex-vi da Lei 8.009/90, art. 1º, parágrafo único*1.

A rigor, considerando-se a aplicação da Lei Especial em prevalência à regra geral de que cuida o CPC, art. 649, os bens levados à constrição (2 televisores, mesa de madeira com 6 cadeiras, 1 videocassete e 1 máquina de lavar roupas) não são passíveis de penhora porque a norma jurídica refere-se a “…móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”

Os fundamentos da sentença de embargos à execução com vistas à manutenção da penhora – “Os bens apenhados não são essenciais ao sustento e sobrevivência da embargante e seus familiares…” -, não aprofundam o tema, cabendo algumas considerações.

O trabalhador brasileiro, via de regra, traz a marca da hipossuficiência presumida. A má distribuição de renda e o desnivelamento social decorrente já foram objeto de incontáveis estudos; a grande massa trabalhadora do País é pobre na acepção jurídica do termo. Trabalha-se muito e ganha-se pouco.

Ipso facto, é justo considerar que o trabalhador mereça descansar. O ócio é importante, pois representa a válvula de escape das tensões que se operam no dia-a-dia; é fator de higiene física e mental. Aliás, esse é o espírito da lei (Lei 605/49).

Valendo-se de condição financeira sofrível, o trabalhador brasileiro vê-se alijado do lazer cultural (teatro, cinema, por exemplo), ou mesmo, freqüência a restaurantes. O seu lazer, no mais das vezes, se restringe em permanecer à frente do televisor, assistindo à programação que mais lhe apetece.

Diante de tal quadro, pretender expropriar a agravante dos bens móveis em epígrafe, com destaque para os 2 televisores e 1 vídeo cassete, é negar vigência a preceito constitucional (CF, art. 6º*2), onde está textualmente assegurado como direito social o lazer.

Da mesma forma, não se concebe a penhora sobre máquina de lavar roupas. O cuidado com as vestimentas é exigível muito menos pelo esmero no vestir do que pelo asseio; trata-se de questão de saúde, igualmente considerado como direito social pela CF, art. 6º.

Vale citar a tese construída por Luiz Edson Fachin, denominada “estrutura jurídica do patrimônio mínimo”. Por essa teoria, deve ser assegurada à pessoa o mínimo para a sua sobrevivência, caso do direito à moradia; e para o exercício desse direito é preciso garantir um mínimo de habitabilidade e conforto. Por estas razões, a constrição judicial sobre os móveis mesa e cadeiras da residência sofre óbice legal.

Portanto, dou provimento parcial ao recurso para desconstituir a penhora efetivada nos autos.

DO EXPOSTO, conheço do agravo de petição e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO PARCIAL para desconstituir a penhora efetivada nos autos.

ROVIRSO A. BOLDO

Juiz Relator

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