Responsabilidade trabalhista

Franquia empresarial não é terceirização de mão-de-obra

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18 de dezembro de 2005, 6h00

A franquia empresarial não é terceirização de mão-de-obra, por isso, a empresa não responde solidariamente pelos direitos trabalhistas dos empregados da franqueada. O entendimento unânime é da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

Um contratado da 2 Mil Post Office, empresa que explora uma franquia dos Correios, entrou com reclamação pedindo vínculo empregatício e verbas trabalhistas. Ele também pretendia que os Correios também respondessem à ação, por entender que o serviço prestado por ele favorecia tanto a franqueadora quanto a empresa que o contratara.

A 63ª Vara do Trabalho de São Paulo reconheceu o vínculo empregatício do trabalhador com a 2 Mil e condenou os Correios subsidiariamente na quitação dos direitos trabalhistas, sob o fundamento de que houve , na verdade, “intermediação de mão-de-obra”.

Os Correios, então, recorreram ao TRT-SP sustentando que apenas firmaram contrato de franquia com a 2 Mil, não se beneficiando do trabalho do empregado.

De acordo com a juíza do TRT, Jane Granzoto Torres da Silva, a terceirização “implica em responsabilidade do tomador de serviços pelos contratos de trabalho estabelecidos pela prestadora de serviços” que se beneficia da mão-de-obra do trabalhador. No entanto, no caso, não há locação de mão-de-obra, mas relação comercial firmada entre empresas “na forma estabelecida pela Lei 8.955/94, o que nem de longe se assemelha à intermediação de mão-de-obra disciplinada na jurisprudência”.

Para Jane, como a empresa dos Correios “não é a beneficiária dos serviços prestados pelos empregados contratados pela reclamada 2 Mil Post Office, mas somente se beneficia do resultado final da exploração de sua marca”, não deve haver responsabilidade dos Correios, “impondo-se a extinção do processo sem julgamento do mérito”.

Leia a íntegra da decisão:

PROCESSO Nº 01294200306302000 (20040519672)

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTES: EMPRESA BRASILEIRA CORREIOS E TELÉGRAFOS e 2 MIL POST OFFICE S/C LTDA

RECORRIDO: JOSÉ EDUARDO FERNANDES NUNES

ORIGEM: 63a VARA DO TRABALHO/SÃO PAULO

Ementa: Contrato de franquia empresarial. Não configuração de terceirização de mão de obra. O fenômeno jurídico da terceirização, calcado na intermediação de mão de obra, implica em responsabilidade do tomador de serviços pelos contratos de trabalho estabelecidos pela prestadora de serviços, em razão de ser o beneficiário final das tarefas realizadas pelos laboristas. Relação comercial firmada entre empresas – franquia empresarial -, na forma estabelecida pela Lei 8955/94, nem de longe se assemelha à intermediação de mão de obra.

Inconformada com a r. decisão de fls. 148/150, complementada a fl. 159, cujo relatório adoto e que julgou procedente em parte a ação, recorre ordinariamente a reclamada Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos às fls. 160/173, insurgindo-se contra a condenação subsidiária que lhe foi imposta, sustentando a inaplicabilidade do teor da Súmula 331, do C. TST, porquanto não ocorreu qualquer tipo de intermediação de mão de obra, mas apenas firmou com a reclamada 2 Mil Post Office S/C Ltda contrato de franquia. Ataca, ainda, a condenação em multas previstas no artigo 477, parágrafo 8o, da CLT e no artigo 22, da Lei 8036/90. Pede autorização para descontos fiscais e previdenciários no crédito do autor.

Também irresignada com a r. decisão de primeiro grau, recorre ordinariamente a reclamada 2 Mil Post Office S/C Ltda às fls. 192/210, preliminarmente argüindo a nulidade do julgado por negativa de prestação jurisdicional. No mérito, ataca o reconhecimento de vínculo empregatício com o reclamante, bem como a remuneração fixada e a condenação em verbas rescisórias, FGTS acrescido de multas, multa prevista no artigo 477, parágrafo 8o, da CLT e indenização correspondente ao seguro desemprego. Pede o afastamento da responsabilidade subsidiária da reclamada Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e a alteração dos critérios de cálculo do imposto de renda. Por fim, insurge-se contra a concessão da justiça gratuita ao autor.

Contra-razões apresentadas às fls. 181/189, 225/238 e 239/241.

Depósito recursal e custas processuais comprovados às fls. 174/175 e 211/213.

Fl. 244, parecer da D. Procuradoria Regional.

É o relatório.

VOTO

Conheço dos recursos interpostos, por presentes os pressupostos de admissibilidade, exceto quanto à insurgência da demandada 2 Mil Post Office S/C Ltda concernente à responsabilidade subsidiária da co-reclamada e à concessão da justiça gratuita ao autor, por ausência de lesividade.

Por tratar matéria de ordem prejudicial, analiso primeiramente o recurso ordinário da reclamada 2 Mil Post Office S/C Ltda.

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA 2 MIL POST OFFICE S/C LTDA


DA PRELIMINAR

A simples leitura da r. decisão hostilizada demonstra ter a MM. Vara de Origem enfrentado todas as questões objeto da litiscontestatio, não havendo o que se falar em negativa de prestação jurisdicional.

Com referência à remuneração fixada, a r. decisão atacada é clara e precisa, do mesmo modo podendo ser dito com referência aos critérios de cálculo do imposto de renda.

Cumpre ressaltar não estar o Juízo obrigado a tecer considerações sobre todos os argumentos lançados pelas partes, quando já tem convencimento firmado e fundamentado em apenas alguns deles. Frise-se, ainda, que a adoção de tese contrária ao interesse da parte, não tem o condão de macular o julgado.

Afasto, pois, a hipótese de violação ao contido no artigo 93, IX, da Constituição Federal e rejeito a preliminar argüida.

DO MÉRITO

Do vínculo empregatício

Tendo a recorrente admitido em defesa a prestação de serviços pelo autor, carreou para si o onus probandi (artigo 818, da CLT, c.c. artigo 333, II, do CPC), porquanto o trabalho subordinado, por ordinário, se presume, devendo a circunstância excepcional – autonomia – ser comprovada. Entretanto, de seu encargo não se desvencilhou a apelante, nos moldes escorreitamente decididos pela MM. Vara de Origem.

As testemunhas indicadas ao Juízo pela ré (fls. 143/144), apresentam declarações contraditórias quanto à periodicidade na prestação de serviços e, portanto, não se prestam ao fim colimado. Já a testemunha apresentada pelo reclamante (fl. 143), embora única, foi conclusiva ao corroborar as alegações da autoria, no sentido de que a prestação de serviços ocorreu de modo não eventual e mediante subordinação.

Diversamente do que pretende fazer crer a recorrente, a relação empregatícia reconhecida não deve ficar limitada ao período constante dos documentos acostados com a exordial, diante do já acima decidido, quanto à ausência de produção probatória efetiva por parte da mesma.

Mantenho.

Da remuneração

Inicialmente ressalto serem inócuas as considerações tecidas pela recorrente quanto ao patamar salarial apontado na exordial – R$ 2.500,00 – , na medida em que a MM. Vara de Origem expressamente afastou referido valor, entendendo a ausência de comprovação do mesmo.

No mais, o valor remuneratório fixado pelo Juízo a quo – R$ 0,52 por quilômetro rodado – está em consonância com o mencionado na defesa (fl. 39), sendo que a pretensão recursal em ver estabelecido o valor fixo de R$ 715,00 se mostra inovada nesta esfera recursal, não comportando conhecimento.

Por outro lado, o requerimento formulado pela recorrente, no sentido de ver abatido do valor remuneratório as despesas concernentes à manutenção e ao abastecimento do veículo utilizado pelo autor, não merece acolhida, eis que ao empregador pertence os riscos da atividade econômica (artigo 2o, da CLT), o qual não pode ser repassado ao empregado.

Igualmente mantenho.

Do aviso prévio, das férias, dos 13os salários e do FGTS

O apelo da ré merece pequeno provimento, no particular.

Com relação ao aviso prévio, às férias e às gratificações natalinas, vencidas e proporcionais, a condenação imposta pela MM. Vara de Origem é mero acessório do reconhecimento do vínculo empregatício, considerada a ausência de qualquer discussão sobre a ruptura do contrato por iniciativa da re, o que merece ser mantido.

No tocante ao FGTS acrescido da multa de 40%, também merece a condenação originária ser mantida, pelas mesmas razões já acima expostas. Contudo, a multa de 20% sobre depósitos do FGTS, prevista no artigo 22, da Lei 8036/90, tem caráter meramente administrativo, beneficiando apenas o Órgão Gestor e não revertendo ao empregado. Modifico, em parte.

Da indenização correspondente ao seguro-desemprego

Aqui também com razão a recorrente.

De fato, a ausência de entrega pelo empregador das guias para aquisição do seguro-desemprego ao empregado, enseja indenização correspondente. A medida encontra respaldo no artigo 159, do Código Civil de 1916, com correspondente no artigo 186, do Código Civil em vigor, já estando a questão sedimentada jurisprudencialmente por meio da Orientação Jurisprudencial 211, da SDI, do C. TST.

No entanto, a questão sub examem não abarca a situação em jurídica em comento. Trata-se de vínculo empregatício cuja existência somente foi reconhecida judicialmente, dirimindo controvérsia justificada acerca da natureza da relação jurídica mantida entre as partes, sendo certo que a ausência da entrega originária das guias para aquisição do seguro desemprego pelo reclamante não lhe acarretou qualquer prejuízo a ser reparado, porquanto o benefício será concedido mediante cópia da decisão final proferida no presente processo. Nesse sentido, a norma regulamentadora (Resolução do Condefat no. 252 de 04/10/2000) é clara:


“Art. 3º Terá direito a perceber o Seguro-Desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa, inclusive a indireta, que comprove:

– ter recebido salários consecutivos no período de seis meses imediatamente anteriores à data da dispensa, de uma ou mais pessoas jurídicas ou físicas equiparadas às jurídicas;

– ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física equiparada à jurídica durante, pelo menos, 06 (seis) meses nos últimos 36 (trinta e seis) meses que antecederam a data de dispensa que deu origem ao requerimento do Seguro-Desemprego;

– não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento de Benefícios da Previdência Social, excetuando o auxílio-acidente e a pensão por morte;

– não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.

….

Art. 4º A comprovação dos requisitos de que trata o artigo anterior deverá ser feita:

– pela apresentação da sentença judicial transitada em julgado, acórdão ou certidão judicial, onde conste os dados do trabalhador, da empresa e se o motivo da demissão foi sem justa causa ( grifei) ;…

Reformo.

Da multa prevista no artigo 477, parágrafo 8o, da CLT

A controvérsia estabelecida quanto à natureza da relação jurídica formada entre as partes, estabelecida penas judicialmente, afasta a incidência da hipótese prevista no artigo 477, parágrafo 8o, da CLT.

Modifico.

Do imposto de renda

Esta Relatora tem entendimento pessoal no sentido de que as contribuições fiscais devem ser integralmente suportadas pelo empregador, por não ter efetuado os respectivos descontos às épocas próprias (artigo 186, do Novo Código Civil). Entretanto, diante da impossibilidade de reformatio in pejus e, vencida que fui pelos meus pares, rendo-me ao entendimento majoritário desta C. Turma e, em consonância com as regras contidas na Súmula 368, do C. TST, autorizo as deduções fiscais no crédito do autor, com base no valor total do crédito, observadas as parcelas tributáveis, conforme estipulado pela legislação fiscal pertinente.

Reformo.

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS

A MM. Vara de Origem condenou a recorrente subsidiariamente na quitação dos direitos trabalhistas do autor, mediante o fundamento de que houve intermediação de mão de obra, com interferência direta da mesma, o que se mostra equivocado.

O fenômeno jurídico da terceirização, calcado na intermediação de mão de obra, implica em responsabilidade do tomador de serviços pelos contratos de trabalho estabelecidos pela prestadora de serviços, em razão de ser o beneficiário final das tarefas realizadas pelos laboristas, estando a matéria já sedimentada pelo entendimento jurisprudencial cristalizado na Súmula 331, do C. TST.

No entanto, a situação sub examem não aponta a figura jurídica da locação de mão de obra, mas sim, relação comercial firmada entre empresas – franquia empresarial -, na forma estabelecida pela Lei 8955/94, o que nem de longe se assemelha à intermediação de mão de obra aventada na exordial e disciplinada na jurisprudência.

Ao contrário da conclusão adotada pela MM. Vara de Origem, o fato de a recorrente estabelecer parâmetros quanto à execução dos serviços, isoladamente não caracteriza terceirização de mão de obra. A apelante – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – é empresa pública federal, criada pelo Decreto-Lei 509/69, vinculada ao Ministério das Comunicações, tendo como objetivo a prestação de serviços postais à população e nessa condição, por meio de instrumento legalmente estabelecido – franquia empresarial – cedeu à demandada 2 Mil Post Office S/C Ltda os direitos de exploração da atividade em comento. Assim, a supervisão, o estabelecimento de linhas básicas, tais como taxas e forma de realização de serviços, apenas visam a fiscalização quanto ao objeto central do contrato entabulado, de modo a resguardar a utilização da marca.

Destarte, a recorrente não é a beneficiária dos serviços prestados pelos empregados contratados pela reclamada 2 Mil Post Office S/C Ltda, mas somente se beneficia do resultado final da exploração de sua marca.

Reformo, pois, a r. decisão de origem, para afastar a responsabilidade da recorrente, impondo-se a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC, com referência à mesma.

Prejudicado o exame dos demais tópicos recursais.

Isto posto, conheço dos recursos interpostos e, no mérito DOU PROVIMENTO ao apelo da reclamada EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS, para decretar a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC, com referência à mesma. DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso da reclamada 2 MIL POST OFFICE S/C LTDA, para excluir da condenação as verbas de: multa de 20% sobre FGTS, indenização correspondente ao seguro desemprego e multa prevista no artigo 477, parágrafo 8o, da CLT, bem como para determinar a observância da Súmula 368, do C. TST, quanto aos recolhimentos fiscais. No mais, mantenho a r. decisão de primeiro grau em todos os seus termos, inclusive no tocante ao valor da condenação.

JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA

Juíza Relatora

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