Retrospectiva 2005

Direito empresarial consolida interrelação com economia

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12 de dezembro de 2005, 11h46

A revista Consultor Jurídico passa a publicar a partir desta segunda-feira (12/12) a Retrospectiva 2005, uma série de artigos de autoria de personalidades de real destaque nas diversas áreas de direito, analisando os fatos e as idéias mais importantes no ano que termina.

I — A nova lei falimentar

O ano de 2005 pode ser considerado marcante para o direito empresarial. Com efeito, neste ano acompanhamos a promulgação da Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005 e sua entrada em vigor no dia 10 de junho. A nova lei falimentar em curso é, sem dúvida, o grande marco do ano que se finda. Não somente pela importância da matéria falimentar, vital para a vida mercantil, mas, principalmente, por espelhar uma visão de interdisciplinaridade entre direito e economia. A lei dá concretude a princípios latentes como a preservação da empresa e sua função social.

O início de vigência do novo diploma tem sido marcado por uma ebulição de críticas e análises. Em razão da importância que tem a matéria, a discussão nos âmbitos profissional e acadêmico é saudável. A legislação enfrentou uma difícil equação para balancear todos os interesses envolvidos: empresas, empregados, fisco, devedores, credores, enfim, uma gama enorme de diferentes visões do fenômeno. A lei procurou dar ênfase ao já consagrado princípio da manutenção empresa, privilegiando seu sentido correto, isto é, visando garantir a continuidade da atividade empresarial com uma melhor equalização dos interesses de credores e do devedor no bojo do procedimento.

As novas regras não protegem o empresário em si, mas a atividade empresarial por meio do aproveitamento racional dos ativos. Isto é, tanto na recuperação judicial quanto na falência, buscou preservar os ativos da empresa para manter a vida útil econômica e social dos meios de produção. Isto é, se e a empresa apresentar uma operação com perspectiva de fluxo de caixa positivo, deve tentar a recuperação judicial, caso contrário, a falência é o caminho. A intenção é agilizar o processo de alienação dos ativos da empresa falida de modo a preservar seu valor, beneficiando o falido e os credores, e, por outro lado, mantendo sua utilidade econômica em prol da sociedade.

O primeiro semestre da nova lei trouxe casos que já podem ser considerados emblemáticos, como o pedido de recuperação judicial da Varig, da Vasp e da BomBril Holding. A postura do Judiciário, ao menos no Rio de Janeiro e em São Paulo, privilegiando a aplicação dos princípios contidos nos artigos 47 e 75 de modo a buscar manter a empresa viva, porém respeitando os credores é, ao nosso ver, salutar. O caso Varig, aliás, demonstra bem a nova relação jurídica em época de globalização, com intenso intercâmbio entre as justiças brasileira e americana.

Além das recuperações judiciais, o reflexo da nova legislação já pode ser sentido na diminuição brusca dos pedidos de falência, tanto por exigir um valor mínimo para o ajuizamento da ação, quanto por conter procedimentos que visam coibir o manejo da falência como meio de coação, como mero instrumento de cobrança.

Não obstante a nobreza de espírito e a notável evolução, devemos reconhecer, também, que a lei possui defeitos. Na recuperação judicial, alguns pontos merecem destaque. A suspensão das ações contra o devedor deveria ocorrer no momento do pedido e não do deferimento, sob pena de criar um intervalo perigoso de indefinição. A seu turno, a imprecisão do termo “unidade produtiva isolada” pode dar azo a problemas legais em relação à eventual sucessão na responsabilidade daquele que compra ativos da empresa sujeita à lei. Do ponto de vista fiscal, embora o equilíbrio seja necessário para evitar que a recuperação judicial seja tão benéfica ao devedor que incentive a sonegação, nos parece que o PLS 245 ora em votação é tímido demais, podendo inviabilizar a efetividade da lei.

Além da estréia do diploma de recuperação de empresas, alguns outros temas se destacaram em 2005 na seara jurídica empresarial e merecem ser lembrados.

II — O Direito bancário

No campo do direito bancário, notícias recentes informam a aceitação dos chamados títulos imobiliários — emitidos em decorrência de operações estruturadas no mercado imobiliário — criados ou aperfeiçoados pela Lei 10.931 de 2004. A boa circulação de alguns dos instrumentos constantes da legislação de incentivo ao desenvolvimento do crédito imobiliário mostra a importância de utilizar o direito de maneira a criar incentivos que resultem em resultados econômicos e sociais positivos. No caso concreto, espera-se que a utilização dos novos títulos crie uma nova opção de financiamento, aumentando a atividade do setor, gerando empregos e, quiçá, barateando o crédito.

III— O Direito antitruste

No campo regulatório, 2005 confirmou a tendência de avanço da aplicação do direito antitruste. O número de investigações por condutas ofensivas (em especial cartéis) aumentou, bem como as condenações, gerando já certa conscientização e preocupação institucional das empresas com os temas concorrenciais. Este fato impulsionou também um trabalho consultivo mais árduo por parte dos profissionais do direito. No campo das fusões, o CADE, sem adentrar o mérito técnico das decisões, atuou com rigor, de modo a fixar a importância do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência para o meio empresarial. Este fato é decorrência do progresso da atuação antitruste mundialmente e da maior interação entre os órgãos regulatórios de vários países.

O avanço antitruste gerou, também, uma auto-crítica do sistema, que culminou com o encaminhamento ao Congresso do projeto de lei que visa reformá-lo, corrigindo alguns defeitos sistêmicos, como a análise a posteriori dos atos de concentração, que passará a ser prévia. Também prevê um estreitamento das premissas de apresentação desses atos e uma reorganização estrutural do sistema com a internalização das funções da SDE no CADE por meio de uma diretoria geral. Espera-se que a racionalização traga eficiência e qualidade. No entanto, vale notar que, sem um pesado investimento em equipamento e pessoal, essas iniciativas podem restar inócuas.

IV — A arbitragem

A transferência da competência do STF para o STJ tem dado margem a uma nova jurisprudência, mais liberal no tocante ao reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras. Admitiu-se, por decisões recentes, a validade da cláusula compromissória quando convencionada com sociedade de economia mista, matéria relevante para atrair os investimentos estrangeiros. Finalmente, várias decisões sucessivas têm admitido que a cláusula compromissória pudesse ser aceita pelas partes tacitamente, independentemente de assinatura do contrato, seja em virtude de praxes comerciais existentes em determinados setores, seja em virtude do próprio comportamento das partes, que não contestaram a cláusula no decorrer do processo arbitral.

V — As PPPs

As parcerias público privadas, cuja legislação entrou em vigor em 2005, tendo sido publicada a respectiva lei (11.079) em 31 de dezembro de 2004, ainda não tiveram efeitos concretos, embora haja vários projetos federais e estaduais em discussão.

VI — Tendência

Como se vê, 2005 foi um ano de novidades e progressos no direito empresarial. E assim deverá ser 2006, pois como já destaquei em outra ocasião, o tempo do direito e da economia são diferentes, e o direito, especialmente o direito empresarial, deve estar em constante evolução para continuar esta eterna perseguição ao tempo econômico, sem descuidar da intocável preocupação ética que a ciência jurídica deve defender.

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