Segredo de Justiça

A regra geral é a publicidade dos autos, diz desembargadora

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29 de agosto de 2005, 17h30

A Constituição Federal, ao mesmo tempo que garante o interesse público e ressalta o direito da sociedade de ter informação sobre processos penais, também determina a inviolabilidade da intimidade de cada um. Recentemente, coube à 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região determinar onde fica o limite entre o interesse público e a intimidade pessoal. A questão foi discutida em mandado de segurança do empresário Henry Maksoud, proprietário do Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, pedindo segredo de Justiça em processo penal que ele responde por violação de direitos trabalhistas. O pedido foi negado.

No entendimento da desembargadora Suzana Camargo, relatora do mandado, o que prevalece, como regra geral, é o princípio da publicidade dos autos. Só cabe sigilo em processos que invadam a intimidade das partes, conforme estabelecido em lei.

Ela se baseia no artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal, que determina que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Em seu voto, Suzana enumera os casos em que caberia essa restrição aos autos. Pelo artigo 93, inciso IX, da CF, a publicidade só pode ser limitada às partes se for para preservar a intimidade dos interessados e se esse sigilo não prejudicar o interesse público à informação.

Suzana entende que, como intimidade, cabe tudo que diz respeito à esfera privada das pessoas: vida doméstica, segredos pessoais e profissionais, relações familiares e afetivas, conhecimento acerca de suas contas bancárias e suas declarações fiscais. Da mesma forma, estabelece o artigo 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação”.

A desembargadora ainda citou artigos do Código de Processo Penal e do Código de Processo Civil que tratam do assunto. O parágrafo 1º, do artigo 792, do CPP, afirma que só cabe restringir a publicidade de audiências, sessões ou atos processuais se a sua publicidade “puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem”. Pelo 155, do CPC, só vale sigilo em casos que tratem de casamento, filiação, separação de cônjuges, divórcio, alimentos e guarda de menores. Quando não couber nenhuma dessas exceções, portanto, vale a regra geral, da publicidade dos autos.

Presunção da inocência

No seu mandado de segurança, Maksoud alegou que a divulgação pela imprensa do processo contra ele estaria prejudicando a sua honra e prestígio, até inviabilizando sua atividade empresarial. A divulgação, segundo ele, estaria levando a um julgamento antecipado pela mídia, o que viola o princípio da presunção de inocência.

Em seu voto, a relatora ressaltou que o processo penal, por si só, traz o peso da infâmia para o acusado e até para a vítima, assim como o processo investigatório, que leva “quase que automaticamente” à violação da vida privada. Tudo isso, segundo ela, é intensificado pela superexposição da mídia. “É por isso que uma denúncia criminal somente pode ser recebida e, por conseguinte, instaurada uma ação penal, se presentes a prova da materialidade e indícios de autoria, porque de outra sorte, não estaria caracterizado o interesse público autorizador da imposição do status de acusado a uma pessoa”, escreve Suzana.

Para ela, o sigilo só pode ser decretado se for para assegurar o bom andamento das investigações, e não para impedir o livre exercício da imprensa. São necessárias, no entanto, na divulgação, cuidados para não tratar o acusado como culpado. “Não é demais exigir da imprensa o dever de respeito à pessoa do acusado, ao menos uma certa reserva quanto à divulgação de fatos e imagens que induziriam a uma pré-convicção de culpa, de forma a dar aos fatos expostos o caráter definitivo, antes da sentença transitada em julgado.”

Leia a íntegra do voto

PROC.: 2004.03.00.008540-9 MS 256719

ORIG. : 200361810088280/SP

IMPTE : HENRY MAKSOUD

ADV : MARCELO PIRES BETTAMIO

IMPDO : JUÍZO FEDERAL DA 6 VARA CRIMINAL SÃO PAULO SP

INTERES : Ministério Público Federal

RELATOR : DES.FED. SUZANA CAMARGO / PRIMEIRA SEÇÃO

R E L A T Ó R I O

A EXMA. SRA. DES. FEDERAL SUZANA CAMARGO :

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por Henry Maksoud, em face da decisão exarada pelo MM. Juiz Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo – SP, nos autos da ação penal nº 2003.61.81.008828-0, consubstanciada no indeferimento do pedido de decretação de segredo de justiça.

Alegou o impetrante que, perante o r. Juízo Impetrado, veio a ser denunciado pela Justiça Pública, como incurso no art. 203, caput, c.c. o art. 29 e 71, todos do Código Penal, bem como no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90.


Defendeu que o seu status dignitatis, sob o color da publicidade considerada distorcida estaria a lesionar de modo incomensurável a honra, o prestígio, de sorte a inviabilizar a sua atividade empresarial.

Por outro lado, asseverou que o devido processo legal, sob o prisma do ordenamento jurídico supra-constitucional, não admite que a dignidade da pessoa humana venha a ser violada, considerando, ainda, a presunção de inocência e a honra do jurisdicionado como direitos fundamentais, pelo que a ausência de restrição da publicidade dos atos processuais importará em julgamento antecipado pela mídia, sem que antes tenha havido regular condenação.

Ainda, sustentou que, com base na tutela constitucional dos direitos personalíssimos do cidadão, apresenta-se inadmissível que um empresário de reputação ilibada seja chamado de fraudador de direitos trabalhistas pela mídia e pelo Ministério Público Federal, ainda mais porque tais fatos surtem efeitos inclusive sobre a sua família, nome, estado psíquico, caracterizando violação à intimidade do cidadão.

A final, requereu a concessão de liminar, visto entender estarem presentes os requisitos para a sua concessão, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris.

Às fls. 41/42, a medida liminar pleiteada veio a ser deferida.

Regularmente notificada, a ilustre autoridade impetrada prestou informações às fls. 48/49, onde destaca que foi instaurada ação penal, tendo sido os réus denunciados como incursos nas sanções do artigo 203, caput, combinado com o artigo 29, 51 vezes, na forma do artigo 71, todos do Código Penal, entre eles o impetrante, além de que também lhe foi imputada a prática do delito tipificado no artigo 1o, I, da Lei n. 8.137/90, porque, no exercício da função de administrador da empresa H.M. Hotéis e Turismo S. A., nos dias 09, 10 e 13 de janeiro de 2003, mediante meio fraudulento, frustrou direito assegurado pela legislação trabalhista e, ainda, suprimiu a contribuição social instituída pela Lei Complementar n. 110/2001, no valor de R$27.525,09, tendo a denúncia sido recebida e indeferido o pedido da defesa para que fosse decretada a restrição de acesso aos autos, nos termos da manifestação da Procuradora da República, que entendeu estar ausente o interesse público neste particular.

O Ministério Público Federal, por sua ilustre Procuradora da República, Dra. Ana Lúcia Amaral, manifestou-se pela denegação da ordem, ao argumento de não haver ofensa ao disposto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, considerando que o impetrante responde a processo que tem regular tramitação, assegurada a ampla defesa, sendo que somente será considerado culpado após o trânsito em julgado, pelo que preservada está a sua dignidade.

Por outro lado, destaca que a proteção à intimidade inscrita no art. 5º, X, da Constituição Federal, como qualquer outra liberdade pública, não tem caráter absoluto e deve ceder à necessidade de proteção do interesse público e social (fls. 169/172).

É o relatório.

DES. FEDERAL SUZANA CAMARGO

RELATORA

PROC. : 2004.03.00.008540-9 MS 256719

ORIG. : 200361810088280/SP

IMPTE : HENRY MAKSOUD

ADV : MARCELO PIRES BETTAMIO

IMPDO : JUÍZO FEDERAL DA 6 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP

INTERES : Ministério Público Federal

RELATOR : DES.FED. SUZANA CAMARGO / PRIMEIRA SEÇÃO

V O T O

A EXMA. SRA. DES. FEDERAL SUZANA CAMARGO :

Trata-se de mandado de segurança impetrado com a finalidade de ser resguardado o sigilo dos autos da ação penal a que responde o impetrante perante o r. Juízo da 6a Vara, sob o argumento de que o livre acesso aos atos processuais levados a efeito, bem como a sua divulgação, representam ofensa à intimidade e privacidade do impetrante, além de importarem em violação ao princípio da presunção de inocência, trazendo-lhe, ademais, inúmeros prejuízos à honra e à sua atividade empresarial.

É inegável que o processo penal, por si só, tem o peso da infâmia para aquele que o sofre e, ainda, para a própria vítima. Por outro lado, o Estado na persecução dos fins punitivos exerce a atividade investigatória que leva quase automaticamente a uma violação da vida privada do indivíduo. A superexposição do processo pela mídia é fermento para essas duas circunstâncias: acrescenta ainda mais infâmia ao fato e torna a invasão da vida privada ainda mais profunda. Só por isso leva a necessidade de profundas reflexões, consoante destaca Flávia Rahal, in Publicidade no processo penal : a mídia e o processo, RBCCrim 47 – 2004, p. 274). Criminal.

É por isto que uma denúncia criminal somente pode ser recebida e, por conseguinte, instaurada uma ação penal, se presentes a prova da materialidade e indícios de autoria, pois, de outra sorte, não estaria caracterizado o interesse público autorizador da imposição do status de acusado a uma pessoa.

O interesse estatal de realizar a persecução penal desenvolve-se em várias esferas, sendo ditado, primacialmente, pela finalidade de restabelecer a ordem social, razão pela qual o processo criminal, além de visar apurar a responsabilidade penal do autor de eventual ilícito, com a imposição da conseqüente sanção quando evidenciada a culpabilidade do agente, por outro lado, tem por escopo apresentar uma resposta à sociedade, de molde a prevenir futuras infrações penais.

É o que destaca Fernando da Costa Tourinho Filho, ao aduzir que “tal direito à persecução penal (investigar o fato infringente da norma e pedir o julgamento da pretensão punitiva) é, como diz Manzini, uma obrigação funcional do Estado para lograr um dos fins essenciais para os quais o próprio Estado foi constituído (segurança e reintegração da ordem jurídica).” ( in Processo Penal, Saraiva, São Paulo, ed. 1984, vol. I, p. 15).

Ora, como o processo penal desenvolve-se em razão da presença de um interesse público violado pelo crime, pois ninguém desconhece que a prática de infrações penais transtorna a ordem pública, sendo a sociedade a principal vítima, tem-se que o conhecimento a respeito da instauração da ação penal não pode, em princípio, ficar restrito somente às partes envolvidas, mas deve alcançar a comunidade.

É por isso que vigora em nosso ordenamento jurídico, o princípio da publicidade dos atos processuais, sendo que, como assevera Fernando da Costa Tourinho Filho,

“Tal princípio é próprio do processo de tipo acusatório. Explica Eberhard Schmidt que a significação da justiça penal é tão grande, o interesse da comunidade no seu manejo e em seu espírito é tão importante, a situação da justiça, na totalidade da vida pública, é tão problemática, que seria simplesmente impossível eliminar a publicidade dos debates judiciais. E arremata: se isto ocorresse, só poderia significar o temor da justiça à crítica do povo, e a chamada “crise de confiança” na justiça seria algo permanente ( Derecho, cit., p. 102).”

E mais, realça esse mesmo autor que:

“Beling fala em “publicidade popular” e “ publicidade para as partes” (cf. Derecho, cit., p. 27). Quando ocorre a publicidade popular ou geral, como a chama Pontes de Miranda, ou plena, como quer Frederico Marques, os atos estão ao alcance do público em geral. Diz-se “publicidade para as partes”, ou restrita, como quer Frederico Marques, ou especial, como a denomina Pontes de Miranda, ou mediata diz Asenjo, quando um número reduzido de pessoas pode estar presente: os sujeitos da relação processual e, às vezes, os sujeitos da relação “jurídico-material”.

É certo que a publicidade absoluta ou geral acarreta, às vezes, quer no Processo Penal, que no Civil, inconvenientes de toda ordem. Pontes de Miranda aponta o sensacionalismo, forte impressão no público, desprestígio do réu. Há outros ainda. Por isso, os evitáveis e desnecessários prejuízos que resulta do princípio da publicidade geral são conjurados por limitações impostas pelas legislações. Aí, como pondera Pontes de Miranda, a técnica legislativa encontra problema a que tem de dar solução e o faz segundo sugestões da experiência e dos costumes políticos.

No Direito pátrio vigora o princípio da publicidade absoluta, como regra. As audiências, as sessões e a realização de outros atos processuais são franqueadas ao público em geral. Qualquer pessoa pode ir ao Fórum, sede do juízo, assistir à audição de testemunhas, interrogatório do réu, aos debates.” (ob. cit., p. 46)

E é efetivamente o que se registra, pois a Constituição Federal, em seu artigo 5O, inciso LX, consagra o postulado de que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

Por outro lado, a mesma Carta Magna estabelece, ainda, a publicidade dos atos processuais, em seu artigo 93, inciso IX, quando assegura que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.”

E, ainda, impende assinalar que a Constituição Federal protege o direito à privacidade, nos moldes elencados no art. 5º, X : “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Na situação em exame, considerando que, num primeiro momento, o apontado processo-crime, ainda em andamento, estaria a exigir o resguardo das partes e eventual defesa da intimidade, com o bom desenvolvimento judicial do feito, a medida liminar pleiteada veio a ser deferida, enquanto a matéria acerca da publicidade ou não da ação penal pudesse ser melhor apreciada.

Ademais, como o impetrante também foi denunciado como incurso na Lei nº 8.137/90, a resultar, num exame prévio, na possibilidade de constar dos autos da respectiva ação penal eventuais documentos de natureza fiscal ou até mesmo bancária que justificasse o decreto do apontado sigilo, entendeu-se ser caso de deferimento da liminar, possibilitando, assim, que essa questão pudesse ser apreciada com maior segurança ao final, após, inclusive, oferecimento das informações, pelo que cabe, agora, o exame completo da questão.

Os argumentos invocados pelo impetrante para fazer valer o decreto de sigilo nos autos estão circunscritos, basicamente, à alegada violação ao seu direito constitucional de intimidade, assim como à suposta ofensa ao princípio do estado de inocência.

Entretanto, como já destacado, a regra geral é a da publicidade dos atos processuais, sendo que somente é de se admitir a restrição quando presentes razões autorizadoras, consistentes na violação da intimidade ou se o interesse público assim o determinar.

É evidente que a violação à intimidade, a autorizar a restrição da publicidade dos atos processuais, não pode decorrer simplesmente do conhecimento acerca da existência do processo criminal, até porque essa publicidade foi consagrada pelo legislador constituinte como necessária.

A violação à intimidade a redundar em necessidade da imposição do sigilo dos autos é aquela que afeta a esfera privada das pessoas, assim entendida como aquela que engloba sua vida doméstica, seus segredos pessoais e profissionais, suas relações familiares e afetivas, o conhecimento acerca de suas contas bancárias, suas declarações fiscais.

É que, como destaca José Afonso da Silva, a intimidade “integra a esfera íntima da pessoa, porque é repositório de segredos e particularidades do foro moral e íntimo do indivíduo.” (in Curso de Direito Constitucional Positivo, 9a ed., Malheiros, p. 190), ou como, conforme acentua René Ariel Dotti, a intimidade se caracteriza como “a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais, o que é semelhante ao conceito de Adriano de Cupis que define a intimidade (‘riservatezza’) como o modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento de outrem de quanto se refira à pessoa mesma”, (cf. Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação, São Paulo, RT, 1980, p. 69).

Ora, no caso em apreço, não se constatam tais violações, pois a mera existência do processo, bem como a sua divulgação, por si só, não geram ofensa à intimidade, especialmente porque, no bojo dos autos, não são tratadas questões que pudessem ser enquadradas na esfera da intimidade do impetrante, tal como conceituada pelos autores acima citados.

É que, como já foi acentuado, a denúncia imputa a prática de condutas expressas em frustrar, mediante fraude, direito assegurado pela legislação do trabalho, artigo 203 do Código Penal, e, ainda, a de omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, art. 1o, I, da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990.

Ademais, a denúncia, ao narrar as condutas, não faz menção a fatos que pudessem ingressar na seara da intimidade do impetrante.

Assim, tem-se que tomando em consideração os preceitos constitucionais citados, não se verifica a violação à intimidade que pudesse autorizar a decretação do sigilo dos autos.

Por outro lado, mesmo que se tome em consideração o Código de Processo Penal, em seu artigo 792 e parágrafo 1o, tem-se, também, que não estão presentes as hipóteses ali elencadas.

Ora, esse dispositivo, além de consagrar a publicidade dos atos processuais, estabeleceu que “se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público , determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.”

Entretanto, no caso em tela, o exame detido das provas pré-constituídas não revela a ocorrência de eventual divulgação distorcida ou mesmo leviana dos fatos, objeto da ação penal movida em face do ora impetrante, seja pela imprensa, seja pelo Ministério Público Federal, que pudessem caracterizar as hipóteses elencadas no precitado artigo 792, parágrafo 1o, do Código de Processo Penal.

É que, não resultou demonstrado que a divulgação pudesse gerar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, pois, conforme muito bem salientado pela ilustre Procuradora Regional da República, o impetrante responde a processo que tem regular tramitação, estando assegurada a ampla defesa, assim como preservada a sua dignidade. Ou seja, não há notícias da ocorrência de excessos, causados pela publicidade do processo-crime, de tal sorte a violar a intimidade, a privacidade e a dignidade do impetrante.

Da mesma forma, não se registram situações que pudessem caracterizar as hipóteses do artigo 155 do Código de Processo Civil, pois esse dispositivo, para a decretação do segredo de justiça, exige a presença de interesse público ou, então, a ocorrência de fatos que digam respeito a casamento, filiação, separação de cônjuges, conversão em divórcio, alimentos e guarda de menores, o que não ocorre na espécie.

Por outro lado, não é dado olvidar que o sigilo somente pode ser imposto de forma excepcional e, ainda assim, não como forma de impedir o livre exercício da imprensa ou o trabalho dos jornalistas, mas para assegurar o bom andamento das investigações, consoante acentua com propriedade Flávia Rahal (in ob. Cit., p. 281), senão, correríamos o risco de tornar a regra da publicidade, uma verdadeira exceção, situação essa que importaria em ampla violação da nossa Lei Maior.

É que a Constituição Federal assegura a liberdade de imprensa, o direito à livre informação, bem como o direito de expressão.

Assim é que, na situação em exame, não se vislumbra esteja a publicidade do processo-crime a que responde o impetrante a causar violação ao seu direito à intimidade, tal como consagrado na Constituição Federal e conceituado pelos doutrinadores ou mesmo definido na legislação infra- constitucional.

Ainda, por derradeiro, não há se falar, em ofensa ao princípio constitucional do estado de inocência, pois, um aspecto dos mais relevantes desse primado é o de vedar possa, sob qualquer forma, ser alçado o suspeito, o indiciado, ou acusado à condição de culpado, antes do trânsito em julgado de uma sentença condenatória. Nesse sentido é o escólio de Antônio Magalhães Gomes Filho, Presunção de Inocência e Prisão Cautelar, Saraiva, São Paulo, 1991, p. 42.

Do princípio da presunção de inocência resultam, na realidade, duas vertentes, as implicações no âmbito da prova e como regra de tratamento do investigado ou acusado. Assim, não é demais exigir da imprensa o dever de respeito à pessoa do acusado, ao menos uma certa reserva quanto à divulgação de fatos, imagens, que induziriam a uma pré-convicção de culpa, de forma a dar aos fatos expostos o caráter de definitividade, antes da sentença transitada em julgado. (Cf. Vieira, Ana Lúcia Menezes, in Processo Penal e Mídia, RT, São Paulo, 2003., p. 173 e ss).

Entretanto, como tem acentuado a doutrina, o princípio da presunção de inocência, como norma basilar do processo penal, não exclui a liberdade de informar dos meios de comunicação, mas exige destes a adoção de cautelas e reserva na divulgação dos atos judiciais.

Entretanto, no caso em tela, conforme já mencionado não há notícias da ocorrência de excessos por parte da imprensa, que leve a considerar o impetrante culpado, antes de eventual decisão condenatória definitiva, sendo que nem mesmo o documento de fls 29 dos autos revela tal circunstância, pois o título da matéria ali trazida está assim redigido: “Maksoud é denunciado por fraudar direitos trabalhistas”.

Vê-se, destarte, que a notícia indica somente a existência de denúncia em relação ao impetrante, não revelando julgamento antecipado de condenação, a denotar, portanto, também sob esse ângulo, que o caso em tela não se subsume a nenhuma das hipóteses justificadoras do segredo de justiça.

A servir de paradigma está o trecho do seguinte julgado, a saber :

“NÃO SE TRATA, O PRESENTE CASO, DE SITUAÇÃO QUE SE ENQUADRE COMO HIPÓTESE DE TRAMITAÇÃO SIGILOSA. ESSA FORMA DE PROCESSAMENTO SE JUSTIFICARIA EM TENDO SIDO COLIGIDAS – NÃO O FORAM, DIGA-SE DE PRONTO – AOS AUTOS AS INFORMAÇÕES CUJO ACESSO FOI DEFERIDO À CPI ESTADUAL, A SABER, NOS TERMOS DA LIMINAR GUERREADA, “OS REGISTROS DE MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA PERTINENTES ÀS PESSOAS, EMPREENDIMENTOS PRIVADOS E AOS FATOS OBJETO DA INVESTIGAÇÃO EM CURSO DIANTE DA CPI DOS COMBUSTÍVEIS”. NÃO HÁ QUALQUER ELEMENTO DOCUMENTAL, NO PRESENTE FEITO, QUE ESTEJA A EXIGIR A TRAMITAÇÃO RESERVADA, BEM COMO NÃO ESTÁ CARACTERIZADA QUALQUER DAS HIPÓTESES PREVISTAS NOS ARTS. 5º, LX, DA CF/88, E 155, DO CPC, PELO QUE NÃO ENCONTRA SUSTENTAÇÃO O REGIME DE TRAMITAÇÃO EM SEGREDO DE JUSTIÇA. NOTE-SE QUE O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO IMPÕE, COMO PRECEITO FUNDAMENTAL, INSERTO NA LEI MAIOR, A PUBLICIDADE DO PROCESSO, QUE APENAS ADMITIRÁ RESTRIÇÃO DESTINADA A SALVAGUARDAR O INTERESSE PÚBLICO OU A INTIMIDADE DAS PARTES.” (TRF 5ª Região, AMS 80286, Processo: 200083000092502 UF: PE, Rel. Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, Quarta Turma, DJ – Data:20/10/2003 – Página::435)

Por fim, impende assinalar que, a impressão inicial e que também levou ao deferimento da liminar, de que poderiam existir nos autos informações de natureza fiscal ou mesmo bancária, justificadoras do decreto de sigilo nos termos da Lei Complementar n. 105/1001, não restaram confirmadas, pelo que também por esse ângulo não encontra guarida a impetração.

Portanto, não sendo caso de aplicação da hipótese prevista no art. 5º, inc. LX, e art. 93, X, da Constituição Federal, nem tampouco daquelas normas infra-constitucionais que impõem o sigilo do processo-criminal, voto no sentido de denegar a segurança, cassando a medida liminar concedida.

É como voto.

DES. FEDERAL SUZANA CAMARGO

RELATORA

PROC. : 2004.03.00.008540-9 MS 256719

ORIG. : 200361810088280/SP

IMPTE : HENRY MAKSOUD

ADV : MARCELO PIRES BETTAMIO

IMPDO : JUÍZO FEDERAL DA 6 VARA CRIMINAL SÃO PAULO SP

INTERES : Ministério Público Federal

RELATOR : DES.FED. SUZANA CAMARGO / PRIMEIRA SEÇÃO

E M E N T A

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 5O, INCISOS X E LX, ARTIGO 93, INCISO IX. SIGILO DOS AUTOS. VIOLAÇÃO À INTIMIDADE. INOCORRÊNCIA. ARTIGO 792 E PARÁGRAFO 1º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ARTIGO 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. LEI COMPLEMENTAR N. 105/100. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO. OFENSA. INEXISTÊNCIA. SEGURANÇA DENEGADA.

1. Vigora em nosso ordenamento jurídico, o princípio da publicidade dos atos processuais, próprio do processo do tipo acusatório, pelo que o conhecimento a respeito da instauração da ação penal não pode, em princípio, ficar restrito somente às partes envolvidas, mas deve alcançar a comunidade.


2. A regra geral é a da publicidade dos atos processuais, somente sendo admitida a restrição quando presentes razões autorizadoras, consistentes na violação da intimidade ou se o interesse público assim o determinar. Constituição Federal, artigo 5O, incisos X e LX, artigo 93, inciso IX.

3. A violação à intimidade a redundar em necessidade da imposição do sigilo dos autos é aquela que afeta a esfera privada das pessoas, assim entendida como aquela que engloba sua vida doméstica, seus segredos pessoais e profissionais, suas relações familiares e afetivas, o conhecimento acerca de suas contas bancárias, suas declarações fiscais.

4. A mera existência do processo, bem como a sua divulgação, por si só, não gera ofensa à intimidade, especialmente porque, no bojo dos autos, não são tratadas questões que pudessem ser enquadradas na esfera da intimidade do impetrante.

5. Inocorrência das hipóteses elencadas no artigo 792 e parágrafo 1º do Código de Processo Penal, considerando que o exame detido das provas pré-constituídas não revela a ocorrência de eventual divulgação distorcida ou mesmo leviana dos fatos, objeto da ação penal, seja pela imprensa, seja pelo Ministério Público Federal.

6. Da mesma forma, não se registram situações que pudessem caracterizar as hipóteses do artigo 155 do Código de Processo Civil, pois esse dispositivo, para a decretação do segredo de justiça, exige a presença de interesse público ou, então, a ocorrência de fatos que digam respeito a casamento, filiação, separação de cônjuges, conversão em divórcio, alimentos e guarda de menores, o que não se verifica na espécie.

7. O sigilo não pode ser imposto como forma de impedir o livre exercício da imprensa ou o trabalho dos jornalistas, mas sim para assegurar o bom andamento das investigações, sob pena de tornar a regra da publicidade, uma verdadeira exceção, violadora da nossa Lei Maior, que assegura a liberdade de imprensa, o direito à livre informação, bem como o direito de expressão.

8. O princípio da presunção de inocência, como norma basilar do processo penal, não exclui a liberdade de informar dos meios de comunicação, mas exige destes a adoção de cautelas e reserva na divulgação dos atos judiciais.

9. Não havendo notícias da ocorrência de excessos por parte da imprensa, que leve a considerar o impetrante culpado, antes de eventual decisão condenatória definitiva, não há que se falar em ofensa ao apontado princípio.

10. Inexistência nos autos de informações de natureza fiscal ou mesmo bancária, justificadoras do decreto de sigilo nos termos da Lei Complementar n. 105/1001.

11. Inaplicabilidade da hipótese prevista no art. 5º, inc. LX, e art. 93, X, da Constituição Federal, tampouco das normas infra-constitucionais que impõem o sigilo do processo-criminal.

12. Segurança denegada.

A C Ó R D Ã O

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas.

Decide a Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a segurança, nos termos do relatório e voto da Sra. Des. Federal Relatora, constantes dos autos e na conformidade da ata de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Custas, como de lei.

São Paulo, 17 de agosto de 2005 (data do julgamento).

DES. FEDERAL SUZANA CAMARGO

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