Desvio de caixa

Investigação sobre conduta de trabalhador não causa dano moral

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24 de agosto de 2005, 10h51

Trabalhador que é investigado de forma discreta pela empresa, sob suspeita de cometer irregularidades, não tem direito a indenização por danos morais. O entendimento é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

A Turma negou indenização a uma ex-empregada da Concessionária Ecovias. Ela pretendia receber a reparação por ter descoberto, no curso de um processo, que foi demitida sob acusação de desviar dinheiro do caixa da empresa.

Para o relator da matéria, juiz Valdir Florindo, “freqüentemente, o abuso de direito tem sido invocado para justificar pretensões de reparação por dano moral. Entretanto, é evidente que o exercício regular de um direito, mesmo quando cause constrangimento ou dor psíquica a outrem, não serve de supedâneo à obrigação de indenizar”.

O juiz afirmou que “se o empregador age de forma cautelosa a fim de averiguar irregularidades no setor onde o empregado presta serviços, essa circunstância, por si só, não enseja indenização alguma”.

Para caracterizar o dano moral, no entendimento do relator da questão, era preciso haver “intenção, ao menos culposa, da empregadora, seja através de ação ou omissão, em divulgar e publicar os fatos que deram ensejo à rescisão contratual, ou que a ela foram precedentes, configurando evidente violação à intimidade, bem como à honra da reclamante”.

Trâmite

A trabalhadora conseguiu, na 3ª Vara do Trabalho de Cubatão, reverter sua demissão por justa causa, com pagamento de todas as verbas devidas. Durante a audiência, ela soube que foi demitida sob a acusação de desvio de dinheiro.

Entendendo que foi moralmente ofendida, a ex-empregada abriu processo contra a Ecovias na Vara Cível do município. Para ela, “de forma leviana”, a concessionária lhe atribuiu a prática de crime, “tornando público que se apropriou indevidamente de valores do caixa”.

A Vara Cível encaminhou o processo à 2ª Vara do Trabalho de Cubatão, por entender ser da Justiça do Trabalho a competência para julgar a matéria. A primeira instância trabalhista negou o pedido da trabalhadora.

A operadora de caixa recorreu ao TRT paulista. Insistiu que, “por ter sofrido abalos em sua personalidade e até hoje não ter conseguido nova colocação no mercado, faz jus a indenização por dano moral”.

O juiz Valdir Florindo, relator do Recurso Ordinário no tribunal, observou que, “o titular de um direito legalmente assegurado, pode utilizá-lo de acordo com a sua vontade e nos limites normativos”. A 6ª Turma, por unanimidade, acompanhou o voto do relator e negou o pedido de indenização.

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO N°: 00036.2004.252.02.01-3 6ª TURMA

AGRAVO DE INSTRUMENTO

AGRAVANTE: ELEUSA DOS SANTOS OLIVEIRA

AGRAVADA: CONCESSIONÁRIA ECOVIAS IMIGRANTES S/A

02ª VARA DO TRABALHO DE CUBATÃO

EMENTA:

ABUSO DE DIREITO – NÃO CONFIGURAÇÃO. REPARAÇÃO POR DANO MORAL INCABÍVEL.

Nos moldes preconizados pelo caput do artigo 188, do Código Civil Brasileiro de 2.002 e seu inciso I, ”não constituem atos ilícitos, os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”.

O titular de um direito legalmente assegurado, pode utilizá-lo de acordo com a sua vontade e nos limites normativos. Contudo, esta afirmativa deve ser vista com certa relatividade, posto que o Direito contém em si extremos de aplicabilidade que, uma vez ultrapassados, consubstanciam o uso irregular do direito, ou, como a doutrina também costumeiramente chama “abuso de direito”.

Freqüentemente, o abuso de direito tem sido invocado para justificar pretensões de reparação por dano moral. Entretanto, é evidente que o exercício regular de um direito, mesmo quando cause constrangimento ou dor psíquica a outrem, não serve de supedâneo à obrigação de indenizar, conforme dispõe o artigo suso mencionado da Lei Substantiva Civil de 1.916 em apreço (Qui iure suo utitur nemiem laedit). Foi exatamente o que ocorreu no caso sub judice.

Com efeito, se o empregador, como a ora recorrida, age de forma cautelosa a fim de averiguar irregularidades no setor onde o empregado presta serviços, essa circunstância, por si só, não enseja indenização alguma. A contrario sensu, se a recorrida, sem antes averiguar as circunstâncias, sem estar de posse de um detalhado conhecimento dos fatos e sem dispor de prova sólida, colocasse em dúvida a integridade da autora, restar-se-ia configurado o abuso excessivo de seu direito, o que o Ilustre Ministro Nelson Hungria chama de “atividade antijurídica”: “O exercício de um direito degenera em abuso, e torna-se atividade antijurídica, quando invade a órbita de gravitação de direito alheio”

RELATÓRIO

Da r. decisão que denegou seguimento ao recurso ordinário (fl. 214), a reclamante interpõe agravo de instrumento (fls. 02/09 dos autos em apartado), aduzindo ter direito à isenção do pagamento das custas processuais, requerendo seja conhecido e processado seu apelo. Já em seu recurso ordinário 214/228, postula seja reformada a decisão de origem, a fim de que a ré seja condenada ao pagamento de indenização por dano moral.

Contraminuta e contra-razões apresentadas às fls. 82/91 dos autos em apartado.

O Ministério Público do Trabalho teve vista dos autos.

É o relatório, em síntese.

V O T O

1. Agravo de Instrumento:

1.1 O Juízo de primeiro grau denegou seguimento ao apelo ordinário da reclamante, por deserto. Todavia, referido posicionamento não pode prevalecer.

O pedido de isenção do pagamento das custas processuais foi formulado pelo agravante desde a exordial (fl. 08) e reiterado dentro do prazo recursal (fl. 215), nos termos preconizados através da Orientação Jurisprudencial nº 269, da SDI –1 do C. TST, e atende aos requisitos previstos nas Leis nº 7.115/83 e nº 1.060/50, podendo o juiz a qualquer tempo deferí-lo, nos moldes do § 3º do artigo 790 da CLT, com a redação dada pela Lei nº 10.537/02, pelo que não há razão que impeça o conhecimento do apelo da reclamante. Outrossim, conforme se infere da declaração de pobreza juntada à fl. 09, a autora declarou não ter condições de arcar com o pagamento de custas e demais despesas processuais, sem prejuízo de seu sustento e de seus familiares. Pretende a prestação jurisdicional desta Justiça Especializada e não vejo como negá-la.

Face ao exposto, admito o agravo de instrumento da reclamante, e, no mérito, dou-lhe provimento, para destrancar o recurso ordinário, o qual passo a analisar.

2. Recurso Ordinário:

2.1 Dano moral:

Através da presente ação, interposta inicialmente perante a Vara Cível da Comarca de Cubatão, e remetida à Justiça do Trabalho em face da edição da Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.04, postula a empregada seja a reclamada condenada ao pagamento de indenização por danos morais.

Aduz que laborou na recorrida de 1º.10 a 25.11.03, como operadora de sistema operário, vindo a saber dos motivos que ensejaram sua dispensa apenas em audiência realizada perante essa MM Justiça Especializada em 02 de março de 2.004.

Conta que, de forma leviana, a ré lhe atribui a prática de crime, tornando público que a autora se apropriou indevidamente de valores do caixa, o que não restou evidenciado nos autos da reclamatória trabalhista, já que a justa causa foi convertida em dispensa imotivada.

Entende, por conseguinte, que por ter sofrido abalos em sua personalidade e até hoje não ter conseguido nova colocação no mercado, faz jus a indenização por dano moral. Contudo, não prospera sua pretensão.

Vejamos.

Nos moldes preconizados pelo caput do artigo 188, do Código Civil Brasileiro de 2.002 e seu inciso I, “não constituem atos ilícitos, os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”.

O titular de um direito legalmente assegurado, pode utilizá-lo de acordo com a sua vontade e nos limites normativos. Contudo, esta afirmativa deve ser vista com certa relatividade, posto que o Direito contém em si extremos de aplicabilidade que, uma vez ultrapassados, consubstanciam o uso irregular do direito, ou, como a doutrina também costumeiramente chama “abuso de direito”.

Freqüentemente, o abuso de direito tem sido invocado para justificar pretensões de reparação por dano moral. Entretanto, é evidente que o exercício regular de um direito, mesmo quando cause constrangimento ou dor psíquica a outrem, não serve de supedâneo à obrigação de indenizar, conforme dispõe o artigo suso mencionado da Lei Substantiva Civil de 1.916 em apreço (Qui iure suo utitur nemiem laedit).

Foi exatamente o que ocorreu no caso sub judice.

Com efeito, se o empregador, como a ora recorrida, age de forma cautelosa a fim de averiguar irregularidades no setor onde o empregado presta serviços, essa circunstância, por si só, não enseja indenização alguma. A contrario sensu, se a recorrida, sem antes averiguar as circunstâncias, sem estar de posse de um detalhado conhecimento dos fatos e sem dispor de prova sólida, colocasse em dúvida a integridade da autora, restar-se-ia configurado o abuso excessivo de seu direito, o que o Ilustre Ministro Nelson Hungria chama de “atividade antijurídica”: “O exercício de um direito degenera em abuso, e torna-se atividade antijurídica, quando invade a órbita de gravitação de direito alheio”.

In casu, conforme noticiado pela ré nos autos do Processo nº 01064200325302000 e não contestado pela ora recorrente, foi convocada uma sindicância interna especificamente para ‘Verificação da Diferença de Arrecadação’ da autora, conforme relatório anexo (DO/CAR-257/2003), datado de 29/10/2003 (doc. 004), onde se averiguou os Dados da Liquidação ‘Parte do Turno’ (soma dos valores dos fechamentos parciais e finais constatando-se eventuais divergências), e constatou-se discordâncias de liquidações finais entre o valor arrecadado e o valor liquidado para o banco” (fl. 19).

Ademais, para que fosse caracterizado o dano moral no caso em tela, era de mister importância a intenção, ao menos culposa, da empregadora, seja através de ação ou omissão, em divulgar e publicar os fatos que deram ensejo à rescisão contratual, ou que a ela foram precedentes, configurando evidente violação à intimidade, bem como à honra da reclamante. Contudo, ao contrário do que pretende fazer a recorrente, não restou evidenciado nos autos tenha a ré tornado público os fatos que deram ensejo à sua dispensa por justa causa, mormente porque em audiência realizada à fl. 111, ambos os litigantes dispensaram a realização de prova oral e concordaram com o encerramento da instrução processual.

Logo, não há falar em qualquer prática de ilícito por parte da ré que enseje sua condenação ao pagamento de indenização a título de dano moral, pois não configurada, na espécie, qualquer ofensa perpetrada pela divulgação de notícias difamatórias de iniciativa sua. Meras alegações, sem qualquer respaldo probante, não têm o condão de caracterizar a certeza do dano, que no caso dos autos, não pode ser indenizado.

E, como bem se posiciona o Saudoso Octavio Bueno Magano, no atinente ao tema, “a mera invocação de dispositivos configuradores da justa causa, mesmo quando esta não fique provada, não acarreta a obrigação de ressarcir danos morais. Só ficará por estes responsável o empregador que fizer a invocação de falta grave de modo abusivo, de modo a causar descrédito do trabalhador”

Assim, não havendo qualquer erro de conduta por parte da recorrida, que configure seu intuito em ofender a reputação da autora, inconsistente o pleito de reparação pecuniária postulado na peça exordial.

Nego provimento.

C O N C L U S Ã O

Diante do exposto, conheço do agravo de instrumento interposto e dou-lhe provimento para isentar a reclamante do pagamento das custas processuais, bem como para destrancar o recurso ordinário, o qual, no mérito, nego provimento para manter incólume a r. decisão de origem, nos termos da fundamentação.

É como voto.

VALDIR FLORINDO

Juiz Relator

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