Vínculo empregatício

Doméstica que trabalha dois dias por semana garante vínculo

Autor

5 de agosto de 2005, 13h43

Doméstica que trabalha só dois dias por semana é empregada. O entendimento é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), que manteve sentença de primeira instância reconhecendo o vínculo empregatício.

A doméstica entrou com processo na 44ª Vara do Trabalho de São Paulo. Ela pedia reconhecimento do vínculo e o pagamento de direitos trabalhistas, como férias acrescidas de um terço, 13º salário, registro na carteira de trabalho e recolhimento dos direitos previdenciários.

De acordo com a Lei 5.859/72, o empregado doméstico é “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas”.

A primeira instância condenou a ex-patroa. Ela recorreu sustentando que o fato de a doméstica trabalhar em sua casa, regularmente, duas vezes por semana, não é suficiente para configurar o vínculo empregatício. Para a empregadora, “a não eventualidade não pode ser confundida com a continuidade”.

O relator do Recurso Ordinário, juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, considerou que a versão apresentada pela defesa é incompatível com as provas do processo, “a par do dado insofismável de que os recibos de pagamento indicam pagamento mensal”.

De acordo com o relator, “a referência a serviços de natureza contínua, adotada pelo legislador ao esculpir o artigo 1º da Lei 5.859, de 11 de dezembro de 1972, diz respeito à projeção da relação no tempo, ou seja, ao caráter continuado do acordo de vontades”.

“Vale dizer que, mesmo se realizando a prestação laboral em dias alternados (não seqüenciais), porém certos, de acordo com o pactuado entre as partes, é de se reconhecer o vínculo da empregada doméstica que prestou serviços em residência familiar, mormente estando presentes os demais elementos tipificadores tais como a pessoalidade, onerosidade e subordinação”, observou o juiz.

A decisão foi unânime. Ainda cabe recurso.

RO 01552.2004.044.02.00-0

4ª. TURMA PROCESSO TRT/SP NO: 01552200404402000(20050381258)

RECURSO : ORDINÁRIO

RECORRENTE: LIZETE MARIA BISPO CAMPANHA

RECORRIDO: LUCIANA DA MATA SANTOS

ORIGEM: 44ª VT DE SÃO PAULO

EMENTA: DOMÉSTICA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. SERVIÇO DE NATUREZA CONTÍNUA E SERVIÇO DIÁRIO. DISTINÇÃO. Descontinuidade não se confunde com intermitência para os efeitos de incidência da legislação trabalhista. A referência a serviços de natureza contínua, adotada pelo legislador ao esculpir o artigo 1º da Lei 5.859, de 11 de dezembro de 1972, diz respeito à projeção da relação no tempo, ou seja, ao caráter continuado do acordo de vontades (tácito ou expresso), que lhe confere feição de permanência, em contraponto à idéia de eventualidade, que traz em si acepção oposta, de esporadicidade, do que é fortuito, episódico, ocasional, com manifesta carga de álea incompatível com o perfil do vínculo de emprego. Desse modo, enquanto elemento tipificador do contrato de emprego, a continuidade a que alude a legislação que regula o trabalho doméstico não pressupõe ativação diária ou ininterrupta e muito menos afasta a possibilidade de que em se tratando de prestação descontínua (não diária), mas sendo contínua a relação, torne-se possível o reconhecimento do liame empregatício. Vale dizer que mesmo se realizando a prestação laboral em dias alternados (não seqüenciais), porém certos, sem qualquer álea, de acordo com o pactuado entre as partes, é de se reconhecer o vínculo da empregada doméstica que prestou em residência familiar, mormente estando presentes os demais elementos tipificadores tais como a pessoalidade, onerosidade e subordinação. Inteligência do artigo 1º da Lei 5.859/72.

RITO SUMARÍSSIMO

Dispensado o relatório, por força do disposto no artigo 852, inciso I, da CLT, com redação dada pela Lei nº 9.957/2000.

V O T O

Conheço porque preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Trata-se de reclamação trabalhista em que se debate vínculo empregatício no âmbito doméstico.

Postula a recorrente a reforma da decisão de primeiro grau, que reconheceu a existência da relação de emprego, sustentando que a não eventualidade não pode ser confundida com a continuidade.

Incontroverso que a reclamante trabalhou para a recorrida dois dias por semana.

A posição da defesa, de reconhecer o trabalho prestado pela reclamante, mas atribuindo-lhe feição jurídica diversa, implicou alegação de fato desconstitutivo (modificativo/impeditivo) do direito vindicado na inicial, resultando endereçamento, à recorrida, do ônus de demonstrar o trabalho eventual e autônomo, sem os elementos da pessoalidade, continuidade e subordinação peculiares ao liame de emprego.

Desse modo, carreou para si o “onus probandi” (artigo 818, CLT, c/c artigo 333, inciso II, do CPC) no sentido de que a atividade laboral da reclamante no âmbito residencial era eventual, por não ser contínua, não comportando as características exigidas para reconhecimento do vínculo empregatício.

No tocante ao encargo de prova do empregador quando este, em face de pedido de vínculo alega fato impeditivo ao direito pretendido pelo reclamante, já se pronunciou esta Turma:

“Vínculo de Emprego. Ônus da prova. Reconhecida a prestação de serviços, mas negada a existência de vínculo de emprego, o ônus da prova é do empregador, por se tratar de fato impeditivo à aquisição do direito. ” Acórdão nº: 20020393983, Processo nº: 20010346494, 4ª Turma, Recorrente(s): João Batista Henrique do Nascimento, Recorrido(s): José Divino Ferreira Cruz Cabeleireiros, Data de julgamento: 11/06/2002, Juiz Relator: Sergio Winnik , Juiz Revisor: Paulo Augusto Câmara, Data de publicação: 21/06/2002.

Com efeito, é pacífico na jurisprudência, o entendimento de que admitido o fato do trabalho, é ônus do adversário provar a condição exceptiva alegada na defesa.

A relação de emprego configura-se de forma objetiva, pelo engate contratual – que pode ser tácito ou expresso – entre empregador e empregado.

Com efeito, dita relação independe da vontade ou interpretação negocial do prestador ou do credor dos serviços, mas do conjunto de atos-fatos por eles desenvolvidos em razão daquela prestação. Em suma, o vínculo emerge da realidade fática do desenvolvimento da atividade laborativa e não do nomen juris ou revestimento formal dado pelas partes à relação.

Considera-se empregador doméstico, a pessoa física que no âmbito residencial, contrate, assalarie e comande a prestação pessoal de serviços.

Incompatível assim, a versão da defesa, no cotejo com a realidade fática informada pela prova dos autos, a par do dado insofismável de que os recibos de pagamento indicam pagamento mensal (fls.56 e seguintes).

O relacionamento entre as partes revela o aspecto subjetivo (animus contrahendi), a pessoalidade (relação intuitu personae), aliado aos elementos da permanência, habitualidade e continuidade da relação envolvendo prestação de serviços em prol da reclamada.

Nem se avente o argumento da ausência do liame a pretexto de que em se tratando de trabalho doméstico, a prestação, por não ser diária, perderia a feição de continuidade, sendo este requisito essencial à configuração do vínculo. Com efeito, a questão sub judice não se submete a este sofisma vez que descontinuidade não se confunde com eventualidade ou intermitência para os efeitos de incidência da legislação trabalhista.

Outrossim, a referência a serviços de natureza contínua, adotada pelo legislador ao esculpir o artigo 1º da Lei 5.859, de 11 de dezembro de 1972, diz respeito à projeção da relação no tempo, ou seja, ao caráter continuado do acordo de vontades (tácito ou expresso), que lhe confere feição de permanência, em contraponto à idéia de eventualidade, que traz em si acepção oposta, de esporadicidade, do que é fortuito, episódico, ocasional, com manifesta carga de álea incompatível com o perfil da relação de emprego. Desse modo, enquanto elemento tipificador do contrato de emprego, a continuidade a que alude a legislação que regula o trabalho doméstico não pressupõe ativação diária ou ininterrupta e muito menos afasta a possibilidade de que sendo a prestação descontínua, porém, contínua a relação, torne-se possível o reconhecimento do liame empregatício. Vale dizer que mesmo se realizando a prestação laboral em dias alternados (não seqüenciais), porém certos, de acordo com o pactuado entre as partes, é de se reconhecer o vínculo da empregada doméstica que prestou serviços em residência familiar, mormente estando presentes os demais elementos tipificadores tais como a pessoalidade, onerosidade e subordinação.

Como bem ressalva Maurício Godinho Delgado, “(..) A eventualidade, para fins celetistas, não traduz intermitência; só o traduz para a teoria da descontinuidade – rejeitada, porém, pela CLT. Desse modo, se a prestação é descontínua, mas permanente, deixa de haver eventualidade. É que a jornada contratual pode ser inferior à jornada legal, inclusive no que concerne aos dias laborados na semana.”(in “Curso de Direito do Trabalho”, 2ª Edição, Ltr. 2003, pag. 295.)

Logo, andou bem a r.sentença de origem ao reconhecer o vínculo empregatício.

Mantenho.

Do exposto, conheço do recurso ordinário, e no mérito, NEGO PROVIMENTO ao apelo para manter integra a r.sentença de origem, tudo na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!