O problema da administração pública não é o nepotismo
19 de abril de 2005, 9h41
Todo estardalhaço dos últimos dias sobre nepotismo, isto é, a possibilidade legal de livre nomeação de parentes para o serviço público em cargos comissionados, é resultado, em realidade, de um falso problema.
Desde logo, não vejo problema algum, do ponto de vista ético ou jurídico, em indicar um parente para exercício de cargo de confiança. Exatamente porque, sendo de confiança, e não de desconfiança, é natural que o interessado prefira alguém que conheça bem e nele confie, confiança que freqüentemente recai sobre algum parente ou amigo, pai, mãe, sogra etc. Não é de estranhar, portanto, que, sem hipocrisia, o deputado Severino não tenha constrangimento algum em indicar seus filhos para atuar no serviço público.
Na verdade, o problema que de fato existe — e é isto que deveria ser posto em destaque — é a possibilidade de se indicar alguém para atuar no serviço público sem concurso, violando-se, aí sim, os princípios da moralidade, impessoalidade e legalidade que devem presidir a administração pública. Logo, o que realmente deveria ser combatido não é a prerrogativa legal de alguém nomear um seu parente para com ele atuar, mas a possibilidade de essa pessoa nomeada, amigo, parente ou não, ser alguém sem vínculo com a administração ou que nela tenha ingressado sem concurso público. Nenhum problema haveria, no entanto, se o deputado Severino, ou quem quer que seja, nomeasse para com ele servir quem, mediante ingresso por concurso público de provas e títulos, já fizesse parte da administração pública.
O verdadeiro problema não está em nomear um parente, amigo ou não, questão secundária, mas na circunstância de essa pessoa ser alguém estranho à administração ou que nela tenha ingresso sem concurso público. Por isso que, evidentemente, a solução de um tal problema não está em proibir, sem mais, a nomeação de parentes, mas em abolir os cargos de confiança ou, o que parece mais razoável, exigir-se que só poderão assumir tais cargos aqueles que já façam parte dos quadros da administração pública.
O problema não reside, enfim, na nomeação de parente, mas na forma e critérios dessa nomeação. Sinceramente, tenho que imoralidade alguma há em chamar um parente para com ele trabalhar no serviço público, desde que, obviamente, ele já faça parte da administração e nela tenha ingressado mediante concurso, conforme manda a Constituição Federal.
Tenho, assim, que nada há de mal na simples nomeação de parentes para o serviço público, até porque ninguém pode ser privilegiado ou prejudicado pelo só fato de ter relações de sangue ou afins com outrem, sob pena de violação do princípio da igualdade, uma vez que parentes, sejam quais forem, podem ser tão competentes ou tão incompetentes quanto os que não são parentes.
A questão fundamental é, então, fixar critérios compatíveis com os princípios da isonomia, moralidade e impessoalidade, que devem reger a administração, seja abolindo a figura dos cargos de confiança, seja exigindo que só possa assumir tais funções quem já faça parte dos quadros da administração pública, mediante concurso público, na forma da Constituição. Numa palavra: o problema dos “severinos” e “severininhos” exige um outro tipo de tratamento, mais adequado e racional.
Só a proibição do nepotismo não resolve problema algum e, sim, legitima discriminação injustificável. Não bastasse isso, se aprovada a proposta, é muito provável que se institucionalize prática já em curso consistente em burlar a lei por meio de “acordos” ou “parcerias” em que os impedidos de nomear permutam entre si os nomeáveis.
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