Destruir Duda Mendonça por conta de briga de galo é coisa de rinha
28 de outubro de 2004, 15h59
Na segunda-feira um dos filhos de Duda Mendonça, de 9 anos, não foi ao colégio. Seus amiguinhos brincaram: ele foi visitar o pai na cadeia.
Duda Mendonça é um dos maiores publicitários brasileiros, com quarenta anos de carreira, vitórias, derrotas e um tremendo astral. Sua contribuição aos costumes políticos, como a de toda a espécie dos marqueteiros, é um exercício de mistificação às vezes ególatra, quase sempre mitômana, mas isso não vem ao caso. Esse homem foi esmigalhado por causa de uma briga de galos. Foi mais uma vítima do chavão segundo o qual a polícia junta acusações de pouca monta e cobre um bolo de fubá com o creme da “formação de quadrilha”.
Acaba-se numa situação mais ou menos assim: Lee e sua mulher Marina, com Olga e Igor, armam um esquema para roubar sistematicamente toca-fitas no estacionamento da Dealey Plaza, em Dallas. Como são quatro e houve conluio, o delegado enche as bochechas e diz aos jornalistas que, entre outras acusações, eles responderão por “formação de quadrilha”.
Lee Oswald se separa de Marina, livra-se de Olga e Igor, compra um rifle, sobe ao sexto andar do depósito de livros que há na praça, dispara dois tiros e estoura a cabeça de John Kennedy, o presidente dos Estados Unidos. Podem acusá-lo de tudo, menos de formação de quadrilha.
Faltou pouco para que Duda Mendonça fosse exibido com algemas. Em muitos casos as algemas são exemplares, mas parece difícil sustentar a necessidade de amarrar o publicitário. Pela maneira que foi exposto enquanto esteve detido, não lhe foi dado o respeito concedido a Elias Maluco, que pediu à polícia: “Prende, mas não esculacha.”
Duda cometeu um crime federal e subiu no salto de seu altíssimo caderno de telefones ligando para o ministro da Justiça. Esculachá-lo foi um desrespeito. Quando os jornais e emissoras viram sua atenção atraída para o detalhe de que ele poderia dormir num presídio, algo acontecia de errado. Um cidadão com domicílio certo e atividade sabida deve dormir num presídio porque estava assistindo a uma briga de galos?
A linha que separa a divulgação da ação policial e o esculacho do cidadão pode ser tênue, mas quem a ultrapassa percebe o que faz. O andar de cima não vê nada de estranho quando um negro de comunidade pobre é obrigado a entrar agachado num fundo de viatura policial. Afinal, o esculacho do andar de baixo faz parte da rotina policial brasileira. É lastimável que se reclame do esculacho de Duda (como está acontecendo neste artigo), quando se convive com misérias muito piores. Se o que aconteceu a Duda servir para evitar que um negro pobre seja esculachado, os galos do Privê terão prestado um serviço aos bípedes de Pindorama.
São muitas as pessoas que tiveram um prazer especial ao ver o marqueteiro de Lula, Maluf, Marta Suplicy e Celso Pitta em cana. É compreensível, mas não é justo, sobretudo porque o picadeiro onde foi atirado Duda Mendonça continuará funcionando, à espera de novas vítimas.
A atividade profissional de Duda Mendonça já atraiu contra ele e sua empresa toda sorte de xeretagens. Passou por todas sem reprovação. Nunca o acusaram de má conduta em relação a coisa alguma. Mesmo no mundo de fantasia das marquetagens e de fuxicos do Palácio do Planalto, Duda Mendonça se mostrou como um profissional que não joga com a brutalidade do comissariado petista. Sem que houvesse justificativa para tanto ressentimento, esculacharam-no como se houvesse um sabor especial na sua desdita.
Astúcias políticas, exibicionismos, vaidades e voracidades profissionais são parte da vida, mas a destruição de uma personalidade pública por conta de uma briga de galo é coisa de rinha.
* Artigo publicado em O Globo
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!