Pela culatra

Jornal Nacional de Seguros é obrigado a publicar sentença

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23 de março de 2004, 19h39

Às vésperas da eleição para o comando do Sindicato dos Corretores de Seguros em São Paulo (Sincor-SP), a chapa 2 — liderada por Edson Lasse Fecher — levou um duro golpe da Justiça. O jornal de campanha encabeçado por Nelito Carvalho foi obrigado a publicar sentença judicial em que os principais ataques ao candidato da situação, Leoncio Arruda, foram desqualificados pelo juiz Marco Antonio Botto Muscari.

Ele julgou procedente a ação indenizatória movida por Leoncio Arruda, presidente da Federação Nacional dos Corretores de Seguros, Capitalização e Previdência Privada e do Sincor-SP contra a Editora Jornal Nacional de Seguros — que publica o Jornal Nacional de Seguros.

A Editora foi condenada a pagar R$ 75 mil (valor atualizado) para Leoncio Arruda e a publicar a íntegra da sentença numa das quatro primeiras páginas do Jornal Nacional de Seguros.

Nelito Carvalho e seus filhos, Manoel e Sérgio Carvalho, fundadores da EJNS, trabalhavam na edição do Jornal do Sindicato dos Corretores de Seguros de São Paulo. Ao assumir a presidência da entidade, Leoncio Arruda substituiu os três por apenas um jornalista. A partir desse momento, a ré passou publicou notícias ofensivas sobre Leoncio Arruda.

“A editora não se importou em divulgar expressões que seguramente sugeriam a prática de ilícitos por parte de Leoncio, antes mesmo de haver qualquer condenação judicial transitada em julgado” afirmou o juiz.

Leia a sentença já publicada no jornal:

Processo 56/97 03.08.98

Leôncio Arruda moveu ação indenizatória contra Editora Jornal Nacional de Seguro, alegando que: a) é presidente da Federação Nacional dos Corretores de Seguros, Capitalização e Previdência Privada, presidente licenciado do Sindicato dos Corretores de Seguros de São Paulo e sócio gerente da empresa Arruda Administradora e Corretora de Seguros: até maio/92, Nelito Carvalho e seus filhos (Manoel e Sérgio Carvalho) trabalhavam no Sindicato dos Corretores de Seguro de São Paulo, na edição do jornal da entidade; c) eleito presidente do Sincor/SP, os três foram substituídos por um único jornalista; d) a partir daí, Nelito e seus filhos criaram o Jornal Nacional de Seguros, tornando-se responsáveis pelo periódico editado pela ré; e) vem recebendo críticas infundadas desde que criado o Jornal Nacional de Seguros; f) nas edições 43, 44, 46, 40, 50 e 51 publicaram-se frases como “Será que endoidou?”, “Alvíssaras! Deu Leôncio no Estadão”, “Adolph Arruda no plenário? Nossa Mãe!!!”, “perícia apurou irregularidade praticada por Leôncio. Fenacor desiste da ação”, “Vai continuar sem explicação a estranha transação…”, “Não terá sido mais um crime passional?” etc; g) houve falsa imputação de ter promovido transação irregular da qual ter-se-ia beneficiado, caracterizando difamação e injúria praticadas com dolo; h) tem lugar indenização por danos morais, além de condenação da ré à publicação da sentença proferida neste feito.

Indeferida a petição inicial (fls. 31/32), Leôncio recorreu e o Colendo Tribunal de Justiça do Estado Anulou a sentença (fls.77/79)

Citada (fls.82), a Editora suscitou preliminares de litispendência e conexão. No mérito, a ré ponderou que: a) não ridicularizou o autor; b) houve mera blague ou ironia; c)simplesmente informou o público leitor, sem extrapolar o direito de crítica dos fatos; d) crítica é sempre incômoda, seja justa ou injusta; e) edita pequeno jornal; f) abuso certamente não existiu; g) a indenização que Leôncio pretende receber é indevida (fls. 84/91).

Colheu-se a réplica (fls.110).

Rejeitadas as preliminares (fls.112/113) frustrou-se a tentativa de conciliação (fls.114).

Inquiriam-se testemunhas (fls. 133/136/156/161 e 180/181).

Finda a instrução (fls. 187), autor e ré analisaram os elementos de convicção existentes nos autos, invocaram regras que entendam aplicáveis à espécie e insistiram nas teses e argumentos anteriormente expendidos (fls. 195/201 e 219/225).

Esse é o relatório.

Esta, a sentença

Decido. Procede a ação.

Leôncio é homem público e registra, em seu currículo, o exercício de presidência da Federação Nacional dos Corretores de Seguros, Capitalização e Previdência Privada e do Sindicato dos Corretores de Seguros de São Paulo.

Conforme dá conta a prova testemunhal, o autor tinha sonhos ainda maiores e foi obrigado a alterar seus projetos políticos, em virtude das matérias publicadas no Jornal que a ré edita (fls. 133,135/136 e 156).

Prova de irregularidades praticadas pelo autor (Leôncio) não há.

A despeito disso, a Editora Jornal Nacional de Seguros não se importou em divulgar expressões que seguramente sugeriam a prática de ilícitos por parte de Leôncio, antes mesmo de haver qualquer condenação judicial transitada em julgado.

Direito de informar é constitucional; sagrado até, para os que prezam a democracia e a liberdade. Não ampara, porém, aqueles que lhe tomam o nome para denegrir a imagem de quem, também por preconceito constitucional, se presume inocente.

A ré (o jornal) poderia tranqüilamente noticiar e existência de sindicância e de processo destinado a apurar os fatos. Jamais caberia, entretanto, transmitir ao leitor a nítida sensação de que irregularidades efetivamente havia.

Quem lê as diversas matérias que instruem a petição inicial verifica que existia mesmo intenção deliberada de ofender o autor e macular sua imagem junto à categoria que liderava, indo a Editora muito além do que seria necessário para bem informar os leitores do Jornal Nacional de Seguros.

Firmada a responsabilidade da ré, cumpre quantificar a verba devida a título de indenização.

A meu ver, a premissa para a fixação de critérios de quantificação da indenização por dano moral é o objetivo da verba, o seu escopo: satisfazer o lesado?; Punir o ofensor? Dissuadir lesante e sociedade de igual e novo atentado? Todas as hipóteses?

A respeito de tal premissa dissentem os autores.

Wilson Melo da Silva nega peremptoriamente o caráter sancionário da indenização (O Dano Moral e sua Reparação, Editora Forense, 1983, págs. 572 e segs.).

Teresa Ancona Lopez de Magalhães atribui à soma paga o título de satisfação um “lugar intermediário entre a indenização e a pena”. (O Dano Estético, Editora Revista dos Tribunais, pág. 75).

Apesar das autoridades daqueles que atribuam caráter sancionário à indenização por dano moral, ao menos de lege lata, não me convenço do acerto da tese.

A Constituição da república garante indenização por dano moral (art. 5º, incs. V e X).

Indenização quer exprimir toda compensação ou retribuição monetária feita por uma pessoa a outrem, para a reembolsar de despesas feitas ou ressarcir de perdas tidas. (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Editora Forense, 1989, vols I e II, págs. 452/453). Não objetiva punir o ofensor, muito menos enriquecer o lesado.

A exemplo do que sucede nos quadrantes do direito penal, também na seara civil é aplicável o brocado nula poena sine lege (cf. Wilson Melo da Silva, ob. Cit., pág.573).

Inexistindo lei que atribua caráter sancionário à reparação dos danos morais, não creio cabível a imposição de qualquer pena ao lesante.

Friso que a postura aqui assumida não está calcada no plano ideal (de lege ferenda, inclusive), mas sim no direito posto.

Enquanto não há previsão legal sobre o tema, prefiro negar o caráter punitivo e levar em conta: a) a gravidade do dano; b) as condições pessoais do lesado (idade, fortuna, higidez física e mental, contribuição para o evento, postura assumida ao longo da vida).

Recentemente, aliás, os Juízes de Tribunais de Alçada de todo o País concluíram: “A indenização por danos morais deve dar-se caráter exclusivamente compensatório” (IX ENTA, realizado em 29 e 30 de agosto de 1997, conclusão aprovada por maiorias – apud Notícias Forenses, setembro /97, pág. 24).

Atento Às peculiaridades do presente caso, verifico que R$30.000,00 são quantia suficiente para mitigar a dor sofrida por Leôncio, sem levar a pequena Editora à insolvência.

A publicação desta sentença no Jornal que a ré edita tem pleno cabimento e servirá também como forma de reparar o dano amargado pelo demandante.

Pelo exposto, julgo procedente a ação e condeno a Editora Jornal Nacional de Seguros ao pagamento de: a) R$ 30.000,00 (Trinta mil reais) corrigidos a partir dessa data, com juros (0,5% a.m.) contados da citação; b) custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 20% do valor global da condenação.

Tão logo haja trânsito em julgado, a ré deverá publicar esta sentença numa das quatro primeiras páginas da edição subseqüente do Jornal Nacional de Seguros.

São Paulo, 3 de agosto de 1998

Marco Antonio Botto Muscari, Juiz de Direito.

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