Briga federal

Fonteles pede ao Supremo inquérito contra CPI da Pirataria

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23 de março de 2004, 19h17

Os dirigentes da Camâra dos Deputados poderão responder pelo crime de desobediência ou prevaricação por terem desrespeitado ordem do Supremo Tribunal Federal. O fato se deu na última quinta-feira (18/3), quando o ministro Peluso determinou que a TV Câmara não transmitisse o depoimento de Law Kin Chong à CPI da Pirataria.

O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, requisitou ao STF a instauração de inquérito policial para investigar o descumprimento da liminar obtida por Kin Chong, na Corte, proibindo a divulgação de sua imagem.

Na ocasião, o presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP) justificou o descumprimento da liminar afirmando que a proibição referia-se à audiência agendada para as 10 horas da manhã, e não para às 14h30 como acabou acontecendo. O presidente do STF, ministro Maurício Correa, considerou “desagradável” o descumprimento.

O procurador-geral requer ao relator do STF que encaminhe os autos à Superintendência da Polícia Federal (PF), em Brasília, para que, no prazo de 30 dias, ouça o deputado Luís Antônio de Medeiros Neto (PL-SP), presidente da CPI, sobre o descumprimento da liminar e a situação de cárcere privado a que teria sido submetido Law Kin Chong na Câmara dos Deputados, enquanto aguardava para prestar seu depoimento.(veja íntegra abaixo)

O chinês e seu advogado Aldo Bonametti também deverão prestar esclarecimentos à PF sobre a denúncia de cárcere privado e constrangimento ilegal feita na petição. Fonteles argumenta que “é pilar assente e inextinguível do Estado Democrático de Direito que as decisões judiciais, enquanto não desfeitas na observância impostergável do devido processo legal, sejam observadas e cumpridas por todos.”

Segundo Fonteles, o fato de a maioria dos ministros do STF não terem referendado a liminar, fazendo cessar os seus efeitos, não elimina a constatação de que a ordem judicial foi descumprida. A decisão do plenário se deu após as 18 horas e o chinês foi ouvido à tarde, com a cobertura televisiva e fotográfica proibida pela liminar. (fonte assessoria de imprensa da Procuradoria Geral da República)

Leia a íntegra da requisição de Fonteles:

Processo PGR n.º 1.00.000.002217/2004-31

INTERESSADO: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

ASSUNTO: OF/Nº 914/04/STF – ENCAMINHA CÓPIA DE AUTOS

1. Aos 17 do mês em curso, Law Kin Chong ajuizou mandado de segurança com pedido liminar,

“(…) para DETERMINAR/ORDENAR ao Senhor Deputado Federal LUIS ANTONIO DE MEDEIROS NETO, digníssimo presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados – ‘CPI DA PIRATARIA’ que IMPOSSIBILITE/PROÍBA o acesso de CÂMERAS DE TV’s, particulares, concessionárias, públicas, incluisve da TV Câmara, TV Senado, GRAVADORES e MÁQUINAS FOTOGRÁFICAS, ou qualquer outro meio de gravação/transmissão, às dependências do recinto, onde se realizará a referida sessão parlamentar e serão ouvidos os impetrantes, bem como no caminho para o acesso ao mesmo, já que, naquele lugar, é formado verdadeiro corredor polonês, com a exposição dos eventuais depoentes na passagem, dando ciência da decisão a autoridade coatora no endereço da Praça dos Três Poderes, Câmara dos Deputados, Ed. Anexo II, Sala, 151-B, Cep. 70.160-900, Brasília – DF, ou onde se encontrar referida autoridade.” (fls. 13)

2. Reportando-se ao quanto decidido em precedente -MS nº 24.706 – o Exmo. Sr. Min. Relator, Cézar Peluso, concedeu a liminar para os fins propostos (fls. 24/26).

3. No mesmo dia segue a comunicação à autoridade impetrada, o Deputado Federal Luís Antônio de Medeiros Neto (fls. 28) que, no dia seguinte, ao Exmo. Sr. Min. Relator, e na companhia do Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, ajuíza pedido de reconsideração (fls. 30/36).

4. Nesse mesmo dia 18, despachou o Exmo. Sr. Min. Cézar Peluso, verbis:

“À mesa do plenário para urgentíssima apreciação da liminar, com cópia de todo o processo para os Exmos. Srs. Ministros”. (fls. 38)

5. Ainda nesse mesmo dia 18, Law Kin Chong, por seu advogado, peticionou ao Exmo. Sr. Min. Cézar Peluso, registrando, verbis:

“1. Em obediência à intimação recebida e, juntada em ambos os processos, o impetrante se encontra, desde às 10.00 horas, em uma sala da Câmara dos Deputados, fechada e guardada por seguranças, aguardando para prestar seu depoimento, após o cumprimento da liminar concedida nos autos do mandado de segurança.

2. A autoridade coatora, no entanto, desde aquele momento, está discutindo com seus pares o cumprimento da liminar, tendo decidido, a poucos instantes, ou seja, por volta das 13.45 horas, que dará início à sessão em que será colhido o depoimento do impetrante, sem o cumprimento da liminar.

3. Decidiu aquela autoridade que a liminar deferida por este Eminente Ministro não tem validade naquela casa. Mais do que isso, está tentando, sob pena de prisão, levar o impetrante ao plenário, com todas as câmeras, gravadores, máquinas e seus respectivos operadores a postos. Está, efetivamente descumprindo a liminar concedida, empregando, inclusive, força bruta para obrigar o impetrante a depor naquelas condições.

4. Sendo assim requer o impetrante, digne-se este Eminente Ministro em determinar seja a autoridade coatora notificada, por oficial de justiça, para que cumpra a liminar, sob pena de prática de crime de desobediência ou, conceda salvo-conduto ao impetrante, para que o mesmo possa deixar de comparecer a sessão designadda, já que não cumprida a liminar deferida, sem que esta ausência implique na prática de qualquer ilícito, tudo nos termos das medidas já impetradas.” (vide: fls. 40/41)

6. Na decisão colegiada, por maioria, o Colegiado não referendou a liminar (fls. 44).

7. Segue-se, aos 19, sexta-feira passada, despacho do Exmo. Sr. Min. Cézar Peluso, assim redigido, verbis:

“Diante do fato público e notório – aliás, amplamente divulgado pela imprensa em geral – do teórico descumprimento da ordem liminar, cuja eficácia, pode ver-se, não contnha nenhuma restrição capaz de ceder a escusa de redesignação de horário para início da sessão, extraiam-se cópias de todo o processo, encaminhando-se, mediante ofício protocolado, ao Exmo. Sr. Procuador-Geral da República, para a avaliação que mereça, até do noticiado na petição de fls. 40-41, em que o impetrante alega a ocorrência de fato cuja veracidade seria suscetível de qualificar delito de cárcere privado ou tipificado, doutro modo, por constrangimento ilegal.” (Fls. 45)

8. Considero os fatos assim expostos.

9. Certo é que o Exmo. Sr. Ministro Cézar Peluso concedeu pleito liminar que lhe fora requerido por Law Kin Chong, e determinou seu cumprimento ao Deputado Federal Luís Antônio de Medeiros Neto, Presidente da CPI da Pirataria.

10. Como é notório, o aludido parlamentar não cumpriu a liminar de que teve plena e adequada ciência, tanto que pugnou por sua reconsideração.

11. O não referendo da liminar, já concedida e dotada de eficácia plena, pela maioria dos Magistrados que compõem a Corte Suprema, fez cessar o efeito do já decidido monocraticamente, insisto, em momento ulterior ao descumprimento da ordem judicial, posto que a decisão plenária aconteceu após às 18.00 hs. do dia 18 próximo passado, e o impetrante fora ouvido no período vespertino, com a cobertura televisiva e fotográfica proibida.

12. Aqui e agora não cabe a discussão sobre o mérito da liminar, como decidida pelo Exmo. Sr. Ministro Cézar Peluso.

13. Aqui e agora há a clara constatação de que ordem judicial foi descumprida.

14. É pilar assente é inextinguível do Estado Democrático de Direito que as decisões judiciais, enquanto não desfeitas na observância impostergável do devido processo legal, sejam observadas e cumpridas por todos.

15. Fora daí, a prepotência e o arbítrio.

16. Tudo assim posto, decido por formalizar, neste procedimento, requisição de instauração de inquérito policial, que há de ter curso na Suprema Corte, desde já indicando ao Relator do feito o encaminhamento dos autos à Superintendência da Polícia Federal em Brasília para que, no prazo de 30 dias:

a) por convite, ouça o Deputado Federal Luís Antônio de Medeiros Neto a que, se o desejar, preste esclarecimentos sobre o descumprimento da ordem judicial recebida e a alegada situação de cárcere privado a que teria sido submetido Law Kin Chong;

b) seja inquirido Law Kin Chong sobre a alegada situação de cárcere privado;

c) seja inquirido o advogado Aldo Bonametti sobre a situação de cárcere privado articulada na sua petição de fls. 40.

Brasília, 23 de março de 2004 .

CLAUDIO FONTELES

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

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