Direito assegurado

Falta de comunicação prévia sobre gravidez não retira estabilidade

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1 de março de 2004, 17h33

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, reconheceu a estabilidade de uma empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. O ministro acatou agravo de instrumento ajuizado pela ex-empregada da Air Liquide do Brasil S/A. Ele entendeu que é desnecessária a comunicação prévia da gravidez ao empregador.

“O valor jurídico-social dessa inderrogável garantia de índole constitucional, que busca dar efetividade à proclamação constante do art. 6º da Lei Fundamental da República, teve a sua importância reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já deixou assentado, a propósito desse tema, que o acesso à estabilidade provisória depende da confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez da empregada, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao empregador, revelando-se írrita, de outro lado e sob tal aspecto, a exigência de notificação à empresa, mesmo quando pactuada em sede de negociação coletiva”, afirmou o ministro.

Leia a decisão de Celso de Mello

AGRAVO DE INSTRUMENTO 448.572-8 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

AGRAVANTE(S): DINORAH MOLON WENCESLAU BATISTA

ADVOGADO(A/S): RODOLFO ANDRÉ MOLON

AGRAVADO(A/S): AIR LIQUIDE DO BRASIL S/A

ADVOGADO(A/S): UBIRAJARA WANDERLEY LINS JUNIOR E OUTRO(A/S)

EMENTA: EMPREGADA GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (ADCT, ART. 10, II, “b” ). PROTEÇÃO À MATERNIDADE E AO NASCITURO. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO DO ESTADO DE GRAVIDEZ AO EMPREGADOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

– A empregada gestante tem direito subjetivo à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, “b“, do ADCT/88, bastando, para efeito de acesso a essa inderrogável garantia social de índole constitucional, a confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao empregador, revelando-se írrita, de outro lado e sob tal aspecto, a exigência de notificação à empresa, mesmo quando pactuada em sede de negociação coletiva. Precedentes.

DECISÃO: O legislador constituinte, consciente das responsabilidades assumidas pelo Estado brasileiro no plano internacional (Convenção OIT nº 103, de 1952, promulgada pelo Decreto nº 58.821/66, Artigo VI) e tendo presente a necessidade de dispensar efetiva proteção à maternidade e ao nascituro (FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA, “Comentários aos Enunciados do TST“, p. 614, 4ª ed., 1997, RT), veio a estabelecer, em favor da empregada gestante, expressiva garantia de caráter social, consistente na outorga, a essa trabalhadora, de estabilidade provisória, nos termos previstos no art. 10, II, “b“, do ADCT.

O valor jurídico-social dessa inderrogável garantia de índole constitucional, que busca dar efetividade à proclamação constante do art. 6º da Lei Fundamental da República, teve a sua importância reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já deixou assentado, a propósito desse tema, que o acesso à estabilidade provisória depende da confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez da empregada, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao empregador, revelando-se írrita, de outro lado e sob tal aspecto, a exigência de notificação à empresa, mesmo quando pactuada em sede de negociação coletiva, consoante esta Suprema Corte teve o ensejo de decidir:

“A empregada gestante tem direito subjetivo à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, “b”, do ADCT/88, bastando, para efeito de acesso a essa inderrogável garantia social de índole constitucional, a confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao empregador, revelando-se írrita, de outro lado e sob tal aspecto, a exigência de notificação à empresa, mesmo quando pactuada em sede de negociação coletiva. Precedentes.

(AI 392.303/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Esse entendimento acha-se consagrado em decisões proferidas por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal (RTJ 180/395, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 339.713-AgR/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, v.g.):

“O art. 10, II, ‘b’ do ADCT confere estabilidade provisória à obreira, exigindo para o seu implemento apenas a confirmação de sua condição de gestante, não havendo, portanto, de se falar em outros requisitos para o exercício desse direito, como a prévia comunicação da gravidez ao empregador.

Precedente da Primeira Turma desta Corte.

Recurso extraordinário não conhecido.”

(RE 259.318/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei)

“Estabilidade provisória decorrente da gravidez (C.F., art. 7º, I; ADCT, art. 10, II, b). Extinção do cargo, assegurando-se à ocupante, que detinha estabilidade provisória decorrente da gravidez, as vantagens financeiras pelo período constitucional da estabilidade.”

(RTJ 181/996, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – grifei)

A orientação jurisprudencial referida, por sua vez, tem sido observada em outras decisões emanadas de eminentes Juízes deste Supremo Tribunal (AI 315.965/DF, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RE 220.567/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), que reconhecem, no tema ora em análise, a responsabilidade objetiva do empregador, inerente aos riscos derivados da própria atividade empresarial, satisfazendo-se, esta Corte, por isso mesmo e para efeito de incidência da garantia constitucional da estabilidade provisória da gestante, com o mero estado de gravidez da trabalhadora, independentemente do prévio conhecimento desse fato pelo empregador.

Cabe mencionar, ainda, que essa percepção da ratio subjacente à cláusula constitucional asseguradora da estabilidade provisóriainstituída em favor da trabalhadora gestante reflete-se, por igual, no magistério da doutrina (EDUARDO GABRIEL SAAD, “Constituição e Direito do Trabalho“, p. 92, item n. 6.1, 2ª ed., 1989, LTr; NEI FREDERICO CANO MARTINS, “Estabilidade Provisória no Emprego“, p. 84-87, itens ns. 4.2.1, 4.3.1 e 4.3.3, 1995, LTr; ALICE MONTEIRO DE BARROS, “Proteção do Trabalho da Mulher e do Menor”, in “Curso de Direito do Trabalho“, p. 325-326, item n. 1.8.15, 2000, Forense; JOÃO CARLOS FRANCKINI, “Contrato de prova – Instrumento de fraude à legislação trabalhista, como forma de frustrar a estabilidade provisória da empregada gestante”, in Síntese Trabalhista, Ano VII – Março de 1996, nº 81/27-29; ZÉU PALMEIRA SOBRINHO, “A Estabilidade da Empregada Gestante”, in Síntese Trabalhista, Ano XII – Setembro de 2000, nº 135/35-40, 36; ARI PEDRO LORENZETTI, “Os Limites da Garantia de Emprego da Gestante”, in Revista do TRT/18ª Região, Ano 4 – Dezembro de 2001, nº 1/39-46).

O exame da presente causa evidencia que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária diverge da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na análise da matéria em referência.

Sendo assim, pelas razões expostas, conheço do presente agravo, para, desde logo, conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário (CPC, art. 544, § 4º), em ordem a reconhecer a estabilidade da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, independentemente do conhecimento dessa condição fisiológica por parte do empregador.

Publique-se.

Brasília, 27 de fevereiro de 2004.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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