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Concorrência desleal por parte de empregado dá justa causa

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16 de agosto de 2004, 19h20

O trabalhador que fizer negociação de produtos ou serviços por conta própria sem permissão do empregador, que resultem em concorrência à empresa para a qual trabalha ou prejuízos ao serviço, pode ser dispensado por justa causa. Com base neste entendimento, o Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário interposto por um vendedor de livros.

Segundo consta dos autos, ele foi dispensado porque, durante o período em que trabalhava para a Livraria Robi Livro Ltda, passou a fazer vendas paralelas de livros de outras editoras sem a autorização e conhecimento da empresa. Ao lado de outro empregado, montou um esquema de venda com objetivo de ingressar no mercado e chegou até a abrir uma empresa na Junta Comercial.

Em abril deste ano, o vendedor ingressou com reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho para reverter a dispensa por justa causa que lhe foi imposta pela livraria, onde trabalhou de novembro de 2002 até março de 2004.

Na ação, alegou que a dispensa, efetivada com fundamento na legislação trabalhista, por conta da comercialização paralela de livros, não podia ser aceita. Afirmou que as vendas paralelas só foram feitas nos últimos dias do seu contrato de trabalho e não de forma efetiva e habitual.

Além de questionar a justa causa, o trabalhador pleiteou o pagamento de aviso prévio, saldo de salários de fevereiro e março de 2004, que alega ter recebido a menos, seguro desemprego e FGTS, caso fosse aceita a reversão da justa causa.

Na sentença de primeira instância, o juiz da 4ª Vara do Trabalho de Campo Grande, Orlandi Guedes de Oliveira, entendeu que existiu a justa causa para a rescisão do contrato de trabalho. Para ele, ficou provado, pelas testemunhas ouvidas, que o reclamante desempenhava atividades paralelas de compra e venda de livros.

No entanto, ficou constatado que a empresa reclamada deixou de pagar a totalidade dos salários ao trabalhador, motivo pelo qual essa diferença salarial, bem como a dos recolhimentos previdenciários e do FGTS, foi deferida pelo juiz. Guedes de Oliveira condenou a empresa ao pagamento de férias vencidas e proporcionais, além de custas processuais, julgando parcialmente procedente os pedidos do reclamante.

Pretendendo ver sua dispensa por justa causa declarada como ilegal, o empregado recorreu da decisão de primeira instância. Reafirmou que a comercialização de livros aconteceu somente na última semana em que trabalhou.

De acordo com o relator do processo, juiz Márcio Vasques Thibau de Almeida, não há nada a ser reparado na decisão de primeira instância. Observou que ficou demonstrada a concorrência desleal, decorrente das vendas externas de livros sem autorização da empresa, o que caracteriza a quebra da confiança que deve existir na relação entre empregador e empregado.

“O empregado aproveitou-se da estrutura da ré e dos caminhos por ela abertos para lucrar com a venda externa, em trabalho concorrente com a empregadora e omitindo-lhe o fato”, disse.

Thibau observou, ainda, que a intenção do trabalhador não era a de fazer vendas isoladas, mas de solidificar-se no ramo de vendas de livro, tanto que, dias após a sua dispensa, abriu sua própria livraria.

“Cabe ressaltar que, com a concretização do empreendimento, o autor tão-somente formalizou a concorrência que vinha sendo praticada, de antiga data, contra a empregadora, e com início no curso do pacto de trabalho, já que ninguém se aventura a abrir uma empresa de um dia para o outro”, concluiu.

Leia a íntegra do voto

PROCESSO Nº00505/2004-004-24-00-0-ROPS.1

Relator: Juiz MARCIO VASQUES THIBAU DE ALMEIDA

Recorrente : P. R. P.

Advogado: Marcelo Barbosa Martins

Recorrido: ROBI LIVROS LTDA

Advogado: Oton José Nasser de Mello

Origem: 4ª Vara do Trabalho de Campo Grande – MS

FUNDAMENTOS DO VOTO

1 – CONHECIMENTO

Presentes os pressupostos legais, conheço do recurso ordinário interposto pelo reclamante (f. 44-45) e das contra-razões da reclamada (f. 47-50).

2 – MÉRITO

2.1 – JUSTA CAUSA – NEGOCIAÇÃO HABITUAL

Busca o autor (f. 45) a reversão da justa causa, aplicada com base na alínea “c” do art. 482 da CLT (negociação habitual).

Alega que não ficaram demonstradas a habitualidade e a concorrência efetiva, pois, segundo a testemunha obreira, a negociação ocorreu nos últimos dias do contrato, enquanto a testemunha patronal não soube informar em que período foi realizada.

Razão não lhe assiste, eis que demonstrada a concorrência desleal à empresa, com quebra da fidúcia. De acordo com as provas dos autos, durante o contrato de trabalho o autor passou a fazer vendas externas de livros sem a autorização da reclamada.

A testemunha do reclamante (f. 08-09) afirmou que sabe que isso ocorreu efetivamente apenas na última semana, palavras, contudo, que não desalentam à reclamada quanto à penalidade aplicada.

Infere-se que o autor, juntamente com outro empregado de nome Messias, engendrou um esquema de vendas de livro, inclusive com tentativa de imiscuir-se no mercado com editoras que não abasteciam a livraria da reclamada, o que demonstra que a intenção não era a de proceder a uma venda isolada, mas a de solidificar-se no ramo de vendas de livro, fomentando um mercado paralelo, o que, de fato, culminou na abertura da “Livraria Dom Quixote Ltda”, conforme certidão expedida pela Junta Comercial, às f. 15.

Cabe ressaltar que, com a concretização do empreendimento, o autor tão-somente formalizou a concorrência que vinha sendo praticada, de antiga data, contra a empregadora, e com início no curso do pacto de trabalho, já que ninguém se aventura a abrir uma empresa de um dia para o outro.

Fica patente, portanto, que foi no ínterim do vínculo empregatício que o reclamante iniciou a atividade paralela de vendas de livro, conforme admitido pela prova oral, aproveitando-se da estrutura da ré e dos caminhos por ela abertos para lucrar com a venda externa, em trabalho concorrente com a empregadora e omitindo-lhe o fato, o que gera falência na confiança que deve existir no contrato de trabalho e autoriza o despedimento por justa causa.

Pela ofensa à lealdade implícita ao contrato de trabalho, fica suprimido o direito do empregado às verbas rescisórias pleiteadas, uma vez ratificada a justa causa aplicada.

Nego provimento ao recurso.

Destarte, conheço do recurso e das contra-razões e, no mérito, nego-lhe provimento.

MARCIO VASQUES THIBAU DE ALMEIDA

Juiz Relator

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