Lente da verdade

Thomaz Bastos terá que explicar acusações de ex-chefe do FBI

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13 de abril de 2004, 18h41

Policiais Federais do Brasil “sentem-se inferiorizados e desmoralizados devido à dependência de verbas” do governo dos Estados Unidos. A afirmação é de Carlos Alberto Costa, que chefiou o FBI no Brasil. Ele prestou depoimento para o procurador Luiz Francisco de Souza Fernandes.

O depoimento vai servir de base para que o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e o ministro chefe da Abin, Jorge Félix sejam questionados no Senado, nesta quarta-feira (14/4), às 10h, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.

Costa afirma que até a Presidência da República estaria grampeada pelo governo dos Estados Unidos.

Thomaz Bastos, Paulo Lacerda e Félix também terão que explicar a informação de que o DEA (Drug Enforcement Administration), a agência anti-drogas dos EUA — teria contratado um agente brasileiro para matar o traficante Fernandinho Beira-Mar. Eles serão questionados, ainda, sobre a verba anual que o DEA repassa para a Polícia Federal.

O senador Eduardo Suplicy tomou depoimento, na terça-feira (6/4), de Maurício Vilela, o agente da DEA que teria sido contratado para envenenar Beira-Mar na cadeia. Por não ter concordado com a morte encomendada, ele teria sofrido um atentado, na zona norte de São Paulo.

Conheça a íntegra do depoimento de Carlos Costa ao procurador Luiz Francisco:

TERMO DE DEPOIMENTO, que presta o Sr. CARLOS ALBERTO COSTA,

cidadão norte-americano, casado, policial e diplomata acreditado no Brasil, portador da Cédula de Identidade de Estrangeiro n.º V380860-3, permanente, validade 28.01.2013. Aos trinta de março de 2004, nesta cidade de Brasília-DF, no edifício sede da Procuradoria da República no Distrito Federal, na SQS 604, onde se achava presente o Excelentíssimo Senhor Procurador da República, Doutor Luiz Francisco Fernandes de Souza, comigo Lúcia Maria de Jesus, Secretário Administrativo, Mat. 4615-9, escrivã “ad hoc”:

Que trabalhou no FBI, desde 1982, tendo chefiado esta instituição, no Brasil, entre 1999 e 2003; Que confirma o inteiro teor da entrevista publicada na revista “Carta Capital”, ao jornalista Bob Fernandes, na edição n. 283, de 24 de março de 2004, pois o jornalista foi fiel e exato, não há fantasias, e sim realidades na entrevista que concedeu; Que a entrevista está embasada nos anos de experiência e vivência profissional que o depoente tem;

Que a motivação da entrevista foi um ditame da ética e de sua consciência com respeito aos abusos cometidos contra cidadãos brasileiros (o fato de órgãos do governo dos EUA pagarem operações policiais e controlarem e influenciarem, assim, instituições policiais brasileiras), assim como também a inconstitucionalidade e a falta de respeito pelos direitos civis tanto nos EUA como no Brasil;

Que sua motivação foi jurídica e ética, sendo que não acredita que o contribuinte norte-americano, que é quem paga policiais e agentes públicos brasileiros, esteja a par destes fatos; Que por ter esposa e filho brasileiros há muito tempo sente-se incomodado pela consciência diante da situação em que o brasileiro não é tido como igual, sendo esta uma situação iníqua, pois não é correto que servidores brasileiros estejam subordinados indiretamente a autoridades de outros países;

Que a entrevista não foi concedida para atacar a polícia federal ou qualquer outra instituição brasileira, até pelo contrário, foi dada para ajudar e regularizar a cooperação entre governos, tendo em conta inclusive os bons laços de amizade que adquiriu com policiais brasileiros que se sentiam incomodados e ressentidos com a subordinação às autoridades norte-americanas;

Que a maior parte dos policiais brasileiros que conheceu são profissionais competentes e boas pessoas, no entanto, muitos deles sentem-se inferiorizados e desmoralizados devido à dependência de verbas, equipamentos e treinamentos que não recebiam do governo brasileiro, e sim de governos estrangeiros, constrangendo-os a uma situação de subordinados a estrangeiros dentro de seu próprio país;

Que uma das coisas que mais lhe incomodava era a facilidade com que seus colegas norte-americanos direcionavam recursos do contribuinte norte-americano, de forma quase informal, para a Polícia Federal do Brasil e outras instituições, como por exemplo a SENAD (Secretaria Nacional Anti-Drogas), o Programa de Proteção à Testemunhas do Ministério da Justiça e outras; Que o Programa de Proteção à Testemunhas não tinha sequer uma estrutura estatal e uma organização definida, sem uma definição objetiva para a adesão, continuidade ou retirada de pessoas do programa;

Que a sede da justiça em Tabatinga AM (fronteira com a cidade de Letícia) ou outra cidade próxima, foi paga com recursos norte-americanos e o depoente tem certeza que o contribuinte norte-americano desconhece estes gastos, tal como outros gastos do mesmo gênero; Que a revista “Carta Capital” elencou várias ações e gastos do governo norte-americano com a Polícia Federal e outros órgãos, ainda antes do depoente assumir suas funções diplomáticas e policiais no Brasil e que o depoente acha que o governo brasileiro já deveria investigado estes fatos, pois, a ser ver, comprometem a soberania nacional, mesmo que indiretamente;

Que os policiais ou outros servidores ligados à investigações alojados na Embaixada dos EUA conseguiam com muita facilidade qualquer informação dos registros (bancos de dados) da Polícia Federal (muitas vezes por simples telefonemas), da mesma forma, quando precisavam de assistência física (policiais da da Polícia Federal), isso era imediatamente concedido;

Que até mesmo o acesso físico dentro do edifício sede da Polícia Federal era bastante facilitado, estacionando na garagem, usando o elevador privativo do Diretor etc; Que na operação de busca do foragido Shalom Weiss (condenado a 845 anos de prisão por fraudes financeiras nos EUA, tendo recebido a maior sentença judicial na história do País), o depoente escolheu pessoalmente os delegados da Polícia Federal de Brasília em quem confiava e que trabalharam em São Paulo, pelo período de três ou quatro meses, mais ou menos em 2002, sob às ordens do depoente (muitas vezes transmitidas pelo assistente do depoente) e tudo às custas do contribuinte norte-americano:

Que os pagamentos relativos a transportes, hospedagem, celulares, transportes aéreos (inclusive para a Áustria, onde o mesmo foi preso, em Viena), “diárias” e outros gastos foram pagos pelo FBI; Que na operação de busca e prisão de Shalom Weiss, não havia depósitos nas contas particulares dos delegados brasileiros e que tudo era pago com base na assinatura de recibos das despesas; Que a colaboração entre governos é salutar, mas o depoente considera que quando policiais brasileiros condicionam esta ajuda ao pagamento de gastos com recursos norte-americanos, para que somente com esta condição a operação seja realizada, neste caso, há subordinação da polícia brasileira e é uma situação imoral que permite abusos;

Que quando há situações em que a polícia brasileira pede ajuda e cooperação ao FBI (ou outras agências, como o DEA e várias outras), a assistência e a cooperação são gratuitas, sem que o FBI peça para que haja pagamentos por parte do governo brasileiro; Que nos EUA, se um agente do FBI ou de outra agência governamental receber quantias em suas contas particulares ou tiver suas contas operacionais pagas com recursos do governo de outro país, isso será considerado corrupção e certamente um constrangimento à soberania dos EUA;

Que nenhum agente policial do Brasil entra nos EUA sem a autorização prévia do Chefe do FBI (ou outras agências) no Brasil, cargo que o depoente ocupava; Que quando autorizada a entrada nos EUA de um policial brasileiro, o mesmo é acompanhado de perto, fiscalizado, para que não haja transgressão às leis dos EUA e o depoente sempre entendeu que este deveria ser o procedimento adotado pelas autoridades anfitriãs do Brasil, sendo esta uma questão de reciprocidade;

Que neste depoimento e na entrevista à revista “Carta Capital” nunca quis revelar segredos oficiais (e não revelou) ou citar nomes, mas sim dar ciência às sociedades, brasileira e norte-americana, de fatos que a maior parte dos contribuintes norte-americanos não sabem: que os recursos dos contribuintes dos EUA são usados de forma humilhante para um país amigo e aliado, como é o Brasil e que esta forma de política externa cada vez mais isola os EUA da comunidade internacional;

Que como cidadão norte-americano quis alertar o povo norte-americano e também o povo brasileiro de atos que considera irregulares, para que os cidadãos norte-americanos não sejam odiados e alienados do resto do mundo, como hoje em dia ocorre, infelizmente; Que, no exercício do cargo oficial, no Brasil, chegou a desobedecer ordens inconstitucionais, que feriam a Constituição dos EUA, os direitos civis, assim como as regras jurídicas da comunidade internacional e do Brasil; Que, por exemplo, recusou-se a monitorar (vasculhar, fazendo listas sobre os freqüentadores) mesquitas, líderes religiosos e membros da comunidade muçulmana, somente pela sua crença religiosa, ressaltando que esta ordem foi recebida alguns meses após o atentado às torres em Nova Iorque e a cidades dos EUA, em 11 de setembro de 2001; Que tanto a ordem que o depoente considera inconstitucional quanto à recusa do depoente foram escritos e arquivados no sistema do FBI;

Que embora existam acordos e convênios entre os EUA e o Brasil, renovados anualmente, o fato é que quando uma instituição depende financeiramente de um governo estrangeiro torna-se, direta ou indiretamente, vassala (serva) do governo que paga (“doador”); Que no vernáculo americano é comum usar-se a expressão “não há almoço grátis” (there is no free lunch!);

Que foi concretizado um acordo de cooperação mútua e legal, em sua gestão, facilitando o intercâmbio e a cooperação entre instituições policiais e judiciárias dos dois países, tornando desnecessária a presença permanente de policiais norte-americanos em território brasileiro, até mesmo porque isso fere o princípio da reciprocidade, pois estas práticas não ocorrem nos EUA (não há policiais brasileiros operando permanentemente nos EUA e muito menos pagando operações que devem ser custeadas pelo governo que representa o povo do território onde ocorrem as operações, pois a polícia de outro país não tem jurisdição fora de seu território, então não há necessidade de uma presença permanente e muito menos de subordinação, o correto é que haja cooperação;

Que os recursos oriundos do governo dos EUA “doados” para a polícia federal, por exemplo, são depositados em contas privadas de delegados e não em contas públicas de órgãos públicos, de instituições públicas; Que recursos do contribuinte norte-americano são também “doados” para outras instituições brasileiras de investigação; Que o atual procedimento, descrito neste depoimento, não é transparente, gerando desconfiança de todas as partes;

Que este depoimento está sendo dado também com fundamento na Lei de Proteção à Testemunha, ou seja, se o depoente, em seus atos no Brasil, infringiu alguma lei, por desconhecimento, e com perfeita boa fé, este depoimento lhe dá o direito subjetivo ao perdão, pois com este depoimento, o depoente busca auxiliar os povos norte-americano e brasileiro para que regularizem as operações de cooperação; Que nada mais disse e lhe foi perguntado, razão pela qual foi encerrado o presente termo de depoimento.

Sr. CARLOS ALBERTO COSTA

DR. LUIZ FRANCISCO FERNANDES DE SOUZA –

PROCURADOR DA REPÚBLICA

Lúcia Maria de Jesus – Testemunha

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