Sem direitos

Empresas não deixam funcionários filiarem-se a sindicatos

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8 de outubro de 2001, 18h42

Mais de noventa milhões de clientes vão semanalmente às lojas da Wal-Mart. Seus mais de novecentos empregados são proibidos de filiar-se a qualquer sindicato. Quando algum deles pensa em sindicalizar-se, passa a ser um desempregado a mais. A bem-sucedida empresa nega sem dissimulação um dos direitos humanos proclamados pela Organização das Nações Unidas: a liberdade de associação. Sam Walton, o fundador da Wal-Mart, recebeu em 1992 a Medalha da Liberdade, uma das mais altas condecorações dos Estados Unidos.

Um em cada quatro adultos norte-americanos, e nove em cada dez crianças, engolem no McDonald’s a comida de plástico que os engorda e os torna obesos.

Os trabalhadores da McDonald’s são tão desprezados como a comida que servem: cortados pela mesma máquina, eles também não têm direito de sindicalização.

Na Malásia, onde os sindicatos operários ainda existem e atuam, as empresas Intel, Motorola, Texas Instruments e Hewlett Packard conseguiram evitar essa doença. O governo da Malásia declarou “união livre”, livre de sindicatos o setor eletrônico. Também não tinham nenhuma possibilidade de sindicalizar-se as mais de cento e noventa operárias que morreram queimadas na Tailândia, em 1993, no galpão trancado por fora.

George Bush Jr. e Al Gore coincidiram, durante a campanha eleitoral do ano passado, na necessidade de seguir impondo ao mundo o modelo norte-americano de relações trabalhistas.

“Nosso estilo de trabalho”, como ambos o chamaram, é o que está marcando os passos da globalização que avança com botas de sete léguas e penetra até nas mais remotas terras do planeta.

A tecnologia que aboliu distâncias agora permite que um operário da Nike na Indonésia tenha que trabalhar 100 mil anos para ganhar o que ganha, em um ano, um executivo da Nike nos Estados Unidos, e que um operário da IBM nas Filipinas fabrique computadores que ele jamais poderá comprar. É a continuação da época colonial, em uma escala jamais conhecida.

Os pobres do mundo seguem cumprindo suas funções tradicionais: proporcionam braços baratos e produtos baratos, ainda que atualmente fabriquem bonecos, tênis, computadores ou instrumentos de alta tecnologia, além de produzir, como antes, arroz, café, açúcar e outras coisas malditas pelo mercado mundial.

Desde 1919 foram assinados 183 convênios internacionais que regulam as relações de trabalho em todo o mundo. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), desses 183 acordos, a França ratificou 115, a Noruega 106, a Alemanha 76 e os Estados Unidos…catorze. O país que encabeça o processo de globalização só obedece às suas próprias ordens.

Dessa maneira, garante suficiente impunidade para suas grandes corporações lançadas à caça de mão-de-obra barata e à conquista de territórios que as indústrias sujas podem contaminar ao bel-prazer. Paradoxalmente, esse país que não reconhece outra lei que a lei do trabalho fora da lei é o que agora diz que não haverá outra saída senão incluir “cláusulas sociais” e de “proteção ambiental” nos acordos de livre comércio. Quê seria da realidade sem a publicidade que a mascara?

Essas cláusulas são meros impostos que o vício paga à virtude com rótulo de relações públicas. Mas a simples menção dos direitos dos trabalhadores arrepiam os cabelos dos mais fervorosos advogados do salário de fome, da carga horária esticada ao máximo e da demissão livre. Desde que Ernesto Zedillo deixou a presidência do México, ele passou a integrar as direções da Union Pacific Corporation e do consórcio Procter & Gamble, que opera em 140 países.

Além disso, Zedillo chefia uma comissão das Nações Unidas e difunde seus pensamentos através da revista Forbes. Em idioma tecnocratês, se indigna contra a “imposição de acordos coletivos trabalhistas nos novos acordos comerciais”. Traduzindo: vamos jogar no lixo toda a legislação internacional que ainda protege os trabalhadores. O presidente aposentado cobra para pregar a escravidão. Porém, o principal executivo da General Motors diz mais claramente: “Para competir é necessário espremer os limões”.

Os fatos são fatos. Diante das denúncias e dos protestos, as empresas lavam as mãos: eu não fui. Na indústria pós-moderna, o trabalho já não está concentrado. Os terceirizados fazem 75% das partes dos automóveis da Toyota. De cada cinco operários da Volkswagen no Brasil, só um é empregado da empresa. Dos 81 operários da Petrobrás mortos em acidentes de trabalho nos últimos três anos, 66 estavam a serviço de empresas terceirizadas que não cumprem normas de segurança.

Através de 300 empresas terceirizadas a China produz a metade de todas as bonecas Barbie para as meninas do mundo. Na China, sim, há sindicatos, mas eles obedecem a um Estado que em nome do socialismo se ocupa da disciplina da mão-de-obra. “Nós combatemos a agitação operária e a instabilidade social para assegurar um clima favorável aos investidores”, explicou recentemente Bo Xilai, secretário-geral do Partido Comunista.

O poder econômico está mais monopolizado do que nunca, mas os países e as pessoas competem no que podem: vamos ver quem oferece mais em troca de menos; vamos ver quem trabalha o dobro em troca da metade. À beira do caminho estão ficando os restos das conquistas arrancadas por dois séculos de lutas operárias em todo o mundo.

As plantas maquiadoras do México, América Central e Caribe, que por algum motivo se chamam “sweat shops”, crescem a um ritmo muito mais acelerado que a indústria em seu conjunto. Oito de cada dez novos empregos na Argentina estão sem nenhuma proteção legal. Nove em cada dez novos empregos na América Latina correspondem ao “setor informal”, um eufemismo para dizer que os trabalhadores estão na mão de Deus. A estabilidade no emprego e os demais direitos dos trabalhadores serão, em breve, um tema para arqueólogos? Nada mais que recordações de uma espécie extinta?

Nesse mundo ao contrário, a liberdade oprime: a liberdade do dinheiro exige trabalhadores presos no cárcere do medo, que é a maior prisão de todas as prisões. O deus-mercado ameaça e castiga, como já sabe qualquer trabalhador, em qualquer lugar. O medo do desemprego que serve para que os patrões reduzam seus custos de mão-de-obra e multipliquem a produtividade é hoje em dia a fonte de angústia mais universal.

Quem está livre do pânico de ser incluído nas longas filas dos que procuram trabalho? Quem não teme converter-se em um “obstáculo interno”, para dizer com as palavras do presidente da Coca-Cola que, há um ano e meio, explicou a demissão de milhares de trabalhadores dizendo “eliminamos os obstáculos internos”?

A última pergunta: diante da globalização do dinheiro, que divide o mundo entre domadores e domados, será possível internacionalizar a luta pela dignidade do trabalho?

Texto originalmente publicado no Jornal Argentino – pág. 12

Revista Consultor Jurídico, de outubro de 2001.

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