Artigo: Crescimento da Internet é atrativo para criminoso virtual.
8 de maio de 2001, 0h00
Antes de aprofundarmos já no tema a que nos propusemos a tecer breves comentários pensamos ser da mais alta relevância e pertinência a compreensão de algumas “atitudes sociais” que envolvem o aspecto do direito criminal.Trata-se tão-somente da elaboração de algumas digressões sobre o fenômeno criminológico para melhorarmos o nosso nível de conhecimento sobre algo que de “novo” nada tem.
Desde à época da Roma antiga designava-se o Direito pelo termo Jus. A idéia de poder divino era naturalmente associada à conceituação. Se aprofundarmos ainda mais na essência terminológica do latim veremos que a mesma raiz encontra-se no verbo latino jubere (ordenar). Pode-se extrair a partir daí a noção de que o Direito em si está intrinsecamente coligado numa relação de quase equivalência à “Autoridade”. De jus, também a concepção moral de justus e justicia. Ora, Direito equivale a “reto”. Rectum proviria da raiz ária rj, ou seja, guiar, conduzir. O prefixo di foi acrescentado para a formação da voz directum, com a incorporação da idéia mesmo de retidão.
Montesquieu, na obra “O espírito das leis”, a respeito das chamadas “leis positivas”, já vislumbrava a grande problemática do convívio do homem em sociedade dizendo: “Os homens, tão logo se acham em sociedade, perdem o sentimento de fraqueza; a igualdade, que existia entre eles, cessa; e o estado de guerra começa”.
Por sua vez, Thomas Hobbes, além de muitos outros doutores da lei ensinavam que o Estado é um elemento necessário para a garantia da ordem social. De acordo com a filosofia de Hobbes (in: Leviathan, 1968), sem o poder coercitivo do Estado a vida seria “grosseira, bruta e breve” na guerra de “todos contra todos”.
A verdade é que a noção do certo e do errado sempre acompanhou a humanidade evoluindo na medida do constante desenvolvimento da civilização. Da lei das XII tábuas até o presente momento essa noção de “Justiça” foi tomando diversas dimensões ao longo dos séculos, havendo “páginas da história” em que o Estado estava mais ou menos presente.
A respeito do Direito no Futuro, o professor Roberto Lyra já dizia com costumeira propriedade: “É Previsível um futuro certo e feliz para toda a humanidade. Os caminhos é que são imprevisíveis. O que deve interessar aos novos juristas (grifo nosso) é rever o processo histórico parra extrair os inteiros e desistir do impossível e, quando possível, inútil”. E mais adiante arremata: ” A questão criminal é aspecto da questão social. Portanto, a solução da questão social será, também, a solução da questão criminal.
Os cegos voluntários continuam a atribuir à Justiça Penal o que só a justiça social resolverá….” “a balança da Justiça não precisará da espada, porque não dependerá da força a serviço da riqueza”. “… o que vem aí é inaugural…. uma sociedade humana que será mesmo uma sociedade e será humana. Não sociedade anônima com acionistas privilegiados, mas sociedade cooperativa. Esta incluirá todos segundo a capacidade de produção”.
No entanto, na nossa humilde concepção, até chegarmos a esse nível de civilização ansiosamente preconizada pelo professor supramencionado, pensamos que o Estado bem como a civilização ainda passará por algumas “provas de fogo”. É como um mal necessário em que somos obrigados a nos integrarmos, sob pena de nos subtrairmos à própria noção de evolução.
As várias teorias e escolas com que o Direito se deparou ao longo de sua existência claramente demonstram a necessidade de aprimoramento social e Estatal, principalmente no trato da questão criminal. O professor Antonio Alberto Machado, digno representante do Ministério Público, nas aulas da Pós-Graduação da Unesp, em que tivemos o privilégio de presenciar, já esboçava sua preocupação com o fenômeno da exclusão social, oportunidade em que, inclusive, demonstrava os fundamentos da chamada “teoria crítico-dialética”.
O direito penal também vem se empenhando, em meio às diversas teorias, na construção e elaboração de “alternativas” a fim de se combater a criminalidade. Depara-se a cada avanço, no entanto, com problemas de ordem estrutural e ingerência da Administração como um todo. É notório que o sistema atual mostra-se ineficaz e obsoleto, notadamente na fase de exeqüibilidade da prestação jurisdicional. As penitenciárias superlotadas já não conseguem mais suportar a “pressão da população carcerária” e o que vemos é a formação de verdadeiras “cidades-presídios” onde encontramos uma nova forma de civilização, inclusive com “jurisdição” própria. Trata-se da lei dos detentos. Lá existem “juízes”, “promotores” e “advogados”.
O direito passa agora por mais este dilema. De um lado impotência do Estado no combate ao crime, cada vez mais presente na nossa sociedade atingindo proporções nunca antes alcançadas; e de outro, a preocupação da “descriminalização” das condutas criminosas e a busca por medidas alternativas às tradicionais penas privativas de liberdade (lei 9.714 de 25 de Novembro de 1.998).
O professor Luiz Flávio Gomes, que tivemos também a grande oportunidade de sermos alunos, na obra “Penas e Medidas Alternativas à Prisão” alerta-nos sobre os antagonismos em que passa freqüentemente o direito penal. Discorre esse autor sobre as antagônicas metas dos “múltiplos movimentos político-criminais”, recordando-se inclusive sobre essa natureza dialética, qual seja, os processos “minimalistas”, principalmente agora como 6º Congresso das Nações Unidas e as “Regras de Tóquio” (descriminalização, despenalização e descarcerização), com fundamento na clássica síntese da “mínima intervenção”, com as máximas garantias) de um lado, e de outro lado: os correspectivos processos “maximalistas”(criminalização, penalização e carcerização), que se baseiam numa formulação oposta: máxima intervenção com mínimas garantias.
Modernamente o que temos presenciado é um novo tipo de crime a que passamos a chamar de crimes.com (ponto com, para o leitor menos avisado, referindo-se aos crimes cibernéticos ou segundo alguns: “cybercrimes”).
Grandes transformações tecnológicas têm sido observadas durante o século XX, notadamente em função da velocidade espantosa dos meios e formas de comunicação de dados, principalmente devido à utilização da internet. A “Web” é um poderosíssimo meio de troca de informações instantâneas. Milhares de negócios jurídicos são instrumentalizados em questão de segundos. Mas ao mesmo tempo tem sido alvo constante de “piratas cibernéticos” que se valem de seus conhecimentos e das falhas de todo o sistema para obterem vantagens das mais variadas ordens, da mesma forma e com o mesmo dinamismo atividades virtuais.
Achamos por conveniente abordarmos, a título de curiosidade, alguns aspectos de ordem histórica sobre a internet para que o leitor tenha noção do seu surgimento para, após, discorrermos melhor sobre alguns aspectos criminais de maior relevo.
Sabe-se que no ano de 1640 o sábio francês Blas Pascal criou a primeira máquina de calcular chamada de “pasqualina” com rodas dentadas. Durante os séculos XVIII e XIX, no período da revolução industrial, vários projetos de máquinas de calcular foram desenvolvidos.
O primeiro computador do mundo foi idealizado em 1847 pelo matemático inglês Charles Babbage (1791-1871). O objetivo de tal máquina era a solução de problemas aritméticos. Sua estrutura era composta de engrenagens e alavancas. A idéia era o registro de operações aritméticas em cartões perfurados. Os projetos de Babbage tinham essencialmente já naquela época as características dos atuais computadores.
Já na década de 50 surgiu o primeiro computador de grande porte. Tratava-se de uma máquina caríssima, composta de 18 mil válvulas de 16 tipos distintos. Sua altura chegava aos 30 metros, que acabava por consumir 140 Kws de energia.
Com o passar dos tempos o tamanho dessas maravilhas tem diminuído progressivamente assim também como o preço. Estima-se que hoje existam milhares dessas máquinas espalhadas em todo o mundo, sendo que a maioria delas esteja interligadas à “Net” formando todo um complexo conjunto de sistemas interligados simultaneamente.
Nos Eua a IBM, em 1977, já investia quase 2 bilhões de dólares unicamente em pesquisa . O investimento na área de tecnologia na atual conjuntura dos países globalizados será, com certeza, o grande diferenciador do futuro próximo. No ano 2000, segundo relatou o Jornal Folha de São Paulo (agências internacionais), a atividade econômica na internet cresceu 58% nos EUA. O investimento chegou à casa dos 600 bilhões de dólares . Essas informações constam de um estudo que foi solicitado pela empresa Cisco Systems e foi realizado pela universidade do Texas.
Tudo isso demonstra que, na medida que o Estado investe na área de tecnologia, a produtividade tende a aumentar em proporções realmente impressionantes. O Japão, por exemplo, desvencilhou-se dos países “vencedores” da segunda guerra mundial investindo exaustivamente no setor de informática tornando-se uma economia forte e estruturada, não obstante o seu tamanho geográfico.
As informações hoje são muito mais acessíveis que há algum tempo atrás. As criações, tanto artísticas como literárias ou mesmo científicas podem ser expressas em códigos digitais, permitindo a troca rápida de informações. Como resultado de toda essa rápida revolução tecnológica um grande número de pessoas agora pode ter acesso a computadores menores e mais baratos, com uma base de dados inesgotável e dinâmica.
O jurista há de se preocupar agora como nunca em regulamentar o mais rápido possível uma série de situações nunca antes imaginadas como v.g., a tutela dos direito do autor, proteção dos “softwares”, etc.
A internet foi criada, primeiramente, com objetivos estritamente militares. A chamada Arpanet foi o embrião do que hoje é a maior rede de comunicação do planeta e surgiu em 1969, com a finalidade de atender a demandas do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DOD). A idéia inicial era criar uma rede que não pudesse ser destruída por bombardeios e fosse capaz de ligar pontos estratégicos, como centros de pesquisa e tecnologia. O que começou como um projeto de estratégia militar, financiado pelo “Advanced Research Projects Agency (Arpa)”, uma agência americana, acabou se transformando naquilo que conhecemos hoje por Internet.
Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos investiram na idéia, advinda dos altos escalões militares, de se criar uma rede sem centro, quebrando o tradicional modelo de pirâmide, conectado a um computador central. Visava tal estrutura a possibilidade de que todos os pontos tivessem o mesmo status. Os dados caminhariam em qualquer sentido, em rotas intercambiáveis. Este conceito surgiu na Rand (centro de pesquisas anti-soviéticas) em 1964 e tomou vulto cinco anos depois.
Em uma primeira etapa, interligaram-se quatro pontos: Universidade da Califórnia (UCLA), o Instituto de Pesquisas de Stanford, e a Universidade de Utah. O nó da UCLA foi implantado em setembro de 1969 e os cientistas fizeram a demonstração oficial no dia 21 de novembro. O grupo de pesquisadores se reuniu no Departamento de Ciência da Computação da universidade, e acompanhou o contato feito por um computador com outro situado a 450 quilômetros de distância, no laboratório Doug Engelbart, no Instituto de Pesquisas de Stanford. Esse foi o primeiro passo rumo ao desenvolvimento da grande “rede”.
As conexões cresceram em progressão geométrica. Em 1971, havia duas dúzias de junções de redes locais. Três anos depois, já chegavam a 62 e, em 1981, quando surge a Internet, eram 200.
Durante muitos anos, o acesso à Internet ficou restrito à instituições de ensino e pesquisa. A partir da década de 80, os microcomputadores passaram a custar menos e se tornaram mais fáceis de usar. Hoje, qualquer pessoa pode se conectar à Net, desde que se associe a um provedor de acesso. Pode-se, inclusive, utilizar da chamada “banda larga” com velocidades de conexões mais rápidas e eficientes.
A Internet, dessa forma, acaba por consistir na interligação de milhares de redes de computadores que se encontram espalhados ao redor do mundo inteiro, com a utilização dos mesmos padrões de transmissão de dados, os chamados protocolos. Em razão dessa generalização, onde se estabelece um verdadeiro padrão na transmissão das informações, as diversas redes passam a funcionar como se fossem uma só, possibilitando o envio de dados e até mesmo de sons e imagens a todas as partes do mundo, com eficiência e agilidade ímpar.
A interligação, considerada sob seu aspecto físico, é realizada através de linhas de sistemas telefônicos na grande maioria, onde um instrumento denominado “modem” permite a conversão dos sinais sonoros transmitidos pela linha telefônica em sinais reconhecíveis pelo computador. No entanto vale lembrar que há outras formas hoje mais velozes que a linha telefônica como as ondas de rádio, satélites, a banda larga, com cabos de fibras óticas, etc.
O grande inconveniente da utilização da telefonia para esse tipo de utilidade é a velocidade, muito baixa para as atuais necessidades, e a ocupação da linha enquanto houver a conexão com o provedor, o que não se dá em outros sistemas, como v.g., as ondas de rádio e com a banda larga.
Os efeitos da revolução que a internet vai provocar mal começaram a serem sentidos. Ultimamente, o comércio eletrônico começou a expandir-se a velocidades inimagináveis. Não se poderia prever, até a algum tempo, que as pessoas acabariam se interessando cada vez mais pelo poder de comprar e vender infinita e ilimitadamente. Porém, é o que vem acontecendo a todo momento; milhares de transações “on line” são efetivadas instantaneamente por pessoas e empresas em diversas áreas do globo. Aliás esse aspecto da “desmaterialização do crédito” e suas vicissitudes já foi objeto de estudos no Instituto Paulista de Direito Comercial e da Integração, o qual fazemos parte, sob o Presidência do Prof. Dr. Paulo Roberto Colombo Arnoldi, grande mestre e nosso orientador na Pós-graduação da UNESP.
A internet, na medida que vem cada vez mais sendo popularizada, ao mesmo tempo em que fornece inúmeras facilidades aos usuários torna-se um grande atrativo para o criminoso virtual. O comércio eletrônico, como se sabe, vem se impondo de uma forma decisiva, sendo certo que em poucos anos estima-se que não serão mais conhecidas as antigas praxes de se efetivar o comércio. Quantias de dinheiro “trafegam” em meio a todo esse emanharado de informações o que acaba de certa forma servindo como um grande atrativo aos criminosos.
O meio magnético, através dos cartões, também chamado pela doutrina moderna de “papéis eletrônicos”, vem substituindo, dessarte, o meio papel como suporte de informações, como já apontamos em outras oportunidades.O registro das operações, de forma eletrônica, materializadas por intermédio da internet faz com que o documento “papel” perca de forma paulatina e gradativa sua real importância.
De fato, agora com o fator globalização e com a explosão da utilização da internet de maneira inequívoca, como bem diz a professora Ivette Senise Ferreira, titular de Direito Penal e Diretora da Faculdade de Direito da USP (“A Criminalidade Informática”), “a informatização crescente das várias atividades desenvolvidas individual ou coletivamente na sociedade veio colocar novos instrumentos nas mãos dos criminosos, cujo alcance ainda não foi corretamente avaliado, pois surgem a cada dia novas modalidades de lesões aos mais variados bens e interesses que incumbe ao Estado tutelar, propiciando a formação de uma criminalidade específica da informática, cuja tendência é aumentar quantitativamente e, qualitativamente, aperfeiçoar os seus metidos de execução”. (“Direito e Internet – Aspectos Jurídicos Relevantes” p. 207).
No Brasil a lei 7.646 dispôs sobre a proteção da propriedade intelectual sobres os programas de computador e sua comercialização no país. Algumas dessas disposições, no entanto, foram modificadas e ou revogadas pela lei 9.609/98, que veio por substituí-la.
No entanto, tais normas não dispuseram sobre as principais questões que hoje envolvem o tema, notadamente sob o enfoque do direito penal em si. Segundo parte da doutrina, o nosso Código Penal de 1940, acompanhado por um número muito grande de outras leis esparsas não se mostra suficiente nem adequado para o tratamento desses “novos” crimes.
Esses crimes vêm sendo praticados de variadas formas e com uma gama notável de diversidades. Assim temos visto manipulações nos caixas de instituições financeiras, pirataria de programas (softwares), nas próprias redes de telecomunicações, além de outras inúmeras façanhas realizadas por “hackers”. Tudo isso revela a vulnerabilidade do sistema informático como um todo.
É próprio do Direito Penal a tutela das diversas objetividades jurídicas, isto é, daqueles bens ou direitos merecedores de tutela jurisdicional penal. Assim, v.g., o direito à existência (vida) é tutelado em primeiro plano da seguinte forma: No artigo 121 da parte especial do nosso Código Penal o legislador define no caput (cabeça) do dispositivo que o ato de tirar a vida de alguém deva ser punido de forma exemplar afim de evitar a repetição daquela conduta tida como criminosa e merecedora da tutela do direito criminal. A objetividade jurídica, que não se confunde com o objeto material do delito, no caso, é justamente o “direito à vida”. Como bem diz o nosso ex-professor Damásio E de Jesus na obra “Código Penal Anotado”, ao comentar o dispositivo em questão, diz que o homicídio simples é “a morte de um homem provocada por outro”.
Atrás da simplicidade dessa definição, no entanto, esse autor demonstra que o fato de “matar alguém”, como retrata o dispositivo penal, atinge não somente a “pessoa” da vítima mas também o ente Estado, de maneira indireta. Há uma mensagem na norma penal que não se proíbe o ato de “matar”. Mas se alguém pratica esse determinado ato executório sujeita-se incontinenti ao preceito secundário da norma penal, qual seja, “pena de 6 a 20 anos”.
Ora, no caso dessa nova área ainda pouco explorada, e aqui referimo-nos de maneira geral ao Direito de Informática ou da Informática segundo certa doutrina, pensamos que, evidentemente, a norma penal deva sim coibir essas novas condutas “virtuais” e criminosas por assim dizer mas deve fazê-lo com extrema cautela, uma vez que a identificação da autoria nesses tipos de crimes é de difícil apontamento.
É que o Estado é carente da mesma tecnologia utilizada para o cometimento de tais infrações. Por outro lado, ante ao princípio da reserva legal é muito complicado a norma penal prever certas condutas que vão se alterando a cada dia, não obstante convergirem para o mesmo fim, isto é, a prática daqueles “velhos” delitos arrolados na legislações penais e no próprio Código Penal. Sob esse aspecto, compartilhamos da opinião e argumentação do colega Paulo Sá logo a seguir:
“(…) Ademais, para os tipos penais já existentes e evidentemente aplicáveis às questões onde o computador é utilizado como meio para a prática delituosa, já citamos em outra oportunidade o julgamento do HC 76689/PB – cujo relator foi o eminente ministro do STF – Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence: “Publicação de cena de sexo infanto-juvenil (E.C.A., art. 241), mediante inserção em rede BBS/Internet de computadores, atribuída a menores: tipicidade: prova pericial necessária à demonstração da autoria: HC deferido em parte.
(…) 2. Não se trata no caso, pois, de colmatar lacuna da lei incriminadora por analogia: uma vez que se compreenda na decisão típica da conduta criminada, o meio técnico empregado para realizá-la pode até ser de invenção posterior à edição da lei penal: a invenção da pólvora não reclamou redefinição do homicídio para tornar explícito que nela se compreendia a morte dada a outrem mediante arma de fogo.
3. Se a solução da controvérsia de fato sobre a autoria da inserção incriminada pende de informações técnicas de telemática que ainda pairam acima do conhecimento do homem comum, impõe-se a realização de prova pericial.” (grifo nosso). (fonte: trecho extraído com a venia do grande Advogado e Professor de Direito da nossa Cidade de Ribeirão Preto, o Prof. Paulo Sá Elias de nome “A tecnologia e o Direito”). Publicada na Revista do UOL – Consultor Jurídico, 5 de abril de 2001. Esse autor faz uma análise profunda e crítica, sem precedentes, sob o impacto no mundo jurídico desses novos meios de cometimentos de condutas criminosas, além de abordar outras questões importantíssimas sobre o tema.
De fato, inúmeras condutas criminosas praticadas por esse instrumento “internet” ainda podem perfeitamente serem incursas em dispositivos do nosso “velho” código penal. Evidentemente há outras que dependerão, para que tenham força coercitiva, de novas previsões e definições legais.
Na área da Informática especificamente várias mudanças ainda estão por ocorrer. Há inclusive uma preocupação em nível mundial da conceituação básica e da adoção de uma terminologia básica para esse campo. Mesmo a noção de “documento” vem sendo veementemente objeto de digressões doutrinárias e mesmo jurisprudenciais. De fato, veja que No âmbito mundial, na área do comércio internacional, a UNCITRAL, “united nations commission on International trade law” tem se engajado na elaboração de um modelo de lei universal sobre comércio eletrônico e acaba apontando a importância para uma lei paradigma que defina o que seja esse comércio eletrônico, e no Brasil já há um projeto de lei que define certos conceitos desse novo Direito da Informática.
Diz o artigo primeiro do projeto de lei n. 2.644 de 1996: “Art. 1º Considera-se documento eletrônico, para os efeitos desta Lei, todo documento, público ou particular, originado por processamento eletrônico de dados e armazenado em meio magnético, optomagnético, eletrônico ou similar”. Vê-se que o tradicional conceito de “documento” está mudando para dar lugar a uma nova forma de visualizar uma relação jurídica. Não se deve esquecer, não obstante, que o princípio básico do direito penal é justamente o da legalidade lapidado na expressão latina nullum crimen nulla poena sine praevia legem.
Como bem diz ainda Ivette Senise Ferreira, a ação típica nesses crimes deve se realizar contra um sistema de informática ou então pela utilização de processamento automático de dados ou ainda na sua transmissão. Explica: “…consiste ela na utilização de um sistema de informática para atentar contra um bem ou interesse juridicamente protegido, pertença ele à ordem econômica, à liberdade individual, à honra, ao patrimônio público ou privado etc”.
O grande problema segundo a autora é justamente da pré-fixação da natureza do bem jurídico ofendido, justamente o que dissemos pouco atrás a respeito da objetividade jurídica da norma penal. É que a partir dessa fixação é que será possível estabelecer a classificação da atividade delituosa nas diversas categorias, o que, certamente, irá levantar desafios aos operadores do direito de maneira geral. Interessante notar que certa doutrina sustenta a elaboração de uma nova construção científica e teórica para o Direito Penal Informático (p. 211), o que, data permissiva venia, não concordamos pelas razões expostas no início desse artigo.
A doutrina tem procurado elencar os crimes que podem ocorrer nessa área. Queremos aqui, apenas a título de ilustração, elencá-los: manipulação de dados e/ ou programas afim de cometimento de uma infração já prevista pelas incriminações tradicionais; falsificação de dados ou de programas; deterioração de dados ou de programas e entrave à sua utilização; divulgação, utilização ou reprodução ilícitas de dados e de programas; uso não autorizado a sistemas de informática; acesso não autorizado a sistemas de informática, entre outros.
Veja que, como já se disso retro, o que se percebe na área da informática é que a maioria dos ilícitos que têm previsão nas legislações penais e no próprio Código Penal podem ser praticados pelo “instrumento” computador. Dessarte, podemos, v.g., apontar o estelionato, cuja figura típica consiste na obtenção de vantagem ilícita com prejuízo alheio mediante a utilização de inúmeros expedientes que se alteram com a criatividade do autor-executor.
Ora, obviamente se é praticada a conduta com o uso do computador, o agente está incurso nas penas do dispositivo penal sendo descipiendo criar-se uma nova figura penal afim de se coibir a conduta ilícita. É certo que há ocasiões e haverá hipóteses específicas na área da informática que será necessária a criação do tipo legal, até mesmo para a fiel observância do princípio da legalidade. Mas, com certeza, a maioria das condutas já têm esse mesma previsão, alterando-se tão-somente a forma, o instrumento da prática delituosa. , v.g., infrações contra o patrimônio (artigos 155 a 183 do nosso código penal), infrações contra a inviolabilidade de correspondência (artigos 151 e 152 – e aí poderíamos incluir o e-mail).
O professor Damásio (Código Penal Anotado), ao comentar esse dispositivo, v.g., diz o que se deve entender por correspondência: “objeto material: É a correspondência, que compreende a carta, o bilhete, o telegrama etc…”. Ora, e o E-mail? Não seria uma espécie de correspondência? Será que a forma (instrumento) pela qual a informação chega ao destinatário teria o condão de desvirtuar o sentido da tutela normativa. Veja que muitos, aqui neste contexto de raciocínio, argumentariam arrimando-se no princípio da legalidade. Todavia, a norma, seja qual for, deve ter por natureza tanto intrínseca quanto extrínseca a generalidade. Ora, se o legislador penaliza a conduta de quem viola “correspondência”, obviamente penaliza a conduta de quem viola “correspondência eletrônica”, que é o “e-mail”. Seria uma iniqüidade para com a razão a interpretação de forma diferenciada.
A violabilidade das comunicações é um direito tão fundamental que a nossa Constituição o prevê no artigo 5º, inciso XI, dizendo que: “é inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Certas condutas criminosas na área da informática, com certeza, merecem ser positivadas, com previsão em leis penais e mesmo no código penal. É aliás o que temos visto em alguns Países como é o caso da Itália (lei 547, de 23 de Dezembro de 1993), de Portugal (lei n. 109 de 17 de Agosto de 1991), além de outros.
No direito positivo podemos visualizar a preocupação do constituinte na proteção do acesso às informações constante em banco de dados, aliás uma grande inovação da nossa Carta Magna. O habeas data constitui hoje um instrumento hábil para o acesso a esses dados. (Artigo 5º, inciso LXXII da Constituição Federal de 1.988).
O grande constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho chega a comentar o dispositivo apontando sua importância e inovação, no sentido de se prevenir que os atos da Administração, que se baseiam em informações sigilosas, tivessem seu acesso impedido pelo interessado. (FILHO, Manoel G. Ferreira. Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1990, pág. 282). Por outro lado, a lei 9.296 de 1996 veio disciplinar as interceptações telefônicas. Há também a lei 9.279, de 14 de maio de 1996 que tipifica várias condutas criminosas, no âmbito da propriedade industrial.
O jurista deve estar preparado para todas essas “novidades” não tão novas, porque a humanidade é dinâmica. Não pára. E assim como ela, o direito há de acompanhá-la seja em que época ou contexto histórico for. A informática é um fato presente e irrefutável que merece um estudo aprofundado. Os crimes praticados por esse instrumento devem ser rapidamente punidos já que eles podem alcançar um número indeterminado de vítimas.
A respeito da evolução e progresso Bobbio traça um panorama interessante sobre o futuro do direito:
“a história humana é ambígua para quem se põe o problema de atribuir-lhe um “sentido”. Nela , o bem e o mal se misturam, se contrapõem, se confundem. Mas quem ousaria negar que o mal sempre prevaleceu sobre o bem, a dor sobre a alegria, a infelicidade sobre a felicidade, a morte sobre a vida? Sei muito bem que uma coisa é constatar, outra é explicar e justificar.
De minha parte não hesito em afirmar que as explicações ou justificações teológicas não me convencem, que as racionais são parciais, e que elas estão freqüentemente em tal contradição recíproca que não se pode acolher uma sem excluir a outra (mas os critérios de escolha são frágeis e cada um deles suporta bons argumentos). Apesar de minha incapacidade de oferecer uma explicação ou justificação convincente, sinto-me bastante tranqüilo em afirmar que a parte obscura da história do homem (e, com maior razão, da natureza) é bem mais ampla do que a parte clara.
Mas não posso negar que uma fase clara apareceu de tempos em tempos, ainda que com breve duração. Mesmo hoje quanto o inteiro decurso histórico da humanidade parece ameaçado de morte, há zonas de luz que até o mais convicto dos pessimistas não pode ignorar: a abolição da escravidão, a supressão em muitos países dos suplícios que outrora acompanhavam a pena de morte e da própria pena de morte. É nessa zona de luz que coloco, em primeiro lugar, juntamente com os movimentos ecológicos e pacifistas, o interesse crescente de movimentos, partidos e governos pela afirmação, reconhecimento e proteção dos direitos do homem” (BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campos, 1992. p. 54/55).
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