Lei de assédio sexual: legislador cumpriu sua função, diz advogada.
15 de junho de 2001, 0h00
Assunto palpitante e latente, objeto de lei aprovada recentemente, o assédio sexual abandona a qualidade de “vacatio legis”, tornando-se agora, fato criminoso.
O assédio sexual, com justa razão, afigurada como o atual “mal du siècie” pela recomendação da União Européia, foi finalmente tipificado penalmente pelo direito pátrio. Agora, portanto, assediar sexualmente alguém, também é crime. Porém, quais são os motivos de tantos alardes e discussões, tanta crítica e controvérsias?
Como bem disse, Renato de Mello Jorge Silveira, “mudam-se os tempos, mudam-se os hábitos, mudam-se os costumes. Atitudes outrora tidas e havidas como aceitáveis, não mais o são. Outras tantas reprimidas no passado, ora são corriqueiras. Exemplo claro e marcante do primeiro caso é o denominado “assédio sexual”. Mexer em valores aprendidos por uma vida, remover preconceitos sedimentados por gerações não é nada fácil.
Somos todos herdeiros de tradições culturais, juízos de conduta se acoplam em nosso inconsciente e muitas vezes, sem nos darmos conta, vamos alimentando os preconceitos e favorecendo as discriminações. E por sermos assim, humanos somos sociáveis, e isso pressupõe a primariedade da escolha de com quem queiramos compartilhar a nossa intimidade. Entretanto, não há de se confundir, assédio sexual com atração sexual, uma vez que esta pressupõe a existência de reciprocidade sentimental e cooperativista, já àquela a reciprocidade é inexistente, é uma ignomínia.
A palavra “assédio” vem do Latim “obsidere”, que significa, “por-se adiante”; “sitiar”; “atacar”. A língua portuguesa também oferece dicas reveladoras, definindo-o como “pôr cerco à”, “importunar insistindo”. Por sua vez, no mundo jurídico, o assédio é equiparado ao constrangimento, à coação. E para tanto, a jurídico, o assédio é equiparado ao constrangimento, à coação. E para tanto, a nova Lei nº 10.224/01, que criminaliza a conduta do assédio sexual é muito clara ao descrever a conduta típica do agente punível penalmente, ao dispor: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.”
O legislador busca então punir, as marcas, até então intransponível das situações vexatórias, embaraçosas nas quais suas vítimas se vêem ferrenhamente cerceadas. O constrangimento moral ou psíquico se faz com o emprego de ameaças que provoque um estado psíquico de medo na mente da vítima, que em virtude do mesmo, se submete ao domínio do coator. Tal atitude maléfica, não raramente termina em um constrangimento físico, processando-se mediante o emprego de força material, contra a vítima subjulgando-a violentamente ou não, e obrigando-a a pratica ou omissão, contrária a sua vontade.
Logo, a força pela qual alguém compele outrem a praticar ações contra a sua vontade, ou ainda deixá-las de praticar, não necessariamente requer o uso de força física, violência ou grave ameaça.
Demais disso, há de se lembrar que o Direito Penal moderno, o que tem para si, que somente deve ser utilizado em “ultima ratio”, não poderia, ao contrário da argumentação de muitos, fechar suas portas para uma conduta de efeitos tão danosos e catastróficos à suas vítimas. É sim, sua responsabilidade, agasalhar no seu seio, condutas delitivas de âmbitos morais e éticos. Ademais, em um mundo globalizado, onde culturas se fundem e costumes evoluem, progridem, encontram-se em constante mutação, a dignidade da pessoa humana tem que ser vista como cláusula pétrea em qualquer ordenamento jurídico que se intitula, democrático. Afinal de contas, o que nos une ao Estado, ainda é a nossa nacionalidade, que tem sua base no fato social do enraizamento, na conexão genuína de existência, interesses e sentimentos juntos com a existência de direitos e deveres recíprocos.
Portanto, como nos ensina Miguel Reale, “o direito é ordenação heterônoma e coercível da conduta humana”. Destarte, na matéria em tela, tudo nos leva a crer ainda, que cabe ao Estado direcionar condutas e tutelar, com um tipo próprio, a liberdade sexual dos seus cidadãos, mesmo que seu agressor, que seu violador não se utilize de qualquer meio gravoso de violência física. A violação moral, a agressão moral, o terrorismo da coação, do pânico, do medo, é sem dúvida alguma, neste novo século de pavor velado, capaz de fazer surgir conseqüências físicas, psíquicas e emocionais em um ser humano tão ou mais danoso, do que qualquer tipo de violência ou agressão física explicita.
Contudo, não se pode negar o empenho da legislação nacional sobre o tema. Tratando timidamente assunto com certo sucesso na esfera civil e principalmente, trabalhista, quando se busca proteção ao emprego, atribuição de responsabilidade aos (as) coatores (ras), ou ainda, formas de indenização por danos morais e materiais. Contudo, ainda assim, se faz necessária a tutela penal.
O crime de assédio sexual configura-se, quando qualquer pessoa, ou seja, sujeito ativo, homem ou mulher, utilizando-se de ascendência sobre a vítima, exerce seu poder para tentar obter favores, de caráter sexuais, contra a vontade dela.
A lei nada mais fez do que apenar um tipo de comportamento extremamente grave, no qual o(a) agressor(a), sempre tem em suas mãos, além do desejo, o PODER sobre a vítima. Sendo assim, é necessário SEMPRE haver uma relação de poder entre os sujeitos ativos e passivos, forçando uma situação de quem seja hierarquicamente inferior ao impor uma situação motivada pela coação. Caso isso não se configure, não há de se falar em asseio sexual, mas em qualquer outro tipo de importunação ofensiva.
Palavras gentis serão sempre muito bem vindas, atitudes galanteadoras igualmente, desde que não ultrapassem o bom senso e não criem constrangimento a quem as ouve ou as recebe. Contudo, os(as) conquistadores(as) de plantão, ficarão mais receosos ao lembrarem que a lei prevê pena de detenção, de até 2(dois) anos de prisão para quem viola-la. Igualmente os(as) chefes que prometem promoção a quem cede à cantadas ou àquele que persegue quem não as aceita. É chegada a hora da cutela reinar entre estes, pois a imagem profissional de qualquer pessoa ficará por demais abalada e desacreditada, se alvo de uma denúncia desse porte. Enfim, o que se pretende não é colocar chefes e superiores na cadeia, como se tem dito, mas delimitar e respeitar a liberdade de escolha dos indivíduos de posição hierarquicamente inferior, além de evitar abusos crassos em nosso cotidiano.
Todos sabemos que a prisão não é um lugar pensado para causar sensações agradáveis a quem quer que seja. Porém, é clara a necessidade de reparar o dano, o sofrimento, daquele que dolosamente impeliu a outrem na prática de conduta realizada contra a sua vontade. A pena aqui prevista não é a de reclusão, ou seja, cumprida em regime fechado, mas a de detenção, a qual poderá ser cumprida em regime aberto, semi-aberto ou até mesmo em sistema de pena alternativa, com prestação de serviços à comunidade, ficando a critério do livre convencimento do julgador.
A situação de fragilidade da vítima deverá ser comprovada, entretanto a maior dificuldade enfrentada será a caracterização do crime, pois a mesma terá que colher provas, além de contar com a solidariedade alheia daqueles que acompanharam ou presenciaram os fatos. Mas aos titulares da lide cabe tal cruzada, ao menos se pode afirmar que o legislador cumpriu sua missão.
A Deputada Iara Bernardi, autora do projeto que tipifica o assédio sexual como crime, é sábia na sua afirmação ao concluir: “a aprovação da Lei que pune o assédio sexual foi uma ponte construída (…) rumo a sociedade mais justa, na qual, dentre outras coisas, a agressão na forma de assédio é legalmente condenada. Outras pontes precisarão ser erguidas, ainda. Mas o caminho está dado e nos enche de esperança”.
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