'Decisão arbitral pode ser contestada em juízo'.
4 de julho de 2001, 14h23
O “Supremo a um passo de declarar arbitragem legal”, o que deverá ocorrer até a conclusão do julgamento da sentença estrangeira SE 5.206, de interesse da empresa MBV Commercial and Export Management, uma vez que o placar atingido, de seis a dois, já garante a aprovação dos dispositivos mais polêmicos da Lei de Arbitragem, questionados incidentalmente, e que são aqueles que impõem a obrigação de observância do compromisso de arbitragem, se existente no contrato, vedando o acesso ao Judiciário.
Assim, independentemente da continuidade do julgamento, afigura-se, em princípio, virtualmente estratificado que a observância do compromisso e, conseqüentemente, do próprio laudo arbitral, com a renúncia ao direito de recurso à justiça comum, não constitui violação do princípio inconstitucional do livre acesso ao Judiciário.
Entretanto, novas e relevantes questões emergem da afirmação do Supremo de que a necessidade de observância da cláusula compromissória e do laudo, é, em tese, constitucional. Sim, não podemos deixar de ter em mente o fato de que o pronunciamento do Supremo terá sido em tese. Isso quer dizer que, em concreto, o laudo arbitral pode ser contestado em juízo.
Não se trata de defender o questionamento acerca das razões de mérito da cláusula compromissória e do laudo, mas, antes disso, de eventual discussão sobre um laudo arbitral que contenha, por exemplo, conclusões que conflitem com a Constituição, ou com a ordem pública. Esse questionamento inclusive se aplica àqueles laudos oriundos de compromisso, e não só da cláusula arbitral. Foi citado inicialmente o exemplo de inconstitucionalidade, porque é mais evidente a impossibilidade de um pronunciamento decisório com esse vício, judicial ou arbitral, ser compulsoriamente exeqüível.
Porém, na verdade, a questão instigante que se apresenta é que a Lei nº 9.307/96, que dispõe que a arbitragem prevê, no seu art. 33, ação anulatória da sentença arbitral, cujo prazo para ajuizamento é de 90 dias contados do recebimento da notificação, caso existentes vícios de forma, competência, prevaricação, corrupção ou concussão. Importa ressaltar que a própria Lei de Arbitragem prevê o que já seria intuitivo, ou seja, que a decisão arbitral tem natureza equiparada à decisão judicial.
Note-se: trata-se de equiparação. Portanto a decisão arbitral não é inferior, nem superior ao provimento judicial. Assim, se a decisão judicial transitada em julgado, caso se fundamente, por exemplo, em falsa prova, ou quando violar literal disposição de lei pode sofrer revisão pela via da ação rescisória, estarão as conclusões arbitrais, equiparadas que são à sentença judicial, sujeitas a indagar-se se idêntico controle jurisdicional.
Observamos que as causas de impugnação da sentença arbitral, previstas pela Lei nº 9.307, são vícios de nulidade e, doutrinariamente, as hipóteses de rescisão não são propriamente de nulidade. Essas questões são extremamente relevantes, especialmente em razão da extensão da nossa Constituição Federal, o que certamente reabrirá a polêmica, que permitirá a contestação de sentenças arbitrais nas hipóteses de dolo, fraude à lei (qual lei?), ofensa à coisa julgada, falsa prova, documento novo ou até então desconhecido, que influísse na decisão arbitral, fundamento para invalidar confissão ou transação sobre a qual se tenha baseado o laudo e, finalmente, que tenha violado disposição literal de lei e, principalmente, da Constituição.
Não nos parece que o Supremo tenha, ao aceitar a cláusula compromissória, elevado a sentença arbitral a um patamar superior ao da coisa julgada, razão porque entendemos que não será impossível tentar desconstituir sentenças arbitrais, caso verificadas as hipóteses de rescisão das decisões judiciais, não contempladas na lei de arbitragem.
Se aceita essa tese, de que a sentença arbitral tem conteúdo equiparado ao da decisão judicial e que a possibilidade de sua revisão abrange, além dos vícios elencados na lei de arbitragem, aqueles que permitem a quebra da coisa julgada, através da ação rescisória, haverá ainda um questionamento acerca do prazo para o ajuizamento da demanda. Ou seja, prevalecerá o prazo de 90 dias da lei de arbitragem ou os dois anos do Código de Processo Civil?
Lembremo-nos que as hipóteses de rescisão são aberrantes (como o são algumas das hipóteses contempladas pela lei de arbitragem) e que o prazo de dois anos possui uma dimensão que visa permitir que a parte interessada demande a cessação da permanência de uma aberração no mundo jurídico, observando, ao mesmo, o princípio da segurança e estabilidade jurídicas.
Enfim, são essas questões que nos parece indicar que a decisão do Supremo Tribunal Federal, antes de caracterizar um fim sobre o controle estatal da arbitragem, acena-nos com o início de um frutífero debate.
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