Nova lei

Advogado questiona se vesting é excluído de Fundos de Pensão

Autor

24 de agosto de 2001, 17h43

A Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001 (publicada no D.O.U. de 30.05.2001), trouxe importantes alterações para o sistema de previdência complementar no Brasil. Buscando o fortalecimento e o desenvolvimento do regime, a LC 109/2001 preservou-lhe o caráter facultativo e centralizou-se no aprimoramento de seis pilares de sustentação: flexibilidade de organização de planos e de entidades, credibilidade do sistema, transparência junto aos participantes, fortalecimento da capacidade de regulação e fiscalização do Estado, prudência na gestão de ativos e incremento da profissionalização dos gestores.

Inegavelmente, as maiores e talvez as mais importantes modificações que visam conferir maior flexibilidade ao regime são os institutos da portabilidade e do benefício proporcional diferido, conhecido no mercado como vesting. A portabilidade é um instrumento novo para o sistema brasileiro e significa a possibilidade de o participante transferir sua poupança acumulada (o seu direito acumulado na letra da lei) para outro plano de benefícios, na hipótese de rescisão de seu vínculo com o patrocinador ou instituidor (nova figura criada pela lei consistente em pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial) do plano.

O vesting, por sua vez, já era previsto por alguns planos de benefícios e agora passou expressamente a ser uma exigência legal. Nos termos da definição veiculada pela Exposição de Motivos nº 28 (da LC 109/2001), o vesting consiste na faculdade de o participante optar pelo recebimento futuro de um benefício, proporcional às suas contribuições, em razão da cessação de seu vínculo empregatício ou associativo com o patrocinador ou instituidor, antes de preencher todos os requisitos regulamentares para o gozo de um benefício pleno.

Uma das principais incertezas geradas com a publicação da nova lei é exatamente a interpretação de que a portabilidade estaria excluindo o vesting. Explica-se. Como acima colocado, a portabilidade permite ao participante que rescinde seu vínculo com o patrocinador ou instituidor transferir seu direito acumulado para outro plano de benefícios para que, na prática, este montante sirva como contribuição inicial do participante em seu novo plano de benefícios. Assim, esta contribuição inicial e as futuras contribuições a este novo plano financiarão a fruição de um benefício previdenciário nos moldes e regras deste novo plano.

Por outro lado, o conceito de vesting empregado pela lei parece implicar, necessariamente, na manutenção da poupança acumulada pelo participante no plano de benefícios patrocinado pelo empregador ou instituidor com o qual o participante rescindiu seu vínculo. A permanência da poupança neste plano objetiva o gozo futuro de um benefício proporcional “a ser concedido quando cumpridos os requisitos de elegibilidade” (art. 14, I) deste plano. Por conseguinte, se o benefício proporcional (vesting) será concedido quando cumpridos os requisitos de elegibilidade do plano, parece razoavelmente claro o entendimento de que as reservas do participante não serão transferidas.

Esta aparente exclusão da portabilidade pelo vesting contraria não somente a prática de mercado de encontrada em outros países (como por exemplo nos Estados Unidos) mas também e principalmente o pilar da flexibilidade exaustivamente perseguido pela nova lei.

Em termos práticos, o vesting representa a aquisição gradativa às contribuições vertidas em nome do participante pelo patrocinador ou instituidor, pois o participante está sempre 100% “vestido” nas contribuições que ele próprio faz ao plano. Esta aquisição gradativa sugere a necessidade de existência de uma “Escala de Vesting”, que estabelece a proporcionalidade de aquisição da contribuição patronal ou institucional pelo participante em função do seu tempo de serviço ou vinculação ao respectivo patrocinador ou instituidor.

Nos Estados Unidos, por exemplo, as leis estabelecem 2 padrões (escalas) mínimos de vesting para que o plano de benefícios seja “qualificado” a um tratamento fiscal mais favorável (“qualified plan”): (i) o vesting integral após 5 anos de serviço reconhecido (Five-Year Vesting) e (ii) o vesting progressivo ou gradual durante o período de 2 a 6 anos de serviço reconhecido (Two-to-Six-Year Vesting), ou seja, a partir do 2o ano de serviço reconhecido o participante adquire 20% da contribuição do patrocinador, no 3o ano 40% e assim por diante até alcançar 100% no 6o ano de serviço reconhecido (antes, a lei americana previa a regra de vesting gradual durante o período de 3 a 7 anos.

Sob o ponto de vista do participante, o vesting é não somente uma garantia adicional para o recebimento de um benefício (ainda que proporcional), como também uma proteção contra despedidas arbitrárias, além de uma garantia de obediência a um tratamento igualitário entre os participantes. Para o empregador, o vesting representa um importante instrumento de gerenciamento das taxas de turnover, permitindo a retenção de empregados importantes para o negócio da empresa, via plano de benefícios.

Do ponto de vista da política social e de trabalho, o vesting elimina barreiras artificiais para a mudança de emprego, facilitando a mobilidade da força de trabalho. Dentro destas perspectivas do vesting, o participante que rescinde seu vínculo com o patrocinador do fundo tem o direito de transferir suas reservas (na proporção em que estiver “vestido”) para outro plano de benefícios ou de manter suas reservas no plano de benefícios originário para o gozo de benefício proporcional futuro.

Entretanto, apesar de socialmente viável e gerencialmente desejável, a interpretação literal da nova lei não aponta claramente para esta direção. Na verdade, a definição do direito acumulado a ser portável pelo participante na hipótese de rescisão de seu vínculo com o patrocinador ou instituidor, prevista no parágrafo único do art. 15 da lei, parece não estar vinculada ao conceito e aplicabilidade do vesting estabelecidos no art. 14, I da lei.

Um fator de complicação é a disposição constante do “projeto” do decreto presidencial que ficou aberto à audiência pública até o dia 30 de julho deste ano no site do MPAS. O §7º do artigo 9º do “projeto” do decreto prevê que os regulamentos dos planos de benefícios deverão estabelecer o prazo de 120 dias contados do desligamento do participante do patrocinador ou instituidor para que o participante opte por um dos seguintes institutos: vesting, portabilidade, resgate de suas contribuições ou auto-patrocínio.

Em nossa opinião, o vesting não deveria excluir a portabilidade da maneira narrada acima, principalmente em razão da propalada e perseguida flexibilidade do sistema. E mais, entendemos que, observadas as devidas particularidades, o modelo americano poderia servir como orientação ao regime brasileiro neste particular.

Evidentemente, não podemos descartar desta nossa análise a situação atualmente vivenciada pelos fundos de pensão das empresas estatais. Neste caso, é inegável que, se a portabilidade e o vesting forem aplicados na forma aqui proposta (sem exclusão recíproca), no curto e no médio prazos os fundos de pensão estatais poderão sofrer enormes impactos financeiros em virtude da freqüente mobilidade de trabalho, motivada principalmente pelo crescente número de programas de demissão voluntária em implementação.

Certamente, não foi o intuito da nova lei criar problemas de solvência para os fundos, pois “o remédio não pode matar o doente”. De qualquer modo, esperamos que o decreto regulamentador traga uma solução sensível e equilibrada para esta problemática e dissipe a incerteza existente no mercado.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!