Negócios cibernéticos precisam de legislação com urgência
16 de abril de 2001, 16h45
A doutrina, com relação ao crédito propriamente dito, tem realçado o fato de que este não cria riqueza já que sua função precípua é a de fomentar a circulação de bens e riquezas com a injeção de recursos antecipados em toda a atividade econômica.
Por outro lado, o crédito apresenta elementos que lhes são intrínsecos, como a confiança e o tempo. Sob a acepção jurídica do termo, o crédito “consiste no direito à prestação do devedor” (1). Na prática do comércio, as operações realizadas em que envolvem o crédito concentram-se em instituições financeiras e bancos, na sua grande maioria pela simples razão de que estes órgãos têm o monopólio da guarda e aplicação do dinheiro.
Explica-nos Bulgarelli que as operações de crédito, hoje, são variáveis e existem em várias modalidades, mas acabam por exaurirem-se nas operações ditas de “financiamento”. Diz ainda esse autor: “pode-se dizer que a principal operação processada é de financiamento, que se desdobra em empréstimos e para aquisição de bens a prazo. Portanto, do mútuo e da compra e venda a prazo decorrem a grande massa dos créditos, surgindo então os títulos de crédito como desdobramento desses contratos, assegurando o meio de fazer circular os créditos, com rapidez e certeza” (2).
Ressalte-se que, como bem diz Ilene Patrícia de Noronha, (3) no texto “Aspectos Jurídicos da Negociação de Valores Mobiliários Via Internet”, os avanços que se operaram na era digital fizeram com que as relações do mundo globalizado se estreitassem em todas as áreas praticamente. A dependência do mundo virtual é hoje uma realidade irrefutável.
Relativamente ao tratamento jurídico a todo esse processo, o que se encontra hoje é uma absoluta falta de legislação para a regulamentação dessa nova “sociedade de informação” (4). Nosso código comercial data de 1850 e o código civil é de 1916, como é notório. Nessa época não podia o legislador prever que existiriam institutos tão sofisticados como os registros eletrônicos de hoje.
Enquanto o legislador pátrio não estabelecer tal regulamentação o Judiciário, como obviamente não pode furtar-se da tarefa de decidir e oferecer a resposta jurisdicional para pôr fim a lide, terá que se valer subsidiariamente daqueles diplomas legais. E o julgador terá a difícil missão de adequar toda essa “realidade virtual” ao processo.
O chamado comércio eletrônico promete ser em poucos anos a principal forma de negociação entre as grandes empresas, tanto em nível do Brasil como no próprio comércio exterior. Para o desenvolvimento mais seguro de todos esses negócios jurídicos cibernéticos faz-se mister a criação de uma nova e adequada legislação comercial.
Outro tema que, com certeza, será objeto de muita discussão em nível científico e doutrinário será o relativo à natureza jurídica desses atos praticados através dos meios eletrônicos ou mesmo pela internet. Seria um ato complexo? Ou ato comum?
O desenvolvimento e aperfeiçoamento da velocidade na rede mundial de computadores, por outro lado, está permitindo que as instituições financeiras coloquem seus serviços “on line”, isto é, o usuário tem a facilidade de transferências de valores, de ações etc., de sua própria residência, sem a necessidade de locomover-se até os bancos ou corretoras. Muitas corretoras de valores estão interligadas aos sistemas da Bovespa permitindo, com isso, que o investidor, pela internet, efetive a compra e venda de ações.
Por outro lado, após o advento da lei 8.021/90, as ações passaram a ser necessariamente nominativas, com indicação do nome do proprietário e suas transferências se dão mediante termo lavrado no livro de Registro de ações nominativas. Ilene Patrícia de Noronha (5) salienta que a indústria de valores mobiliários sempre buscou a competitividade em matéria de tecnologia. De fato, para esta autora, citando o exemplo da debênture escritural, esta não teria o requisito da cartularidade, já que nem mesmo seriam representadas materialmente, não passando de “meros registros eletrônicos. Salienta, não obstante, a autora citada que a CVM do Brasil ainda não regulamentou a negociação mobiliária eletrônica nem a atividade da chamada “corretora Home Broker”. O grande empecilho é justamente a confiabilidade do uso das assinaturas digitais.
No direito comparado, a título de exemplo, nota-se que os países da América Latina começam agora a se valerem de tecnologias sofisticadas como é o caso da Argentina em que a Comissão Nacional de Valores, por Resolução, a “Resolutión General” nº 345/99 regulamentou o uso da internet para a negociação de valores mobiliários.
Segundo doutrina ainda Ilene Patríciade Noronha: “Essa norma Argentina considerou os mais vários fatores como: a conveniência de atualizar os meios pelos quais as informações societárias devem ser disponibilizadas aos acionistas e investidores em geral; a idoneidade dos procedimentos de firma digital (com relação à criptografia com o uso de chave pública) para a informação e substituição do suporte de papel; a incorporação da tecnologia da firma digital aos processos do setor público e, ainda, o desenvolvimento de um “site” interativo, na internet,da Comissão nacional de Valores, não somente para uso do mercado mas da própria Comissão,na medida em que essa realiza registros, analisa documentos, tudo feito, frise-se eletronicamente” (6).
A nossa Bolsa de valores vem fazendo esforços no sentido de regulamentação da atividade do home broker. Como se sabe as bolsas de valores são órgãos auxiliares da CVM na fiscalização do mercado, nos termos do art. 17 da lei 6.385/76. A auto-regulação das bolsas de valores é entendida como uma atividade delegada do Poder Público (7). Também regulamentou recentemente o chamado “pregão virtual”, através de um sistema de negociação eletrônico (8).
Questão da segurança no “comércio virtual” – A chamada criptografia assimétrica
Com relação à segurança em suportes magnéticos e eletrônicos, em 1976, criou-se uma técnica conhecida por criptografia assimétrica ou – como também é chamada – criptografia de chave pública, possibilitando abrir-se um precedente no meio jurídico para o início da conscientização do conceito de documento eletrônico, particularizando-o do tradicional conceito de documento, que sempre foi corporificado no meio papel. A criptografia usual se vale da mesma “chave” para codificar (“encriptar”) e decodificar (“decriptar”) o documento eletrônico. Por outro lado, a chamada criptografia assimétrica utiliza não apenas uma, mas duas chaves. Uma delas somente o usuário (particular) do sistema conhece; a outra é de domínio público (public domain). Todos esses instrumento e cuidados visam, como é óbvio, garantir maior segurança ao usuário do sistema.
Com essa técnica é possível gerar assinaturas pessoais de documentos eletrônicos, uma vez que a “chave particular do usuário” é difícil ser violada. As assinaturas digitais geradas desta forma acabam por vincularem-se ao próprio documento eletrônico que, ante a menor alteração, a assinatura se torna inválida. Com isso permite-se apontar a autoria do documento, evitando-se ou, pelo menos, minorando a possibilidade de fraudes no meio eletrônico. É verdade que por não estarem vinculados aos meios em que foram gravados, os documentos eletrônicos podem ser alterados, sem deixar qualquer vestígio.
O suporte de gravação dos documentos eletrônicos é passível de alteração sem que se deixem vestígios. Não obstante, como afirmam certos autores, é justamente esta característica que têm os documentos eletrônicos, isto é, em razão de não dependerem do meio em que forem criados, é o que lhes fornecem a flexibilidade necessária, que demanda a grande velocidade das comunicações mundiais da atualidade e de transmissão de dados, principalmente pela internet.
A assinatura digital é obtida através de uma complexa operação matemática, tendo como componentes dois elementos: o documento eletrônico e a chave privada. Esta última, somente é de conhecimento do usuário do sistema.
Relativamente ao problema da conferência de assinaturas, diferentemente do que se dá com a conferência de documentos comuns (meio papel), a conferência da assinatura digital é feita com o uso da chave pública (public domain), que se compara com a chave privada: a alteração do documento (“fraude”) pode ser verificada se ao comparar-se os documentos não ocorrer perfeito sincronismo das resultantes matemáticas.
Os dados que circulam pela internet podem ser acessados por pessoas que tenham um mínimo de informação e conhecimento de informática. A insegurança desse ambiente tem trazido uma série de problemas em todo o mundo e a inexistência de normas que garantam prejuízos eventuais dos usuários corrobora para esse verdadeiro “caos” digital.
É de fundamental relevo para que possa continuar a expansão desse surpreendente setor que, ao menos na área contratual e da circulação de crédito, o consumidor possa ter um arrimo legal em caso de eventuais invasões de “hackers”. O direito do consumidor há de prevalecer tanto no âmbito do direito contratual tradicional quanto nos casos que envolvem as chamadas “transações virtuais”.
Outro problema que tem causado inúmeros prejuízos, em milhares de dólares, são os chamados “cavalos de tróia’. Como bem diz Arthur José Concerino (9), no texto “Internet e segurança são compatíveis” ressalva que: “hoje em dia com a quantidade de “Trojan Horses” (cavalos de tróia) que estão de forma assustadora tão disseminados na rede, fica muito fácil promover uma invasão a um computador, mesmo não sendo um ás da informática. Isso em conseqüência do desconhecimento da maioria dos usuários , que continuam recebendo arquivos via ICQ ou e-mail (até mesmo através de disquetes contaminados) de qualquer emissor, clicando em tudo que recebem sem qualquer preocupação de saber se a origem é confiável, dentando assim sua ingenuidade. Outro fato preponderante nos desavisados, são os downloads de programas em Home Pages maliciosas, pois o internauta tem por costume fazer uso indiscriminado de aplicativos sem tomar o mínimo cuidado com o que estão trazendo para dentro de suas máquinas”.
Para falarmos hoje em dia sobre internet e cibernética e buscar um nexo ou harmonia com o ordenamento jurídico torna-se tarefa árdua e muitas vezes intranqüila. Cabe dessarte ao pesquisador colacionar dados e reunir evidências científicas no intuito de se mostrar à comunidade científica e ao legislador a necessidade de adequação do ordenamento jurídico à nova realidade fática discutida e devidamente demonstrada, com construção científica.
O tema a respeitos dos contratos eletrônicos ou virtuais e a conseqüente tributação nos negócios jurídicos “on line” é muito recente tanto em nível de doutrina nacional como no direito comparado.É de fundamental relevo científico a exploração desses novos conceitos e sua repercussão na área jurídica. Com os chamados meios eletrônicos visualiza-se uma tendência de se abandonar aos poucos aqueles conceitos tidos como imutáveis e intangíveis. O direito comercial, como ciência jurídica, é necessariamente dinâmico, sendo certo que é muito importante que seus institutos não fiquem na absoluta dependência do direito posto ou na inexistência de regulamentação dos vários institutos jurídicos que o compõem.
A existência de documentos eletrônicos, da substituição paulatina do meio papel pelo eletrônico ou virtual é uma realidade presente e incontestável sendo certo que é dever do jurista explorar institutos novos que ainda não foram objetos de amplo estudo sob a ótica científica.
O crédito hoje, diferentemente do início da década passada, flui através da grande rede (“WEB”) de forma espantosa. A presença física dos contratantes de conta corrente em instituições financeiras é prescindível, à medida que as transações podem ser feitas de maneira confiável e incrivelmente rápida, via modem, isto é, via internet. Outros instrumentos que estão servindo de alavancas para a fluidez do crédito são os contratos eletrônicos, que também carecem de regulamentação específica no direito pátrio.Não obstante essas fantásticas inovações virtuais, a legislação parece não ter acompanhado tal evolução. Praticamente inexistem obras a respeito do assunto abordado.
Desta forma, temos como conclusão que torna-se imprescindível ao desenvolvimento do “e-commerce” ou comércio virtual que regras sejam estabelecidas. É de fundamental importância a criação urgente de normas reguladoras e de definições legais a respeito do tema, posto que inexistem hoje em termos legislativos no Brasil.
Notas de rodapé
1 – Waldirio Bulgarelli. Títulos de Crédito. p 22 e ss.
2 – Ibid. Mesma página.
3 – Direito & Internet – Aspectos jurídicos Relevantes, p. 177
4 – Ibid. Mesma página.
5 – Op. Cit. p. 185
6 – Op. Cit. p. 187
7 – As atividades das Corretoras e das próprias Bolsas de valores estão disciplinadas pelas Resoluções de n. 1.655/89 e n. 2690/2000 e que foram editadas pelo Conselho Monetário Nacional o CMN.
8 – O site da Bovespa é: http: //www.bovespa.com.Br
9 – Direito & Internet – Aspectos jurídicos Relevantes, p. 133
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