Advogado defende que MP não pode assumir papel do fisco
12 de outubro de 2000, 23h00
Autoridades do Ministério da Fazenda anunciaram que foram identificadas contas bancárias registrando expressivo volume de operações financeiras, com significativos recolhimentos da CPMF, enquanto seus titulares não teriam recolhido qualquer quantia a título de imposto de renda. Isso revelaria sonegação fiscal, com o que o Ministério Público Federal estaria disposto a pedir a quebra do sigilo bancário desses contribuintes, para que tal ilícito pudesse ser apurado e essas pessoas sejam autuadas fiscalmente e processadas criminalmente.
Na verdade, movimentação financeira, embora constitua fato gerador da CPMF, não indica que esteja ocorrendo a hipótese de incidência do imposto de renda, seja na pessoa física ou na jurídica. Em relação à pessoa física, a constatação pode, quando muito, ensejar a presunção de rendimentos, o que autoriza o início de um procedimento fiscal visando a apuração de dados concretos, inclusive relacionados com os chamados “sinais exteriores de riqueza”. Quanto à pessoa jurídica, movimentação financeira em nada interfere no lucro, enquanto o fato gerador do imposto de renda é a existência de lucro tributável, sendo muito comum que uma empresa, embora possua grande movimento financeiro, apresente prejuízos e nada deva recolher de imposto.
Por tudo isso, podemos afirmar que um lançamento de imposto de renda baseado apenas em movimentação financeira é absolutamente incorreto, por ser apenas presunção, suposição ou indício. Há uma farta jurisprudência tanto na esfera administrativa quanto na judicial, no sentido de ser ilegal o lançamento baseado em presunção ou apenas em movimentação financeira.
O antigo Tribunal Federal de Recursos chegou mesmo a editar a Súmula 182 do seguinte teor: “É ilegítimo o lançamento do Imposto de Renda arbitrado com base apenas em extratos ou depósitos bancários.” O Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda também decidiu que “Não cabe a tributação por arbitramento de lucro com base exclusiva em depósitos bancários.”
Quanto à presunção de rendimentos, também é pacífica a jurisprudência no sentido de que “Indício ou presunção não podem por si só caracterizar o crédito tributário”, que “Para efeitos legais não se admite como débito fiscal o apurado por simples dedução.” ( 2º Conselho de Contribuintes) ou ainda que “Provas somente indiciárias não são base suficiente para a tributação…” (Primeiro Conselho de Contribuintes).
Também é pacífico que “Qualquer lançamento ou multa, com fundamento apenas em dúvida ou suspeição é nulo, pois não se pode presumir a fraude que, necessáriamente, deverá ser demonstrada” (Tribunal Federal de Recursos).
Para que o sigilo bancário de alguém, seja pessoa física ou jurídica , possa ser rompido, há de haver autorização judicial, à vista da garantia contida no inciso X do artigo 5º da Constituição. . Essa autorização poderá ser pedida pela Procuradoria da Fazenda Nacional, mas somente após a abertura de um procedimento fiscal e desde que o contribuinte seja intimado para acompanhar as diligências, onde sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, princípios também assegurados pelo mesmo artigo da Carta Magna, no inciso LV. Não existe, em nosso entendimento, nenhuma legitimidade ativa do Ministério Público Federal para, a pretexto da existência de indícios de crime de sonegação fiscal, pedir a abertura de contas bancárias. Por outro lado, a investigação de crimes não é matéria afeita ao MP, mas à Polícia Federal, nesse caso. E para que uma investigação possa ter início é indispensável a representação, que terá base em expediente administrativo iniciado pelo Fisco.
Veja-se que a movimentação financeira , quando superior à renda declarada pelo contribuinte, pode ter inúmeras explicações. Por exemplo: os administradores de bens de terceiros, e até mesmo os advogados, podem receber depósitos em suas contas bancárias de valores que não lhes pertencem e dos quais são obrigados a prestar contas. O trânsito de recursos financeiros pelas suas contas em nada interfere no seu imposto de renda. O fato gerador do imposto é a aquisição da disponibilidade ou seja, é indispensavel que os recursos sejam AUFERIDOS pelo contribuite, não apenas que eventualmente transitem pelas suas contas bancárias. Além disso, existem certas situações em que a pessoa física pode fazer retiradas de importâncias que depois voltam às suas contas, sem que se faça qualquer transação econômica ou qualquer fato gerador de imposto.
Por tudo isso, é totalmente equivocada a idéia de que, com base em movimentação financeira, alguém possa ser tributado pelo imposto de renda. E mais equivocada ainda é a idéia de que o MP possa investigar crimes fiscais sem que haja lançamento de tributo, sendo certo que o lançamento é privativo do auditor da Receita Federal. Promotores não são fiscais nem policiais e o Brasil ainda é um Estado Democrático de Direito, onde a Constituição garante os direitos individuais, dentre os quais os relacionados com o sigilo. Ao que tudo indica, as manifestações da Receita e do MP, no presente caso, são apenas factóides de interesse mercadológico.
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