Artigo: tribunais inovam princípios da responsabilidade civil
6 de junho de 2000, 0h00
1. Já acentuava o emérito Prof. RENÉ DAVID, em seu “Traité Élémentaire de Droit Civil Comparé”, LGDJ, Paris, 1950, págs. 126/27, o papel decisivo exercido pela jurisprudência em determinados setores do Direito, buscando adaptá-lo a novas tendências e forças criadoras, máxime no campo da responsabilidade civil, no que fazia coro à idêntica opinião de Salleiles, Josserand e Lambert. A ela se deve toda a evolução do Direito Civil francês, com base em concepções mais avançadas, a partir da presunção da culpa e de suas raízes no risco.
Diga-se o mesmo no tocante ao Direito brasileiro, no qual os autores são uníssonos em que, a despeito de leis que, após a vigência do Código Civil, agasalharam a responsabilização com esteio naquelas concepções, isso deveu-se sobretudo à elaboração inovadora dos tribunais brasileiros, de sua própria Suprema Corte, ao edificá-la com fundamento em novos princípios.
Evoque-se, a exemplo, a Súmula nº 341, ao firmar a responsabilidade civil do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto, de todos conhecida.
Deve-se, pois, à criativa elaboração dos juízes nacionais o verdadeiro Direito da Responsabilidade Civil.
2. Por isso mesmo, sempre atentos aos reclamos da realidade e sensíveis aos apelos de segurança e garantia, que se encontram sempre na base da responsabilidade civil, a par de clamar por Justiça comutativa fundada igualmente no dever de conduta, que a cada homem se impõe no meio social, ela vai evoluindo, em resposta a estas exigências.
3. Pode-se, assim, dizer que, sobretudo no que respeita a nosso País, os tribunais têm atendido – e a contento – ao repto de orientar-se no vértice daqueles valores para compor os conflitos de interesses surgidos em uma sociedade que passa velozmente de estágios culturais associados à produção econômica, agrária e industrial incipiente para formas modernas de utilização do solo, de concentrações urbanas e de desenvolvimento das
atividades econômicas, associadas aos mais modernos meios de comunicação.
4. Neste ponto, também não poderia a responsabilidade civil conter-se nos restritos propósitos de outrora, de contentar-se com a reparação do dano, fundada ou não na culpa.
Conceitos modernos instilam-se. Na sociedade de massas, em que o homem se vê sob a iminência do risco a todo momento, apenas por nela viver, seja pelo consumo de bens, de produção alimentar e outros, quer por efeito das atividades e serviços prestados em larga escala (produção industrial, energia, transportes etc.), sem cogitar-se da preservação dos direitos inerentes à sua condição existencial física e espiritual (ofensa aos direitos da personalidade), a responsabilidade civil ganha novos contornos e propósitos.
Não basta tão só reparar, mas, para a segurança e tranqüilidade almejadas, importa mais prevenir. Sua função vai-se deslocando, deste modo, da exclusiva função ressarcitória, em que o princípio da equivalência, o mais das vezes predomina, para a de evitar o dano, atuando como verdadeiro fator de precaução.
Às indenizações, que não devem ultrapassar o nível de suportabilidade de toda uma economia, sob pena de comprometer as bases da evolução social (concepção dos riscos e benefícios, presente na Análise Econômica do Direito), não é suficiente que sejam prestadas, ocorrido o dano, em sua medida. Sequer o seguro, mesmo obrigatório, pela repartição, em última análise, do prêmio, à feição de tributo, entre todos os membros do corpo social, atinge, por completo, o novo desiderato.
A indenização obedece, igualmente, ao princípio de preveni-lo, impondo receio aos agentes que possam causá-lo e, por via de conseqüência, restabelecendo o primado de condutas e comportamentos fundados em valores consentâneos com salutar convivência social.
Esta erige-se, pois, em uma das perspectivas da responsabilidade civil, que, bem aplicada, converte-se em poderoso instrumento de valorização ética do comportamento humano.
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