Justiça nega candidatura a Fernando Collor de Mello
4 de agosto de 2000, 13h39
O juiz José Percival Albano Nogueira Júnior, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo indeferiu, nesta sexta-feira (4/8), o registro de candidatura a Fernando Collor de Mello para a prefeitura de São Paulo.
A decisão foi tomada em resposta a três representações apresentadas pelo PSDB, pelo PSTU e pelo candidato do PPB, Paulo Maluf.
Collor de Mello deve recorrer, agora, ao Tribunal Regional Eleitoral.
Ontem, o mesmo juiz já havia deferido os pedidos de registro dos candidatos Geraldo Alckmin (PSDB), Luiza Erundina (PSB), Marta Suplicy (PT), Paulo Maluf (PPB) e Romeu Tuma (PFL). O juiz rejeitou as impugnações formuladas pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) contra esses cinco candidatos.
Leia os principais trechos da decisão de indeferimento da candidatura de Collor
“Quanto à preliminar argüida, a inclusão do candidato a vice no pólo passivo como litisconsorte necessário foi determinada porque apesar do eventual acolhimento das impugnações ao cabeça da chapa não o atingir diretamente pois seriam baseadas em condições pessoais daquele (PEDRO HENRIQUE TÁVORA NIESS, “Direitos Políticos”, EDIPRO, 2º ed., 2.000, pág. 196), não deixam de atingir a chapa como um todo (não há candidatura isolada a vice).
Além disso, não se vislumbra qualquer prejuízo com a manutenção do candidato a vice no pólo passivo, inexistindo motivo para a exclusão.
No mérito, inicialmente cumpre deixar aqui registrado que a tormentosa matéria objeto da lide mereceria, por sua natureza, digressões muito mais extensas do que as trazidas na fundamentação a seguir; todavia a exigüidade do prazo (três dias) determinado no artigo 8º, caput, da LC 64/90 para prolação da decisão, (própria aliás da celeridade que caracteriza os procedimentos eleitorais) impõe que tal exame se faça com rapidez e objetividade.
E a dita matéria é tormentosa seja pelo seu quase ineditismo, seja pela repercussão do caso concreto, pois envolve a pretensão de um indivíduo que já ocupou o mais alto cargo político da Nação e aspira assumir a Prefeitura da maior cidade da América Latina.
Feitas estas breves, mas necessárias, considerações iniciais, cabe invocar, para começo da discussão do mérito propriamente dito, o seguinte trecho do opúsculo denominado “INELEGIBILIDADE E INABILITAÇÃO NO DIREITO ELEITORAL”, de Adriano Soares da Costa:
“O Direito Eleitoral padece ainda de uma maior sedimentação conceptual dos seus institutos, sendo eles tratados de maneira muitas vezes movediça. Se formos analisar a origem dessa realidade pouco confortante, haveremos de flagrar a inexistência, na maioria das faculdades de Direito, de uma cadeira destinada a estudá-los, além do fato de que as eleições se realizam a cada biênio, havendo assim um lapso temporal de aplicação mais constante das normas eleitorais. Sem embargo desses aspectos cruciais, a verdade é que o Direito Eleitoral é um ramo jurídico responsável pelo estudo e reflexão de um plexo relevantíssimo de normas, princípios e institutos, vez que sem eles não haveria como se praticar a democracia, consolidando a participação política dos nacionais, no exercício salutar de sua cidadania. (…)
Com essa explosão, em todo o País, de processos de impeachment de governantes ímprobos, bem como de processos criminais contra Prefeitos Municipais, a questão da inabilitação, antes de pouco interesse teórico e prático, passou a ganhar assomado relevo, iniciando por ocupar a preocupação dos operadores do Direito (advogados, promotores e magistrados), os quais tiveram que discutir sobre tal instituto sem qualquer lastro teórico prévio, eis que sobre ele nada havia ainda sido sistematicamente escrito. Assim, o tema passou a ser tratado sob a urgência das decisões judiciais, sendo discutido sob os condicionamentos dos casos concretos em que ele foi suscitado, o que tem gerado, por isso mesmo, certa perplexidade, mercê da falta de isenção de ânimo no seu estudo.
A nossa preocupação, nesse texto teórico, é responder algumas questões que têm sido constantemente postas quando se discute sobre a inabilitação, além de outras tantas, as quais, por não terem sido postas, condicionaram negativamente a reflexão sobre as primeiras. Assim, tem-se discutido sobre se a inabilitação para o exercício da função pública, aplicada ao Presidente da República contra o qual seja julgada procedente a acusação de crime de responsabilidade, e prevista no art.52, parágrafo único da CF/88, seria aplicável para todos os cargos (eletivos e de nomeação), ou se os cargos eletivos estariam fora desse preceito.
Outrossim, indaga-se sobre o que seja função pública, para efeito de aplicação dessa norma, vez que o termo é indeterminado, podendo possuir várias conotações” (texto baseado em palestra proferida no 1º Congresso Centro-Sul de Direito Eleitoral, realizado em Campo Grande (MS) dos dias 03 a 05 de junho de 1.998; disponível na Internet no seguinte endereço eletrônico www.jus.com.br/doutrina/ineginab.html).
(…)
Isso porque é fato incontroverso que o candidato impugnado não sofreu com o impeachment perda ou suspensão dos direitos políticos, mas restrição específica consistente na inabilitação temporária (por oito anos) para exercer função pública, pena essa prevista no artigo 52, caput, inciso I e parágrafo único, da Constituição Federal, verbis :
“Compete privativamente ao Senado Federal :
I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, (…).
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
Dessa forma, sofreu naquela ocasião o ex-Presidente Collor a penalidade acima aludida, que é específica para a especialíssima hipótese nela prevista, dada a importância excepcional do cargo (sendo até chamado seu ocupante de mais alto magistrado da Nação).
E toda essa importância foi levada em consideração quando se normatizou o instituto do impeachment, destinado a banir da vida pública quem, ocupando tão transcendental posição, vem a ter conduta deletéria a ponto de exigir punição correspondente à sua magnitude.
Em assim sendo, não é exagerado comparar o aludido instituto ao ostracismo da Grécia Antiga ou ao degredo. Lá, como cá, a intenção foi afastar o condenado da vida pública, só podendo a ela retornar quando cumprida integralmente a pena imposta.
Em suma, o impeachment não deixa de ser um banimento, ficando o por ele alcançado banido da vida pública enquanto durar a penalidade cominada. O eminente doutrinador PINTO FERREIRA, em seus “Comentários à Constituição Brasileira” chega a qualificar esse banido como “desqualificado funcional”.
Aliás, o próprio candidato impugnado admite expressamente que não pode concorrer a cargo eletivo no período dessa sanção (primeira linha de fls.136). Busca ele, todavia, contornar essa inabilitação com o argumento de que o exercício da função pública só se dará na posse, a qual ocorrerá em janeiro de 2001, quando já encerrado o período da restrição.
Tal alegação, embora aparentemente relevante, na realidade não convence, por duas razões principais.
Primeiro, porque o candidato Fernando Collor pretende com essa alegação cindir, artificiosamente, o processo eleitoral, que na verdade é uno, embora tenha várias fases, em duas partes estanques e incomunicáveis (eleição e posse), como se pudesse haver uma habilitação para concorrer (o registro da candidatura) e outra para tomar posse (exercer o cargo) e que os pressupostos de uma e outra não fossem na essência de uma mesma origem.
Na verdade, o processo eleitoral se inicia com o alistamento e se encerra com a diplomação dos eleitos. Esse é o interstício de competência da Justiça Eleitoral. A posse é mero exaurimento desse processo e fato a ele irrelevante, pois entregues os diplomas extingue-se a função jurisdicional própria da Justiça Eleitoral, ficando os eleitos e diplomados habilitados ao exercício da função.
No presente caso, a diplomação tem de ser feita, conforme determinação com força de lei da Resolução nº 20.506 do E. TSE (de 18.11.99), até o dia 19 de dezembro de 2.000, data em que o candidato impugnado ainda estará cumprindo sua pena de inabilitação para exercício de função pública.
Nem se alegue que a diplomação seria mero ato administrativo, pois na verdade, como já dito acima, ela é o marco final e solene do processo eleitoral. É o coroamento desse processo. A posse sim pode ser considerada simples ato administrativo, que pontua o início efetivo do exercício do cargo para o qual o agente já estava, repita-se, habilitado ao ser diplomado.
Tanto isso é verdade que da diplomação dimanam conseqüências inclusive constitucionais, gerando direitos e deveres aos diplomados, como bem demonstrado no item 3.5 da impugnação da Coligação Respeito por São Paulo (arts. 53 e 54 da CF).
Na esteira desse entendimento, fica evidente que o preenchimento das condições de elegibilidade e a não incidência em causas de inelegibilidade hão de ser aferidos quando da apreciação do pedido de registro de candidatura e não tendo em conta a ocorrência de fato futuro e incerto, qual seja, a posse do postulante ao cargo como conseqüência de sua vitória no pleito.
Nesse sentido é o entendimento doutrinário de Adriano Soares da Costa, no texto já acima mencionado, no qual consta expressamente que “são condições de elegibilidade todos os pressupostos, constitucionais ou infraconstitucionais, que o ordenamento jurídico crie para a concessão do registro de candidatura, os quais devem estar presentes impreterivelmente na oportunidade do pedido de registro” (op.cit.; grifos do próprio texto).
Hipótese assemelhada já enfrentou o C. Tribunal Superior Eleitoral (e por isso foi dito acima que a matéria aqui em debate é quase inédita) ao julgar o Recurso Especial Eleitoral nº 13.431 – Mato Grosso do Sul em v. aresto com a seguinte ementa :
“Inelegibilidade. Momento. Pedido de registro. É por tal ocasião que o candidato há de reunir os requisitos necessários para postular cargo eletivo, de modo que é ele inelegível se o triênio do art.1º, inciso I, letra e da LC nº 64/90 não se esgotou quando do pedido de registro, embora venha a se esgotar antes das eleições. Precedente do TSE : Respe – 14.693. Recurso especial não conhecido” (relator Min. NILSON NAVES, v.u., julg. em 05.11.96; grifos nossos).
No mesmo sentido, da mesma Augusta Corte, podemos citar ainda outro julgado recente, em cuja ementa consta na parte final o seguinte : “Os requisitos para registro de candidatura são apreciados à luz dos fatos correntes na fase de registro e as decisões definitivas são dotadas de executoriedade autônoma (precedente Ac.15.182)” (Recurso Especial Eleitoral nº 15.209 – MG, relator Min. EDUARDO ALCKMIN, v.u., julg. em 02.06.98, publ. in D.J.U. de 26.06.98; grifos nossos).
No contexto dessa posição doutrinária e pretoriana, não resta sombra de dúvida que o pedido de registro de candidatura integra o processo eleitoral como um todo, no qual agem diversas esferas de atuação dos Poderes Públicos, sendo inegável que o complexo dessas atuações tem caráter público. E aqui chegamos à segunda razão pela qual a posição do candidato impugnado é insustentável. Afirma ele, com apoio nos ilustres pareceristas mencionados em sua contestação, que candidato não exerce função pública.
Embora respeitando essa opinião, na verdade discrepa ela totalmente do melhor direito, pois restringe e limita demasiadamente o conceito de “função pública”. Ensinam os doutos que função pública é o plexo de atribuições (somatório de faculdades e deveres) de quem exerce cargo público, mandato eletivo, emprego público ou munus público. Assim, embora a todo cargo ou emprego público correspondam algumas funções públicas, nem toda função pública é exercida por quem esteja ocupando cargos ou empregos públicos. Como exemplo podemos mencionar o cidadão que exerce a função de jurado no Tribunal do Júri ou o que integra Mesa Receptora de votos no dia das eleições ou a Junta Eleitoral nas suas apurações.
Dessa maneira, o simples fato de o candidato não ter cargo nem emprego públicos (enquanto tal) não afasta o caráter público da função por ele exercida como tanto (praticar atos de campanha eleitoral, mostrando suas propostas, divulgando seu nome e angariando com isso a preferência de seus pares) durante o período eleitoral.
Não se olvide que o candidato tem uma série de direitos e deveres a observar durante o aludido período, não sendo correto reduzir toda essa gama de atividades de nítido caráter público, notadamente em razão do cargo pretendido, a uma atividade puramente privada.
Exemplificativamente, o candidato tem direito a ser tratado com igualdade em relação aos demais postulantes, direito de resposta quando ofendido pela (ou na) imprensa, direito de acesso gratuito a determinado tempo no rádio e na televisão etc. E tem obrigação, por exemplo, de na propaganda eleitoral não confundir o eleitor, não ofender os demais postulantes, não buscar captar a vontade do eleitor com oferta de bens materiais etc.
Inegável se dizer, pois, que o candidato exerce verdadeiro munus público, espécie do gênero “função pública”. Bem por isso é que a pessoa que sofre restrição consistente em inabilitação para exercício de função pública não pode, durante o período em que durar a restrição, se candidatar a cargo eletivo.
E como no caso concreto a pena de inabilitação imposta ao ex-presidente Collor está em curso, não pode ele agora querer ser candidato a nada, pois, como dito acima, o momento próprio para verificação das condições necessárias para tanto é o do registro da candidatura e não qualquer outro.
Sustenta também o candidato impugnado em sua defesa (itens 25 e 26 – fls.141) que estaria no pleno gozo dos seus direitos políticos mesmo durante o cumprimento da pena de inabilitação, tanto que transferiu seu domicílio eleitoral para esta Capital, exercendo com isso direito eminentemente político. A falácia desse argumento é flagrante, pois é evidente que a transferência de domicílio eleitoral só diz respeito à capacidade de votar, não implicando, em absoluto, na de ser votado.
Outro argumento falacioso invocado na contestação é o de que o acolhimento das impugnações implicaria ampliação da pena, tendo em vista a data das próximas eleições. Gritantemente falsa tal assertiva, pois no dia 1º de janeiro de 2.001 o Sr. Fernando Collor de Mello estará habilitado para exercer várias funções públicas. Poderá, por exemplo, ser jurado em Tribunal do Júri, exercer cargo em comissão (Secretário, Ministro de Estado), prestar concurso para qualquer cargo público para o qual seja qualificado etc. Só para mandato eletivo é que terá que aguardar 2002.
Mas como bem lembrou a Coligação impugnante (item 4.1 de fls.72) “o calendário da pena prevista no parágrafo único do art. 52 da Constituição Federal não pode ser definido ou delimitado pelas circunstâncias de um pleito eleitoral posterior à sua aplicação. A execução desta pena deve obediência à clara letra da lei, que não cede passo à conveniência ou ao casuísmo de uma coincidência de datas eleitorais”.
A respeito disso, o candidato impugnado também interpreta casuisticamente a Resolução nº 20.297 do TSE, ao entender que aquela d. decisão favoreceria sua atual pretensão. Ao contrário, ao examinar o tema específico o insigne relator daquele julgado (Min. EDUARDO RIBEIRO) afirmou expressamente: “Se não pode voltar ao cargo, durante certo tempo, a conclusão lógica é a de que, enquanto durar a incapacitação, para ele não poderá ser eleito”.
Não bastasse o já exposto acima, ainda há mais outra razão para não se conceder o registro da combatida candidatura. É que, reforçando o entendimento de que o candidato exerce munus público, deve ser observado ao longo de todo o processo eleitoral, dentre outros igualmente importantes, o princípio da moralidade administrativa.
Discorrendo a respeito do tema, JOSÉ AFONSO DA SILVA ensina que “as inelegibilidades têm por objeto proteger a probidade administrativa, a normalidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (art.14, § 9º). Entenda-se que a cláusula ‘contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função’ só se refere à normalidade e à legitimidade das eleições. Isso quer dizer que a ‘probidade administrativa’ e a ‘moralidade para o exercício do mandato’ são valores autônomos em relação àquela cláusula; não são protegidos contra a influência do poder econômico ou abuso de função etc., mas como valores em si mesmos dignos de proteção, porque a improbidade e imoralidade, aí, conspurcam só por si a lisura do processo eleitoral.” (“CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO”).
Cristalino se nos afigura que um candidato que tenha exercido o relevantíssimo cargo de Presidente da República e dele tenha sido apeado em virtude da prática de crime de responsabilidade e ainda esteja cumprindo a respectiva pena de inabilitação não ostenta vida pregressa impoluta o suficiente para que sua mera presença no decorrer do processo eleitoral não demonstre para o conjunto dos cidadãos que a disputa eleitoral está conspurcada pela improbidade e pela imoralidade, ínsitas nas condutas criminosas que causaram a dita restrição (inabilitação) e que potencialmente podem se repetir no mandato almejado com a candidatura.
Não se diga que tal postura indique revanchismo ou perseguição, pois na realidade busca ela apenas o exato e completo cumprimento da pena imposta e a defesa intransigente dos princípios éticos que devem conformar o Estado Democrático de Direito.
A esse respeito, pontifica o mestre JOSÉ AFONSO DA SILVA, no mesmo tópico da obra supra referida, ensinando que “As inelegibilidades possuem, assim, um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado. Demais, seu sentido ético correlaciona-se com a democracia, não podendo ser entendido como um moralismo desgarrado da base democrática do regime que se instaure”.
Cabem ainda, antes de encerrar, algumas observações sobre os demais argumentos esgrimidos na defesa apresentada pelo candidato impugnado. Diz ele que a inabilitação não obsta a elegibilidade (item 5 – fls.136), pois não envolve direitos políticos (item 20 – fls.140) e as hipóteses dos artigos 14 e 15 da Constituição Federal são taxativas, não podendo ser estendidas (itens 23 e 24 – fls.140/141).
Evidente a falta de razão. Como já se disse logo no início desta fundamentação, não se discute que Fernando Collor de Mello não perdeu seus direitos políticos nem os teve suspensos quando do impeachment. Sofreu “apenas” a restrição da inabilitação, que obsta, sim, a elegibilidade por envolver essa última o exercício de munus público (espécie do gênero “função pública”), vedado pela própria inabilitação.
Quanto ao fato da penalidade de inabilitação não estar incluída nas hipóteses dos citados dispositivos constitucionais (arts.14 e 15), parece-nos de flagrante obviedade que ela nunca poderia lá estar descrita, pois a matéria ali indicada é de caráter genérico enquanto a restrição consistente na inabilitação para exercer função pública é na espécie de caráter personalíssimo.
Ou seja, só o Presidente da República pode incidir no tipo legal descrito no artigo 52, inciso I e parágrafo único, da CF, enquanto que qualquer do povo pode ser analfabeto, não se alistar como eleitor, não se filiar a partido político, opor escusa íntima (religiosa ou política) a obrigação impositiva geral, ter sua naturalização cancelada por sentença definitiva, incidindo aí nas hipóteses dos aludidos artigos.
O fato do artigo 15 da Carta Magna prever algumas inelegibilidades não importa em que não possa ela própria, em lugar diverso, prever outras, mesmo porque, repita-se, as previsões do primeiro dispositivo são gerais e as do artigo 52 são específicas e personalíssimas para o ocupante do cargo de Presidente da República.
Aliás, cabe ressaltar que se Lei Complementar pode prever hipóteses de inelegibilidade (e ninguém discute que a LC 64/90 pode fazê-lo), não se vislumbra fundamento válido para sustentar que a própria Constituição Federal não possa o mesmo só porque em dispositivo (art.52) diverso dos referidos arts.14 e 15.
Importante aqui rechaçar a tese, defendida no parecer do ilustre Celso Bastos, de que tal ocupante, só por sê-lo (Presidente), tem privilégios que levariam a “suavizar” a pena de inabilitação.
Pelo contrário, se o exercício das graves e elevadas funções de Presidente da República por um lado dá a ele o privilégio de não perder ou ter suspensos seus direitos políticos em caso de eventual impeachment, por outro, nesse caso, o exercício indigno, pela desmoralização da imponente e majestática figura de Supremo Mandatário da Nação, causa tamanha repulsa da coletividade cidadã que transformam o inabilitado num verdadeiro “pária político”, um “desqualificado funcional” (nas palavras de Pinto Ferreira) que deve permanecer banido da vida pública até o cabal e integral cumprimento de sua pena, sob pena de sua simples presença no seio do corpo político, como postulante a qualquer cargo público, conspurcar irremediavelmente a imagem do respectivo certame postulatório (nas palavras de José Afonso da Silva).
Depois do cumprimento da pena, o julgamento será do eleitor, mas agora há de ser intransigente no respeito ao ordenamento jurídico, à moralidade e à probidade administrativas, à ética democrática enfim.
Portanto, por estar o candidato impugnado cumprindo pena de inabilitação para exercer função pública e por isso não poder exercer agora, nesta fase de registro de candidaturas (que é o momento certo de se averiguar restrições e/ou inelegibilidades), o munus público correspondente, é de rigor o acolhimento das impugnações.
Pelo exposto e pelo mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTE a presente ação de Impugnação de Registro de Candidato (proc.nº 91/2.000 – Feitos Administrativos), movida pelo P.S.T.U. – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, por PAULO SALIM MALUF e pela COLIGAÇÃO RESPEITO POR SÃO PAULO (PSDB, PTB, PV, PSD e PRP) contra FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO e, em conseqüência, INDEFIRO seu pedido de registro como candidato a Prefeito (proc. nº 194/2.000 – Reg. Cand.).
Considerando a possibilidade legal de substituição, a decisão a respeito do pedido de registro do postulante a vice-prefeito, JOSÉ LEVY FIDELIX DA CRUZ, haverá de ser feita após o correspondente pedido ou exaurido o prazo para isso.”
São Paulo, 04 de agosto de 2.000
JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA JÚNIOR
Juiz Eleitoral
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!