Permanência de animais em apartamento não é ilegal
18 de maio de 1999, 21h12
“Protejam os animais, pois eles possuem coração e sentimento, assim como nós.”(Sir Arthur Schopenhauer.)
É cediço que, desde os primórdios, o homem, pelos mais diversos motivos, procurou manter animais em seus alojamentos e sob sua guarda.
Com o tempo, o ser humano foi fixando-se em moradia, fato que o levou colocar em sua residência também seus animais.
Quando então resolveu-se unir as questões: “residência, segurança, comodidade e tranqüilidade” deparamos com o surgimento da “verticalização das residências”, aparecendo a figura do “apartamento em edifício coletivo”.
Entretanto, com aquele, surgiu um problema até então inesperado. O homem quis levar seus animais de estimação (cachorros, coelhos, gatos, peixes, aves, tartarugas etc.) para dentro de seu apartamento.
No entanto, a pretensão passou a encontrar obstáculo em face da existência de proibitivas ou impeditivas da permanência de animais em apartamentos, o que motivou inúmeras controvérsias que vieram a desaguar nos Tribunais.
É comum deparar-se corri estipulação na convenção condominial vedando a mantença de animais no apartamento.
Como resolver tal questão?
Procuraremos demonstrar neste estudo que, muito embora cada caso há de ser analisado de forma isolada, nem sempre impõe-se a retirada do animal do apartamento mesmo havendo norma expressa na convenção condominial.
A hipótese está prevista na Lei 4.591, de 16.12.1964 – “Dispõe sobre o Condomínio ( em Edificações e as Incorporações Imobiliárias”; no CC, arts. 554 e 555 – Dos Direitos da Vizinhança – Do Uso Nocivo da Propriedade; no Dec. Federal 24.645 de 10.07 na Declaração dos Direitos Humanos e na Jurisprudência.
Maria Helena Diniz, em sua obra Código Civil Anotado, Saraiva, 1.a ed., 1995, p. 425-427, ensina que:
“Segundo Daibert, direitos de vizinhança são limitações impostas por normas jurídicas a propriedades individuais com o escopo de conciliar interesse de propriedade de vizinhos reduzindo os poderes inerentes ao domínio e de modo a regular a convivência social. Mau uso da propriedade vizinha – O mau uso é o uso anormal do direito, que cause dano a alguém (CC, art. 159). Se prejuízo houver do exercício anormal de um direito, ultrapassando os limites impostos à zona da garantia de cada um, cabe ao prejudicado o direito de reação. O critério de mau uso é contingente. Para determiná-lo, será preciso levar em conta as circunstâncias de cada caso, averiguando o grau de tolerabilidade, invocando o uso e os costumes locais, examinando a natureza do incômodo e a pré-ocupação”.
A Lei 4.591 de 16.12.1964 estatui:
“Art. 10. É defeso a qualquer condômino:
III – destinar da unidade a utilização diversa da finalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos” .
Vilson Rodrigues Alves, em sua obra Uso Nocivo da Propriedade, Ed. RT, 1ª ed., 1.992, p. 286-315, ensina que:
“Uso da propriedade divisa nocivo à segurança, ao sossego e à saúde vizinha: o ter-se animais na unidade autônoma é questão que pode ser interpretada ora como uso nocivo da propriedade, ora como uso não-nocivo da propriedade”.
Ainda na doutrina, Lauro Laertes de Oliveira indicou quatro requisitos à não-nocividade do uso da propriedade versando: a) o pequeno porte; b) a boa saúde; c) a docilidade; d) a permanência na unidade autônoma.
Todavia, eles não bastam: uma araponga, com o canto de tonalidade irritante, e ela é ave notável pelo som metálico de seu canto, de pequeno porte, de boa saúde, dócil que permaneça no interior da unidade autônoma pode perfeitamente perturbar, de modo objetivamente intolerável, o sossego da vizinhança.
Efetivamente, o pequeno porte é de exigir-se, porque o só apresentar, o animal de grande porte, é iminência de lesão ao sossego e quiçá, à segurança.
Não se vê, nessa linha de raciocínio, o porquê de pretender-se não se tenha no apartamento pequeno cão, tartaruga, ou peixe de aquário, ainda que no regulamento se vede a permanência de animais nas unidades autônomas, se prejuízo algum trazem eles aos demais moradores do edifício.
A boa saúde explica-se como pressuposto ao não atingimento nocivo à saúde da vizinhança; a docilidade, à segurança e ao próprio sossego dela, a exemplo da permanência no interior da unidade autônoma, com a exceção das saídas necessárias, a passeios, v.g., e dentro do domínio imediato do dono.
A tais requisitos há de aderir-se o relativo à não-causação da lesão, efetiva ou iminente, à incolumidade dos demais vizinhos.
Caso contrário, é possível a invocação do art. 555 do CC, se o uso da propriedade se faz de modo nocivo à segurança.
As hipóteses de uso nocivo da propriedade, por ofensa ao sossego vizinho decorrente de vozes de animais, ocorre sobremaneira em se tratando de comunhão pro diviso em edifícios de apartamentos.
A simples voz do animal não é, por óbvio, espécie de uso nocivo da propriedade, porque hão de estar presentes os demais pressupostos”.
A revista Nosso Cão 07, ano 1, 1996, p. 16-19, abordando o tema com bastante clareza, afirma:
“O fato de se eleger como uma necessidade afetiva a presença de um animal de estimação como companheiro e também como membro da família e de mantê-lo dentro de casa ou da unidade habitacional privada é um Direito de Propriedade”.
Por sua vez, a Declaração dos Direitos Humanos, em seu art. 12, estatuí que:
“Ninguém está sujeito a interferência em sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques contra a sua honra ou reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.
Por outro lado, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, aprovada pela UNESCO, também não poderá ser violada, já que dispõe expressamente que:
Art. 2º (…)
b) O homem, como espécie animal, não poderá explorar os animais violando seus, direitos: tem obrigação de colocar seus conhecimentos, a sua inteligência a serviço dos animais.
c) Todo animal tem direito aos cuidados, a proteção e a atenção dos homens.
Art. 14º (…)
a) Os organismos de salvaguarda e proteção dos animais devem ter representação a nível governamental.
b) Os direitos do animal serão defendidos por lei, como os Direitos dos Homens.
Finalmente, o Dec. Federal 24.645 de 10.07.1934, estabelece medidas de proteção aos animais no Brasil, dispondo:
Art. 2º (…)
§ 3.º Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do MP, seus substitutos legais e pelos membros das Sociedades Protetoras dos Animais.
Art. 16. As autoridades federais, estaduais e municipais prestarão aos membros das Sociedades Protetoras dos Animais a cooperação necessária para fazer cumprir a presente Lei.
“É universalmente proclamado que ‘o respeito aos animais pelo homem está diretamente relacionado com o respeito dos homens entre si’ (Preâmbulo dos Direitos Universais dos Animais – ONU – UNESCO), o que eqüivale dizer que o ser humano está mais ou menos preparado para conviver com seus próprios semelhantes, na medida em que for capaz de respeitar e reconhecer os direitos dos seres menores, como dos animais”.
A convenção condominial, embora represente a vontade dos proprietários das unidades autônomas, não pode trazer em seu bojo a proibição de se ter animais em apartamento, porque assim estará a violar o direito de propriedade que cada condômino possui.
Admite-se que um regulamento interno de condomínio possa preocupar-se em assegurar que animais não permaneçam nas dependências dos prédios (isto é, fora da unidade habitacional do proprietário), ou que venham a constituir perigo para a segurança ou o sossego dos demais condôminos.
Desde que esteja na companhia de seu dono, seu responsável direto, o animal poderá entrar e sair do prédio, apenas não podendo permanecer fora do apartamento do dono.
Ainda há grande atraso em nosso país quanto à compreensão dos direitos que os animais têm à vida e ao espaço no universo, o que é garantido por lei em todo centro civilizado.
Nos EUA a consciência formada a esse respeito é tão grande, que as pessoas devem registrar seus animais, e, nesse ato, o animal recebe o sobrenome da família, como novo membro da comunidade.
Na França, a Lei 70.598, de 09.07.1970, passou a considerar não escrita toda cláusula que objetivasse interditar a permanência de animais domésticos nas residências, excetuando, quando tal presença prejudique, de qualquer forma, a higiene, salubridade ou sossego dos demais moradores do edifício.
Os demais doutrinadores brasileiros também mostram-se sensíveis ao tema, tanto que o assunto tem sido abordado em inúmeras oportunidades.
J. Nascimento Franco e Nisske Gondo, em sua obra Condomínios em Edifícios, 4.ª ed., Ed. RT, p. 220/22, ensinam que:
“Outro problema que tem originado azedas controvérsias entre condôminos é o da presença de animais domésticos nos apartamentos. Em geral, as Convenções de Condomínio a proíbem pura e simplesmente, embora, na prática, ninguém se insurja contra os pássaros e os animais de pequeno porte, que não perturbem a tranqüilidade dos vizinhos”.
E. mais adiante, recomendam:
“Estamos acompanhando a evolução do direito no tocante a esse difícil problema da vida nos edifícios de apartamentos, e nos inclinamos pela corrente que recomenda moderação na aplicação das cláusulas proibitivas, do que resulta que só sejam vetados os animais incômodos ou nocivos, o que se apura à luz das provas, em cada caso concreto. Pode ser que esse critério leve ao subjetivismo em alguns casos, mas a função da Justiça é solucionar problemas humanos, nos quais é impossível eliminar a carga de subjetividade”.
O consagrado mestre do direito João Batista Lopes, em sua obra Condomínio, ed., 1966, Ed. RT, p. 151-152, pontifica:
“Como se vê, o só fato da guarda de animais não caracteriza violação à convenção, impondo-se sempre perquirir sobre a existência de incômodo aos vizinhos ou ameaça à sua segurança. E claro que, se se demonstrar, in concreto, que um cão pequinês, por exemplo, compromete a higiene dos condôminos, fazendo suas necessidades nas partes comuns do edifício, sua permanência no local não deverá ser tolerada. O deslinde do problema não está, portanto, no só fato da guarda ou permanência do animal no apartamento, mas sim no incômodo ou ameaça à segurança e higiene dos demais condôminos. Tudo dependerá, pois, da prova de tais circunstâncias, não se podendo, a priori, afirmar a prevalência da Convenção sobre as peculiaridades de cada caso concreto”.
Tivemos a oportunidade de afirmar no início deste trabalho, que, não raro, as questões que envolvem animais em apartamentos acabam por desaguar na justiça.
Embora a questão não seja totalmente pacífica, dependendo em cada caso concreto do exame das circunstâncias, está se construindo no mundo jurídico deste país, uma direção normativa a ser tomada, com fulcro na jurisprudência de nossos Tribunais.
Continua em Artigos.
Revista Consultor Jurídico, 18 de maio de 1999.
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