Prisão de Pinochet

Anistia cobra apoio de FHC contra Pinochet

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28 de outubro de 1998, 23h00

A Seção Brasileira da Anistia Internacional enviou ontem carta ao presidente Fernando Henrique Cardoso cobrando manifestação favorável ao julgamento do ex-ditador do Chile, general Augusto Pinochet, detido em Londres, a pedido da Justiça espanhola.

Diz a Anistia na correspondência endereçada a FHC: “Confiamos, presidente Cardoso, que o governo de V. Excia. reafirmará seu compromisso com a proteção e a promoção dos direitos humanos, conforme discurso do embaixador Luiz Felipe Lampreia, na abertura da 53ª Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas”.

A carta faz referência aos crimes praticados pelo governo chefiado por Pinochet em 16 anos de poder. São apresentados dados da Comissão Nacional de Verdade Reconciliação, que documentou 2.115 casos amplamente, alguns com mais de uma vítima. Pelo menos 2.025 pessoas sofreram graves violações, das quais 957 “desapareceram” nas mãos de agentes do Estado.

A Anistia recorda que no final de 1994, depois da posse do presidente Eduardo Frei, as autoridades chilenas reviram os números de violações praticadas pelo governo militar e admitiram que mais de 3.000 pessoas foram mortas e “desaparecidas” no período.

Além do histórico das violações praticadas pelo governo Pinochet, a carta enviada ao presidente FHC lembra que o Judiciário daquele país não fez sua parte uma vez que o alcance das iniciativas dos dois governos civis que sucederam o general “foram sempre restritos pela herança do general Pinochet, seus juízes designados para a Corte Suprema, seus senadores biônicos. Uma lei de auto-anistia baixada em 1978 garantiu a impunidade dos implicados nas violações cometidas desde o golpe militar de 11 de setembro de 1973”.

A Anistia encerra o documento salientando que a manifestação de FHC o colocará “entre os que aplaudem e defendem a melhor norma jurídica, no país e em todo o mundo.”

Essa é a íntegra da carta enviada ao presidente:

Exmo. Sr. Presidente da República Federativa do Brasil

Fernando Henrique Cardoso

28 de Outubro, 1998

Senhor Presidente,

Eleito no Chile em 1990, depois de 16 anos de governo militar, o presidente Patricio Aylwin criou em 1992 a Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación , iniciativa inédita rumo à busca da verdade sobre as detenções arbitrárias, as torturas, as execuções e os “desaparecimentos” cometidos pelo governo do general Augusto Pinochet. Coube ainda à CNVR recomendar medidas preventivas de novas violações e indenizações às vítimas e seus familiares.

O relatório da CNVR documentou 2.115 casos amplamente, alguns com mais de uma vítima. Pelo menos 2.025 pessoas sofreram graves violações, das quais 957 “desapareceram” nas mãos de agentes do Estado. Restos mortais permanecem enterrados em sepulturas clandestinas. Entre as recomendações da comissão estavam a investigação exaustiva das violações e o ajuizamento dos responsáveis. O presidente Aylwin então exortou o Judiciário a fazer a sua parte. No final de 1994, depois da posse do presidente Eduardo Frei, as autoridades chilenas admitiram que mais de 3.000 pessoas foram mortas e “desaparecidas” pelo governo militar.

Quase ninguém foi punido. Exceções foram as condenações do general Contreras e do brigadeiro Espinoza que cumprem, em cárcere especial, penas de sete e seis anos pelo assassinato, em Washinton, DC, em 1976, do ex-chanceler Orlando Letelier e de uma cidadã dos EUA. O alcance das iniciativas dos dois governos civis foi sempre restrito pela herança do general Pinochet, seus juízes designados para a Corte Suprema, seus senadores biônicos. Uma lei de auto-anistia baixada em 1978 garantiu a impunidade dos implicados nas violações cometidas desde o golpe militar de 11 de setembro de 1973.

Agora, a detenção de Pinochet no Reino Unido é uma oportunidade de conseguirmos justiça para as famílias das vítimas das atrocidades, que não deve ser entorpecida por influências políticas ilegítimas. A Anistia Internacional divulga um novo inventário dos crimes contra a humanidade cometidos no Chile governado pelo general. Ao mesmo tempo, aplaude a iniciativa dos juízes espanhóis e as medidas de cooperação anunciadas pelas autoridades britânicas e relembra os princípios do Direito Internacional que as fundamentam: a jurisdição universal para aqueles crimes e a obrigação internacional de investigá-los e ajuizar os responsáveis.

O historiador Eric Hobsbawm nos lembrou que uma herança dos anos 70 é a crença na eficiência da barbárie. Pinochet a simboliza como poucos. É então nosso dever enfrentar a impunidade que afronta em qualquer latitude. Quando o ex-ditador chileno prestar contas por aqueles milhares de casos, a comunidade internacional enviará a mensagem de que não haverá mais refúgio seguro para os autores das atrocidades.

Confiamos, presidente Cardoso, que o governo de V. Excia. reafirmará seu compromisso com a proteção e a promoção dos direitos humanos, conforme Discurso do Embaixador Luiz Felipe Lampreia, na abertura da 53ª Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas:

“O Brasil também atribui importância central à promoção dos direitos humanos. Ao celebrarmos os cinqüenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, devemos reconhecer a lacuna que ainda existe entre os princípios e regras já consagrados no direito internacional e a realidade prevalecente no mundo.

O Governo brasileiro luta para superar, em nosso país, essa distância entre as normas e os fatos. Estamos dispostos a buscar elementos no meio internacional que nos ajudem a concretizar uma aspiração que é de todos os brasileiros. Foi esse o sentido com que, no dia 7 de setembro, o Presidente Fernando Henrique Cardoso submeteu ao Congresso Nacional a decisão de reconhecer a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos.”

e que estará entre os que aplaudem e defendem a melhor norma jurídica, no país e em todo o mundo.

Cordiais saudações

Anistia Internacional – Seção Brasileira

Diretório Nacional

Cc: Ministro Luís Felipe Lampreia – Itamaraty

Dr. José Gregori – Secretaria Nacional de Direitos Humanos

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