Os Programas de Demissão Voluntária e o IR
15 de novembro de 1998, 23h00
O Tratamento Fiscal das Indenizações Recebidas nos Programas de Demissão Voluntária
I Breve Histórico dos Programas de Demissão Voluntária no Brasil
O Programa de Demissão Voluntária (PDV) foi instituído pela Lei n° 9.468 de 10 de julho de 1997, que regulamentou, no âmbito do Poder Executivo Federal, as possibilidades e condições de desligamento dos servidores públicos civis da Administração direta, autárquica e fundacional, observados os limites legais.
O objetivo de tal programa foi possibilitar uma melhor alocação dos recursos humanos, propiciar a modernização da Administração e auxiliar no equilíbrio das contas públicas. Como contrapartida, o legislador determinou que a indenização recebida pelo servidor optante do PDV estaria isenta do Imposto de Renda tanto na fonte (IRF), como na Declaração de Rendimentos da Pessoa Física (DIRPF), configurando, desta forma, um incentivo à adesão.
A citada lei refere-se única e exclusivamente aos servidores civis do Poder Executivo Federal, não havendo em nosso ordenamento jurídico, até o presente momento, nenhuma lei que disponha sobre esses programas de demissão incentivada no âmbito privado.
Não obstante esse fato, em face da modernização e automatização dos sistemas de controle e de produção, muitas empresas privadas têm adotado as diretrizes desse programa estatal. Para tal, procuram firmar acordos junto aos sindicatos, viabilizando assim, a melhor maneira de adequar seu quadro de funcionários às respectivas necessidades.
Embora sem regulamentação específica, a incidência de tais programas tem aumentado nas empresas industriais e comerciais. A implementação de um PDV funciona, por um lado, como redução de custos e encargos para a empresa e, por outro, como um atrativo financeiro para os empregados que se considerem na iminência de serem desligados.
A seguir, tecemos comentários sobre o tratamento fiscal dado às indenizações recebidas pelos funcionários optantes desses programas, à luz da doutrina e do entendimento predominante dos nossos tribunais.
II A Natureza do Imposto sobre a Renda
O fato de se configurar ou não a isenção de IRF, nas indenizações recebidas em casos de PDV, tem sido objeto de inúmeras discussões, gerando polêmica e interesse, principalmente por se tratar de assunto inovador e precursor de jurisprudência nesse sentido.
Em primeiro lugar, cabe-nos ressaltar o conceito e definição legal do que seria a palavra “renda” e a expressão “proventos de qualquer natureza” à luz do artigo 43 da Lei n° 5.172 de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional – CTN).
“Art. 43 – O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.
Da interpretação pura e simples do conteúdo do artigo 43 do CTN, observamos que as definições ainda são amplas e ambíguas. Com base nesse dispositivo, podemos concluir que, se os acréscimos patrimoniais não definidos como “renda” são considerados, para efeito do disposto no CTN, proventos de qualquer natureza, logo, o conceito de renda deve ser interpretado como acréscimo patrimonial.
Quando o legislador pretende instituir imposto sobre a renda, estará constitucionalmente obrigado a prever que o cálculo desse tributo se faça exclusivamente sobre o montante da renda efetivamente verificada, sob pena de desviar-se do padrão constitucional.
Em direito tributário, a base de cálculo é elemento essencial e decisivo para a correta definição do tributo, e qualquer que seja o conceito de “renda” adotado, sempre implicará em um acréscimo patrimonial sofrido pelo sujeito passivo, sob pena de não se configurar a hipótese de incidência desse tributo.
A lição de Paulo de Barros Carvalho é terminativa, pela objetividade e exaustão com que trata esse assunto, conforme a seguir transcrevemos:
“Demasiadas razões existem, portanto, para que o pesquisador procure comparar a medida estipulada como base de cálculo com a indicação do critério material, explícito na regra de incidência. A grandeza haverá de ser mensuradora adequada da materialidade do evento, constituindo-se, obrigatoriamente, de uma característica peculiar ao fato jurídico tributário. Eis a base de cálculo, na sua função comparativa, confirmando , infirmando ou afirmando o verdadeiro critério material da hipótese tributária. Confirmando, toda vez que houver perfeita sintonia entre o padrão de medida e o núcleo do fato dimensionado. Infirmando, quando for manifesta a incompatibilidade entre a grandeza eleita e o acontecimento que o legislador declara como medula de previsão fática. Por fim, afirmando, na eventualidade de ser obscura a formulação legal, prevalecendo, então, como critério material a hipótese, a ação-tipo que está sendo avaliada. Introduzimos uma noção de induvidosa operatividade, para a qual convocamos todas as atenções: havendo desencontro entre os termos do binômio (hipótese de incidência e base de cálculo), a base é que deve prevalecer. Por isso, tem o condão de informar o critério material oferecido no texto, que será submetido por aquele outro que percebemos medido.”
Conforme demonstrado, a base de cálculo renda-proventos de qualquer natureza, está intrinsicamente relacionada com o acréscimo patrimonial do sujeito passivo da obrigação tributária, tornando-se tal inferência, quase que automática, ao se vislumbrar o referido tributo.
Portanto, mister se faz a conclusão de que o Imposto sobre a Renda incide sobre os rendimentos percebidos num determinado lapso de tempo.
Ademais, seria duvidoso e incoerente considerar tais indenizações tributáveis pelo IRF, ao passo que o próprio Regulamento do Imposto de Renda, atendendo o disposto na Lei n° 7.713 de 22 de dezembro de 1988, artigo 6°, inciso V, e artigo 28, § único da Lei n° 8.036 de 11 de maio de 1990, determinou que a indenização e aviso prévio pagos por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o limite garantido pela lei trabalhista, não entrarão no cômputo do rendimento bruto, e portanto, não serão tributáveis por esse imposto.
Ora, se o regulamento assim dispôs, não há que se discutir se a indenização é paga em virtude de um desligamento voluntário ou involuntário do empregado, e sim explicitar que a natureza desse pagamento não configura acréscimo patrimonial, desvirtuando-se por completo do conceito de renda.
III A Natureza das Indenizações Recebidas nos Programas de PDV
O termo indenização, em sentido genérico, significa toda compensação monetária feita por uma pessoa a outrem, para ressarcí-la das perdas sofridas, principalmente no sentido de reparar o prejuízo ou dano ocasionados em função de determinada situação.
As grandes indústrias, com quadro de funcionários inflado, principalmente em decorrência da mão-de-obra obsoleta, em face do avanço tecnológico e da automatização da maioria dos setores, têm identificado na implementação do PDV uma alternativa para minimizar o custo da produção, além de minimizar os riscos em relação à possibilidade de responder a futuras reclamações trabalhistas.
Por outro lado, nas rescisões incentivadas não resta outra saída ao funcionário senão a adesão, pois, caso contrário, poderia ter seu contrato rescindido mesmo sem o “incentivo” concedido pela empresa.
Assim sendo, nos programas de demissão voluntária, a indenização não pode ser encarada como uma vantagem pecuniária ou um acréscimo patrimonial pessoal. Pelo contrário, trata-se de um valor recebido em contrapartida da perda do emprego, ainda que por opção do empregado.
O valor recebido a título de indenização tem natureza de ressarcimento e de compensação pela perda do emprego, jamais podendo configurar base de cálculo para incidência do imposto de renda na fonte.
IV O Entendimento dos Tribunais
As decisões judiciais favoráveis à dispensa do recolhimento do Imposto de Renda sobre os valores pagos a título de indenização, nos Programas de Demissão Voluntária (PDV) implementados pelas empresas, estão se tornando cada vez mais intensas nos Tribunais Superiores.
Dentre os vários julgados existentes, podemos destacar o proferido em recurso especial pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça que, por maioria de votos, conferiram essa isenção aos ex-empregados da Autolatina, sob o argumento de que o pagamento feito trata-se de indenização e não de renda.
Os trabalhadores que pleiteiam essa isenção sustentam, a nosso ver acertadamente, que o Parecer Normativo n° 01 de 08 de agosto de 1995, que exige que as empresas retenham o imposto de renda sobre os valores pagos no PDV, fere o disposto na Lei n° 7.713/88, que isenta do imposto de renda qualquer indenização paga na rescisão de contrato de trabalho.
Para elucidar o presente argumento, destacamos o acórdão proferido na apelação em mandado de segurança, julgada pela 1ª Turma do TRF da 4ª Região em 17/06/97:
“Adesão a Plano de Apoio à Demissão Voluntária– Imposto de Renda. Isenção. Incentivo financeiro à demissão voluntária. Natureza não indenizatória. Lei n° 7.713/88, art. 6°, inciso V. – A quantia paga a empregado, a título de indenização por adesão ao Plano de Apoio à Demissão Voluntária, não está sujeita ao imposto de renda, porque não constitui renda nem acréscimo patrimonial, possuindo natureza compensatória”.
Entendemos que o assunto tende a pacificar-se, uma vez que em despacho publicado no DOU de 22 de setembro de 1998 dirigido aos seus subordinados, o Procurador-Geral da Fazenda Nacional declarou que podem ser dispensadas da interposição de recursos, e até mesmo determinando a desistência dos já interpostos nas ações que cuidam, quanto à não incidência do IRF sobre as verbas indenizatórias referentes aos Programas de Demissão Voluntária, tornando definitivas as decisões das Egrégias Primeira e Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça.
V Conclusão
Até o presente momento, as empresas, quando da dispensa de seus empregados, que tenham aderido aos programas de demissão voluntária contam com várias decisões favoráveis, tanto no Conselho de Contribuintes, como nos Tribunais Regionais Federais e no Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, o despacho do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, de 17 de setembro de 1.998, encerrou, na prática, a discussão quanto à não-incidência de IRF sobre as verbas indenizatórias recebidas nos PDV, quando autorizou a dispensa de interposição de recursos, ou a desistência dos já interpostos para as ações que versam, no mérito, sobre essa não incidência.
Não poderia ser outra a expectativa das empresas e seus funcionários, uma vez que indenizar é compensar ou retribuir monetariamente uma pessoa, para ressarcimento das perdas ou danos sofridos, não significando, em hipótese alguma, acréscimo patrimonial ou auferimento de renda.
O mesmo se verifica nos PDV, onde todo e qualquer valor recebido tem como finalidade reparar a perda do emprego sofrida pelo funcionário, não configurando, desta forma, a figura de um rendimento tributável.
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