Everardo Maciel dá a receita...
13 de março de 1998, 0h00
Em um universo de 9 milhões de contribuintes, o Governo espera que neste ano, mais de 1 milhão de pessoas escolham entregar a declaração do Imposto de Renda pela Internet. A declaração foi feita pelo secretário da Receita Federal, Everardo Maciel em entrevista ao jornalista Juca Kfouri. O secretário falou das novidades do leão – como a forma automática de esclarecer dúvidas pelo 0300-78-0300 -, criticou os paraísos fiscais, segundo o Maciel, “verdadeiras zonas de exclusão tributária” e informou que o Brasil apresentará em maio, um acordo internacional para excluir qualquer tipo de relação fiscal ou comercial com os paraísos fiscais.
Paraíso fiscal, na definição do secretário, é qualquer país cuja alíquota máxima do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas é inferior a 20%. “É lavagem de dinheiro puro. Isso tem a ver com narcotráfico e, sobretudo, com a burla fiscal.” Outro mero instrumento para lavagem de dinheiro, na opinião do secretário, é o jogo. “Quando aparece o jogo, junto com ele vem o narcotráfico, a lavagem de dinheiro, o lenocínio e outras formas de crime”, disse a Kfouri.
Sem querer invadir a esfera econômica, Maciel anunciou que a Secretaria da Receita Federal está desenvolvendo um projeto de reforma tributária. “Prefiro dizer, de reforma fiscal porque alcança não apenas o lado tributário, mas também os gastos públicos, a partilha de gastos públicos, as responsabilidades que devem ser cometidas à União, aos Estados e Municípios.”
Ainda na linha crítica, o secretário, ex-fumante, fala sobre a taxação e o controle da propaganda do cigarro. “A única razão pela qual se pode admitir a comercialização, dado todos os males que ele traz para população, é a geração de impostos. Em um cigarro 75% são impostos.”
O futebol e seus ídolos não foram esquecidos na entrevista. “Os clubes jamais pagaram IR, até porque tinha uma regra isencional que os beneficiava. Isso junto com a presença de empresários e agora de jogador de futebol em paraíso fiscal, como nós identificamos alguns, fez com que ficasse uma situação de uma certa promiscuidade fiscal.” A Receita Federal fez uma intervenção, identificou os casos e descobriu dois extremos: da mesma forma que havia jogadores brasileiros que pediam para não receber seus pagamentos em notas para driblar o Fisco, outros tiveram sua vida fiscal examinada pela Receita e se constatou absoluta regularidade. “Gostaria um dia de ter o privilégio de ser autorizado por eles para mencionar quais são esses jogadores”, disse Maciel.
Pergunta – Como explicar essa aparente contradição: janeiro, em São Paulo, perda de quase 30 mil vagas de emprego. Em compensação R$ 11,5 bilhões de arrecadação por parte da Receita. Tem uma lógica entre esses dois números, ou não tem nada a ver uma coisa com a outra?
Maciel – Não, as duas coisas são independentes. Em verdade, temos uma situação hoje, em que estamos procurando identificar quais são os setores subtributados. Por exemplo, constatamos que os fundos de investimento e uma grande quantidade de recursos, que já estavam deduzidos das contas dos investidores, deveriam ser recolhidos à Receita Federal. O que fizemos? Estabelecemos uma legislação, que está em vigor desde 1º de janeiro, que em boa parte explica e responde pelo aumento de arrecadação, no porte que estamos falando. Estou anunciando o aumento de arrecadação do mês de fevereiro, que também vai ter um desempenho tão importante, tão significativo, quanto foi o do mês de janeiro. Vamos chegar a quase R$ 10 bilhões de reais de arrecadação, representando um crescimento real, em relação ao mesmo mês do ano anterior de 17,5%. Significa dizer, portanto, que – independentemente de situações como a que foi apontada – a questão do desemprego, também estamos tentando enfrentar pelo lado tributário, e vou tentar destacar esse ponto. Estamos identificando fontes de receitas que podem ser tributadas, e então repercutindo positivamente sobre o total das rendas públicas brasileiras. Questão de emprego e tributo. Há muito se fala da importância que têm as micro e pequenas empresas na geração de rendas e de empregos. Sempre um confronto clássico que existe é tributação e emprego. O que acontece? Por exemplo, a contribuição patronal incide sobre a folha de salários. Quer dizer, quanto maior o número de empregados, ou quanto maior o salário, maior a obrigação do patrão, que tem que recolher a Previdência Social. Nós criamos no Brasil o Simples. O Simples engloba numa só base de cálculo, a contribuição patronal a que me referi, a contribuição social sobre o lucro, a Cofins, PIS, Imposto de Renda, IPI, e quando o caso de adesão de Estados e Municípios, também o ICMS ou ISS. Portanto, todos os tributos de responsabilidade de empresa. Veja o que aconteceu: como a base de cálculo é o faturamento, o que a empresa faturou naquele mês, significa dizer que pode contratar mais empregados, regularizar situações antes informais, aumentar o salário dos seus empregados que isso não repercute na sua obrigação de recolhimento à Previdência Social, mediante o Simples. A base é o faturamento, não a folha. Essa é uma maneira que encontramos de conciliar, por exemplo, tributação e geração de emprego. Essa solução brasileira já está sendo adotada na Argentina. A que eles chamaram de monotributo, verdadeiramente não é nem mais, nem menos uma cópia do que fizemos aqui, do Simples. Uma cópia. Não estou com isso fazendo nenhum comentário depreciativo, estou apenas estendendo. E vejo já, em várias excursões a Europa, que a Espanha, particularmente, mostra-se muito interessada nessa solução que adotamos no Brasil.
Pergunta – Quando nos referimos ao Simples, a sensação que se tem, é que é uma coisa absolutamente fácil de ser declarada. É isto?
Maciel – No caso do Simples, posso lhe dizer que a declaração é isto aqui (mostra uma folha de papel). Isto é como se fosse uma cópia do que está no disquete. Qualquer pessoa minimamente informada, que consiga se identificar e souber o que faturou, vai levar, no máximo, 10 minutos para preencher a declaração.
Pergunta – E a declaração da pessoa física?
Maciel – A pessoa física na declaração simplificada, basta se identificar, informar quais foram os seus rendimentos, aplicar um desconto simplificado de 20%. Feito isso, calcula o imposto, pela aplicação da alíquota, é uma mera conta de multiplicar. Subtrai o que já pagou na fonte e terminou a declaração. Perdão, a pessoa tem que fazer sua declaração de bens, daí encerrou a declaração. Também uma tarefa, para quem não tem, obviamente, esse desconto simplificado, para situações específicas, quer dizer, só alcança as pessoas que estão na alíquota de 15%, ou estando na alíquota de 25%, em relação ao exercício anterior, desde que tenha a fonte de trabalho exclusivamente assalariada. Mas isso teve um significado extraordinário, a adesão ao desconto simplificado é extraordinária. O brasileiro, não apenas eu, como tantas outras pessoas, gosta de coisas simples, respeitosas e, se possível, modernas. Nós, o ano passado, já introduzimos no disquete do Imposto de Renda uma coisa que surpreendeu a muitas pessoas, inclusive a alguns colegas seus. A pessoa fazia a declaração e depois, ao final, tinha uma observação feita pelo fisco. O senhor fez a declaração de forma correta, agora se utilizar outro método, que posso lhe ensinar, pagará menos impostos. Vi jornalista que ficou surpreso com isso; cuidou de ligar para mim para saber se não era alguma armadilha. E disse-me que só aceitava que não era armadilha, porque eu estava à frente da Receita. Isso estabelece uma relação de confiança. Nós já começamos a entrega da declaração do Imposto de Renda pela Internet. No ano passado mais de meio milhão de pessoas fizeram a declaração pela Internet. Este ano que é para entregar no dia 30…
Pergunta – Meio milhão de pessoas?
Maciel – Meio milhão. Os Estados Unidos não têm Internet, só para mostrar onde é que chegamos. Este ano, com certeza, vai ultrapassar 1 milhão.
Pergunta – Quantas pessoas declaram Imposto de Renda no Brasil?
Maciel – Pessoas físicas, hoje, 9 milhões. Esse número há três anos era 6,3 milhões. Quer dizer, em três anos conseguimos, praticamente aumentar em um terço o número de declarantes.
Pergunta – De 9 milhões de declarações, 500 mil, no ano passado, declararam via Internet?
Maciel – Via Internet. E mais da metade dos contribuintes por meio magnético, por disquete. Esse número é espetacular, quase inimaginável. Há três anos, num número menor de declarantes – como mencionei, 6,3 milhões – apenas 25% faziam declaração por meio magnético. O brasileiro é absolutamente afeiçoado aos projetos que envolvem modernização tecnológica. No caso do ITR, Imposto Territorial Rural, imaginávamos que apenas 200 mil pessoas fariam declaração por meio magnético. Constatamos que não foram 200 mil, mas 1,2 milhão e mais de 100 mil pessoas fizeram a declaração do ITR, no campo, pela Internet.
Pergunta – Nos Estados Unidos não se declara renda por Internet?
Maciel – Não se declara renda pela Internet. Nos Estados Unidos, como nós usualmente fazíamos menção como paraíso da modernidade tecnológica, declarar imposto é uma coisa muito simples. Estes são os formulários para declaração do Imposto de Renda da pessoa física nos Estados Unidos (mostra os formulários), são manuais para esclarecer. Coisa muito simples.
Pergunta – Olha que maravilha! São uns dez que estou vendo aqui. Para crianças e dependentes, três, quatro, cinco, pensão seis, seguro sete, escola oito, governo nove, guia de taxas dez, onze. E aí?
Maciel – Isso aqui é pessoa jurídica (mostra os formulários).
Pergunta – Pessoa jurídica. Tem mais evidentemente?
Maciel – É, o número é bem maior.
Pergunta – O que explica essa diferença? Evidentemente o americano declara?
Maciel – O americano declara. Há uma tradição. Mas a declaração lá é bem complicada. Conversando com o secretário da Receita dos Estados Unidos, ele me dizia que não tinham verba para se modernizar, inclusive ficavam surpresos porque no Brasil estávamos com esse nível.
Pergunta – Que coisa surpreendente essa para mim, secretário. Achava que lá era uma coisa que se fazia por telefone.
Maciel – Não. Eles têm, inclusive, a declaração por telefone, que aliás, no Brasil, neste ano, para as pessoas isentas, teremos também. Também estamos introduzindo um telefone para responder, de forma automática, as dúvidas do contribuinte. Será o 0300-78-0300. Veja, o 0300 é uma modalidade que só a Receita Federal terá. É específico da Receita e a resposta é automática. O contribuinte pagará R$ 0,27 por minuto utilizado, se estiver fazendo num telefone fixo. Se for através de telefone celular pagará R$ 0,50 por minuto de utilização, que é literalmente o custo da operação. Estamos inclinados pela tese de chamá-lo de Disque-Leão. Só que é um leão que responde, esclarece e orienta de forma automática, dentro desse processo geral de modernização tecnológica, que estamos querendo fazer na Receita Federal.
Pergunta – Em vez de ser o leão que ruge, é o leão que diz alô.
Maciel – Exatamente.
Pergunta – Isso a partir de quando?
Maciel – Para as declarações desse ano, estaremos colocando no ar, ainda no mês de março. E ficará até o final de abril, funcionando 24 horas por dia.
Continua…
Veja também na Editoria Empresarial/Tributário:
Sonegação e lavagem de dinheiro
Maciel critica o cigarro e abomina o jogo
Jogadores de futebol na mira da Receita Federal
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!