Homossexual é dependente no plano de saúde do companheiro
25 de agosto de 1998, 0h00
Em decisão inédita, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendeu que o companheiro de um homossexual deve ser incluído como dependente no plano de saúde.
A decisão foi tomada pela 3ª Turma do TRF, que negou a apelação cível encaminhada pela Caixa Econômica Federal (CEF) e pela Fundação dos Economiários Federais (Funcef) contra a decisão do juiz federal Roger Raupp Rios, da 10ª Vara de Porto Alegre.
O juiz havia determinado a inclusão como dependente, no Plano de Assistência Médica Suplementar (PAMS) da CEF e da Fundação, do companheiro de um homossexual que é servidor aposentado da Caixa e titular do plano. Ambos são portadores de HIV, o que gerou a aposentadoria.
Rios fundamentou sua sentença em preceitos constitucionais como a proibição da discriminação por motivo de sexo, o princípio da igualdade, a proteção da liberdade sexual como parte integrante do direito à privacidade e à intimidade e o princípio da dignidade humana.
Citou, ainda, os precedentes do Direito norte-americano e canadense, da Corte Européia dos Direitos Humanos e da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, que incluem a orientação sexual entre os direitos fundamentais. À época da primeira sentença, proferida em 1996, o casal já vivia maritalmente há mais de sete anos. O processo tramitou em segredo de justiça, e o nome do casal é mantido em sigilo por dever ético.
O magistrado concedeu o benefício com base na evidência do dano irreparável que seria gerado pela continuidade da situação, já que os companheiros tem AIDS e necessitavam de tratamento imediato. Rios também concedeu tutela antecipada, a fim de que o dependente fosse incluído como beneficiário e recebesse tratamento médico imediatamente.
No entanto, o juiz negou o pedido de união estável feito pelo casal, , pois a legislação previa apenas casamento e concubinato heterossexuais.
A relatora da ação no TRF, juíza Marga Inge Barth Tessler, manteve integralmente a primeira decisão e foi seguida pelos demais membros da 3ª Turma do Tribunal. Referindo-se à sentença de Rios, a juíza afirmou “adoto como meus os seus fundamentos”.
Marga Tessler disse que “Não podemos obscurecer ou hipocritamente considerar ou ignorar como a vida e os humanos são. Não somos todos iguais, somos diferentes, e não há na vida nenhuma qualidade tão universal como a diferença, na reflexão de Montaigne”.
De acordo com a juíza, a ciência vem confirmando que ser diferente não é destino que se escolhe ou se elege, dizendo, com base no trabalho de Andrew Sullivan, que a homossexualidade é tão involuntária quanto a heterossexualidade. E ressaltou que para recolher as contribuições não se indaga o sexo ou a orientação sexual do contribuinte.
“A razoabilidade deve prevalecer, também, para afastar a hipocrisia. Somos uma sociedade hipócrita, aplaudimos a cantores e artistas, símbolos de comportamento andrógino, mas hostilizamos o nosso vizinho, se trouxer um amigo para morar com ele. Transformamos transexuais em símbolo sexual feminino, mas não lhe damos o direito a documentos de mulher, reprovamos o casal lésbico da novela das oito, mas assistimos e toleramos as cenas de violência, o assassinato de crianças e mendigos, o desrespeito com as pessoas mais simples do povo que comparecem a certos programas de auditório. Somos uma sociedade hipócrita, mas aos poucos vamos nos dando conta da falta de razoabilidade e injustiça em nosso proceder”, sentenciou a juíza.
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