MP do IR é inconstitucional

Judiciário pode bloquear MP do IR

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18 de novembro de 1997, 16h39

A Medida Provisória que prevê acréscimo de 10% do Imposto de Renda trouxe em seu bojo outras más notícias que vão sendo detectadas aos poucos.

Estudo feito pelo advogado tributarista Roberto Pasqualin constatou pelo menos duas graves inconstitucionalidades entre os 73 artigos da MP.

São os dispositivos que tratam do arrolamento de bens de devedores da União e o que retira a imunidade tributária de entidades filantrópicas.

“O fato de alguém ser privado de seus bens sem o devido processo legal não será aceito pelo Judiciário. Quem é a pessoa que compraria um bem arrolado administrativamente pela Receita Federal?”, indaga, rebatendo a alegação de que a MP não torna os bens arrolados indisponíveis feita pelo secretário da Receita Federal, Everardo Maciel.

O texto da MP é ambíguo e tem força de lei ordinária, não pode, portanto, contrariar previsão constitucional. A medida institui uma espécie de “hipoteca administrativa”, assim definida por Pasqualin.

O especialista entende que as alterações só serão viáveis a partir de 1º de janeiro de 98. Na prática, o contribuinte estará sendo atingido em 1999. Mesmo assim, admite que a reforma foi bem mais agressiva do que se esperava. “Sabemos que são apenas, e especialmente, aumento de arrecadação. O governo está introduzindo um novo sistema – bastante perigoso – para os que têm débitos com a União. Uma espécie de penhora administrativa de bens. Na verdade, uma perigosa cobrança de débitos – muitas vezes até indevidos.”

Os tribunais que o digam. Eles estão sobrecarregados de processos contra a União. O ‘x’ da questão, entretanto, está no aspecto temporal. Até que haja manifestação do Poder Judiciário, o contribuinte já estará com os bens arrolados. “No meu entender, isso poderá gerar uma violência administrativa que corre o risco de chegar às raias da corrupção”, antecipa o tributarista.

Quanto às entidades filantrópicas, a MP as dividiu em dois blocos: as genéricas e as de atendimento limitado a apenas um grupo de pessoas. Para as primeiras foi mantida a imunidade tributária. As mais restritas passam a ser tributadas. Pasqualin é enfático ao afirmar que a medida é inócua em termos econômicos e nociva no aspecto social: “Em termos de arrecadação, a base econômica é muito pequena e tira da boca dos necessitados”.

Outro aspecto importante é a modificação que incidirá sobre a pessoa jurídica – a redução em 50% dos incentivos fiscais de que desfrutavam as empresas. A redução do incentivo fiscal torna mais equitativa a arrecadação entre os contribuintes. “Mas a redução generalizada afetará algumas atividades mais fortemente do que outras”, afirma Pasqualin. Os incentivos ao setor cultural, por exemplo, serão reduzidos pela metade.

A MP atinge, basicamente, imposto de renda pessoa física, jurídica, IPI, imposto de importação, incentivos fiscais, contribuições sociais e processo administrativo de cobrança do crédito tributário da União. O especialista argumenta que essa é uma reforma mais ampla – via MP – que a tributária em trâmite há anos no Congresso Nacional.

Ele explica, ainda, que a elevação da taxa de imposto, embora não cabível nas declarações que serão feitas no início do próximo ano – porque o ano-base é 97 – aumenta em 10% a alíquota do imposto de renda pessoa física, limitando as deduções em 20%, no máximo. O aumento recairá sobre o imposto devido ao final do ano. Na hora do cálculo, com as deduções e ajustes cabíveis, o percentual de 10% pode sofrer pequenas alterações. Fora disso ficam somente pensão alimentícia, despesas médicas e de saúde. Outras como educação, contribuição previdenciária, previdência privada, seguros e doações passam a integrar o rol das limitadas em 20%.

Segundo Pasqualin, a MP afeta, principalmente, a classe média já que para os que têm grandes fortunas – embora haja previsão constitucional de cobrança de impostos – o projeto elaborado pelo próprio Fernando Henrique Cardoso enquanto senador, tramita no Congresso com lentidão. “O universo de grandes fortunas acaba sendo pequeno se comparado ao das médias. O governo arrecada muito mais cobrando de quem tem menos do que, como deveria ser, de quem tem mais. “Na verdade, se fosse bom não seria imposto, seria voluntário”, esclarece, explicando que FHC parafraseou essa expressão sua dizendo, certa vez, que se não fosse imposto seria opcional. “Não é opcional”, rebate. “Seria voluntário, se só o fizesse aquele que sentisse o dever de contribuir. Ainda precisamos criar homens que tenham essa visão.”

Ele adverte que, mesmo o secretário Everardo Maciel tendo dito que a MP afetaria a todos igualmente, na verdade, o assalariado será mais atingido. Os de baixa ou de pouquíssima renda não serão afetados – continuarão isentos. Os que têm rendimentos mais elevados, normalmente, os transferem para a pessoa jurídica e não têm na tributação da pessoa física fator preponderante.

Seguindo a mesma linha de alguns comentaristas econômicos, o advogado acha que é preferível o aumento da alíquota do IR ao da CPMF. “Essa incidência é em cascata, onerosa e provoca acréscimo dos custos generalizados das empresas. Além disso, estaríamos prestigiando um imposto burro, retrógrado. A justiça fiscal, pelo menos, cobra mais de quem ganha mais, quantia menor de quem ganha menos e aquele que ganha pouco não contribui. A linearidade da CPMF é ilusória.”

No IR não se modificou o teto e sim a alíquota. “As que eram de 15 ou 25%, conforme as três faixas existentes hoje, passaram de 15 para 16.5% e as de 25 para 27.5%.” No tocante às pessoas jurídicas, algumas brechas, comumentes utilizadas, terão que ser descartadas. Uma delas diz respeito aos processos de fusão, incorporação e cisão de empresas. “O secretário foi cauteloso em não ler o texto, na hora de divulgar essa modificação.” Everardo Maciel fez apenas uma referência de que a mudança fecharia uma brecha importante. Fusão, cisão e incorporação são alternativas de planejamento tributário importantes. “São legítimas e aceitas no mundo inteiro. As pessoas têm o direito de organizar suas vidas, empresas e, de maneira mais economicamente possível, os impostos”, argumenta. Para ele, a volúpia da Receita Federal fechando esses pontos seria até elogiável se viesse acompanhada no processo de reformulação tributária de contrapartidas, benefícios, simplificação de escrituração e desoneração da atividade acessória que as pessoas jurídicas são obrigadas a adotar.

A MP não tocou nas micros e pequenas empresas. Elas continuam optando pelo sistema simplificado de tributação. “O simplificado foi preservado e, portanto, não deve haver prejuízo para essas empresas”, diz Pasqualin. Ele analisa que de nada adianta reformas que criam ou aumentam impostos, se o sistema não for reformulado no todo. Para isso completa: “Temos que fazer com que a sociedade seja mais solidária e o governo menos governo. Tudo isso, para que não haja necessidade dessa arrecadação quase extorsiva que vivemos hoje”.

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