Cabeças do Direito

Nas entrevistas da ConJur, um panorama da realidade

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25 de dezembro de 2006, 6h00

Algumas das mais privilegiadas cabeças do Direito brasileiro passaram pela redação da Consultor Jurídico, durante o ano de 2006, para a entrevista que já está virando um hábito dos leitores nas tardes de domingo ou manhãs de segunda-feira.

Ao todo foram publicadas 60 entrevistas. Além de oito ministros do Supremo Tribunal Federal, cujas entrevistas serão objeto de outro texto a ser publicado no próximo fim de semana, foram entrevistados ministros do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho, desembargadores, procuradores, promotores e um grande elenco de advogados das mais diferentes especialidades.

Reflexo das preocupações decorrentes de se viver no país com a mais alta carga tributária do mundo, o Direito Tributário foi um dos temas mais freqüentes nestas entrevistas. Para falar sobre modos e ódios de pagar imposto, estiveram presentes nomes como Ives Gandra da Silva Martins, Hugo de Brito Machado e Sacha Calmon. De uma área vizinha e intercorrente, a empresarial, fez-se presente outro ícone da advocacia brasileira, o professor Arnoldo Wald.

Outro tema de grande presença, que reflete também a crise que abala o setor, foi o Judiciário. Sobre ele discorreram expoentes como o constitucionalista Luís Roberto Barroso, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Walter Nunes, e o promotor de Justiça de Estrela do Sul, pequena cidade do interior de Minas Gerais, André Luís Alves de Melo.

Política e eleições, crime e trabalho também entraram na pauta de entrevistas que convocaram à redação especialistas do porte de Ovídio Sandoval, o general Ivan Souza Mendes (ex-chefe do Serviço Nacional de Informações, ouvido em sua casa no Rio de Janeiro) e o criminalista Arnaldo Malheiros Filho.

Quem não se lembra das cenas explicitas de paixão da modelo Daniela Cicarelli na areias quentes de uma praia espanhola? Naqueles dias, quem se apresentou para falar sobre os limites ou falta de limites da liberdade de expressão foi o advogado Lourival J. Santos, especializado em Direito de Imprensa. E, como disse na época, as indiscrições da modelo famosa são sim assunto de interesse público. Ou seja, são assunto para um site de notícias, ainda que especializado em informação jurídica.

A seguir, leia trechos selecionados de entrevistas feitas em 2006:

Tributário

Ives Gandra da Silva Martins, advogado

ConJur — Qual o sistema tributário mais racional para o Brasil?

Ives Gandra — Um imposto sobre a renda. Um imposto sobre o patrimônio. Um imposto sobre a circulação de bens e serviços. Não haveria União, estados e municípios. O órgão com melhor capacidade de arrecadação é que recolheria e partilharia por definição constitucional entre os diversos entes. Seria um sistema simplificado. Alguns criticam essa tese e defendem que isso deixaria as alíquotas mais elevadas. Não é verdade. Hoje, tenho as mesmas alíquotas com diversas estruturações. Pago 7,6% do Cofins e pago 1,16 % do PIS. Essas duas contribuições chegam a praticamente 10% para a área de serviços. Então, ao invés de ser 7,6% e 1,16%, faço a soma dos dois. A sonegação ficaria muito mais difícil, porque seria um sistema controlado por computadores. A alíquota continuaria sendo rigorosamente a mesma, porque é apenas a soma daquilo que existe em um sistema mais complexo. Critico muito o governo do Luiz Antônio Fleury Filho [governador de São Paulo de 1991a1995], mas na época ele reuniu um grupo para a revisão Constitucional de 1993, encabeçada pelo Miguel Reale. O Miguel me ligou para e pediu que fizesse parte. Criei todo o sistema tributário na Constituição, com esses três tributos. O Fleury encampou o projeto e mandou para o Congresso Nacional para a revisão de 1993, que fracassou. Mais tarde, o Germano Rigotto [atual governador do Rio Grande do Sul] me ligou e disse: “Ives, eu gostei do projeto e eu vou apresentá-lo no estado”. Não deu certo porque cada estado quer mais receita. Basta tomar como o exemplo o projeto que consolida a guerra fiscal até 2015. Isso é completamente inconstitucional. Significa a desmoralização completa do sistema.


ConJur — Dentro desse contexto, há possibilidade de Reforma Tributária?

Ives Gandra — Não. A reforma tributária teria de passar por uma reforma administrativa para o governo gastar menos, porque o que se tem é uma máquina esclerosada. Estão sugerindo o veto de pouco mais de R$ 7 bilhões que representaram o aumento da Previdência. Seriam 21 milhões de brasileiros beneficiados. Agora, há mais ou menos uns 30 mil brasileiros que vão receber entre algo em torno de R$ 5 bilhões, que são os anistiados. O governo não pode dar R$ 7 bilhões para 20 milhões de brasileiros, mas pode dar R$ 5 bilhões para pouco mais do que umas dezenas de amigos que fizeram pelo Brasil uma revolução durante a Ditadura Militar para ficarem ricos. Isto o governo acha normal. Até porque os mesmos que fizeram a revolução são os que estão no governo e que decidem em causa própria. Dar um pequeno aumento para 20 milhões de brasileiros é quebrar o orçamento. O mesmo não acontece quando os beneficiários são os anistiados. Para mim, eles não fizeram revolução, mas assaltaram o contribuinte brasileiro. Não é o Estado quem está pagando, somos nós.

►Hugo de Brito Machado, advogado.

ConJur — Qual é a reforma tributária desejável e a possível?

Hugo de Brito Machado — Desejável para quem? Para o governo, é desejável aumentar os tributos. Assim têm sido as reformas tributárias em nosso país. Possível é a que resulta da conciliação dos interesses em conflitos, especialmente interesses do governo federal, dos governadores e dos prefeitos. Como todas as reformas feitas até hoje implicaram aumento de tributos e agravamento das complexidades e da burocracia no sistema tributário, a melhor reforma consiste em proibir toda e qualquer mudança de toda e qualquer norma durante cinco ou dez anos. Durante esse tempo, uma comissão de financistas e tributaristas poderia estudar uma reforma para, no final desse prazo, ser discutida e votada.

ConJur — Como o senhor vê a qualidade e quantidade das leis tributárias editadas pelo Congresso Nacional?

Hugo de Brito Machado —Quanto à qualidade, as leis tributárias deixam muito a desejar. O legislador não cumpre as normas da Lei Complementar 95/98 [que dispõe sobre as regras para elaboração de leis]. A falta de sistematização e o uso de terminologia inadequada são dois graves defeitos de nossa legislação tributária. A quantidade de leis também é lamentável. É indiscutível o exagero na produção normativa em matéria tributária. O Executivo busca sempre obter leis que lhe permitam arrecadar mais. O Legislativo quase sempre é subserviente ao Executivo. E o Judiciário funciona como freio, mas nem sempre eficaz. Aliás, pode-se dizer que, na maioria dos julgados, o Judiciário favorece o governo em matéria tributária. Aceita o argumento de que o governo não pode perder receita. Mas não há dúvida de que, sem o Judiciário, seria muito pior.

ConJur — O senhor defende a responsabilização do agente público por danos causados ao contribuinte. Por quê?

Hugo de Brito Machado — A única forma de conter as práticas arbitrárias em nosso país é a responsabilização pessoal do agente público pelos danos ao cidadão. Não só ao contribuinte, mas aos cidadãos em geral. Se o contribuinte começar a cobrar judicialmente do agente público indenização pelos danos que sofre em decorrência de práticas arbitrárias, com certeza as práticas arbitrárias ficarão reduzidas a bem poucos casos. A indenização tem duas finalidades: reintegrar o patrimônio lesado e castigar aquele que cometeu a ilegalidade. Ocorre que a indenização cobrada da entidade pública (União, estado ou município), embora atenda à primeira dessas duas finalidades, não atende à segunda. O valor correspondente sai dos cofres públicos. Da comunidade, portanto. E o agente público continua, por isso mesmo, agindo de modo irresponsável, pois nada sofre em decorrência da cobrança da indenização. Se a ação de cobrança da indenização for dirigida diretamente ao agente público, por menor que seja o valor da indenização, o efeito didático, educativo, da condenação fará com que o agente público pense duas vezes antes de praticar uma ilegalidade contra o cidadão.


Sacha Calmon, advogado

ConJur — O contribuinte e o fisco se enxergam como inimigos?

Sacha Calmon — É realmente uma guerra. Os órgãos fiscais olham o contribuinte como adversário, alguém que tem de ser destruído. Na verdade, destruir o contribuinte significa destruir a galinha dos ovos de ouro. Na França, por exemplo, essa visão já está sendo revista. O contribuinte francês já é tratado como cliente da instituição fiscal, e não como inimigo. É assim que tem de ser. A tributação tem de ser simplificada e o contribuinte tem de ser bem tratado para diminuir o custo Brasil. Hoje, as empresas gastam 12% de seu orçamento com departamentos fiscais, enquanto o fisco fica no bem bom. Os romanos já diziam: “onde há o cômodo, há o incômodo”.

ConJur — O Brasil tem tributos de mais ou de menos?

Sacha Calmon — A quantidade de tributos previstos na Constituição é razoável. O abuso está na proliferação das contribuições e as alíquotas. O Brasil arrecada 40% do seu PIB. Isso não é reflexo de um excesso de imposto, mas da multiplicação das contribuições: 51% do dinheiro arrecadado vêm de contribuições.

ConJur — No Brasil, a informalidade é causa ou conseqüência?

Sacha Calmon — É evidente que é conseqüência e não a causa. A causa é o excesso não apenas de tributos, como de encargos sociais e trabalhistas. Principalmente trabalhistas. Por isso que o país não cresce: juros altos e excesso tributário.

ConJur — O que poderia ser feito para reduzir a informalidade?

Sacha Calmon — A lei do Simples poderia ser expandida para as médias empresas. Segundo o Jorge Rachid [secretário da Receita Federal], cerca de 900 empresas são responsáveis por 85% da arrecadação federal. Lucro presumido tinha de valer para quase todo mundo. Ninguém sonega quando a carga tributária é razoável. É uma burrice aumentar tributo, porque isso só aumenta o mercado informal. Hoje, no mínimo 30% das empresas estão na informalidade e mais de 51% da força de trabalho estão na informalidade, por força dessa pressão fiscal. A tributação é parte integrante da macroeconomia. Não se pode ter uma visão particularizada do tributo como se ele fosse algo à parte.

ECONOMIA

Arnoldo Wald

ConJur — A que o senhor atribui essa resistência do Direito e da Economia de se aproximarem?

Arnoldo Wald — Os juristas se sentiam mais cômodos — e é compreensível que assim fosse — concentrando-se no Direito sem se preocupar com o que acontecia na vida cotidiana. No passado, alguns juizes decidiam de acordo com a norma sem se preocupar com as conseqüências práticas. Interpretavam o Direito, que era lógico e racional, e o resto era problema dos outros. Durante muito tempo, foi assim. Nos anos 40, os juízes começaram a se perguntar o que acontecia com a decisão que tomavam. A questão era: não basta que a sentença seja correta, ela tem de ser útil e socialmente adequada. Antes, no século XIX, prevalecia a frase: “O mundo pode perecer desde que a justiça seja feita”. Hoje, chegamos à conclusão de que não adianta fazer justiça com o mundo perecendo. A justiça tem de fazer o mundo viver.


ConJur — E a resistência por parte dos economistas?

Arnoldo Wald — Para o economista, era o contrário. Ele queria normas eficientes nem que, para isso, fosse necessária a pena de morte, por exemplo. O pensamento era assim: se, para chegar ao resultado mais eficiente, pequenas injustiças têm de ser feitas, não tem problema. Era um conflito: um querendo fazer justiça e o outro querendo obter eficiência.

Conjur — Qual a solução desse conflito?

Arnoldo Wald — Nenhuma das duas partes pode ter uma posição radical. Não adianta ter uma justiça ideal que não funciona, nem uma eficiência injusta. É necessário encontrar a relação equilibrada em que a economia forneça uma análise econômica dos fatos e, em cima dessa análise, possam ser estabelecidas as regras adequadas. O presidente pode editar um decreto dizendo que o Brasil tem de ser eficiente. Nós somos o único país do mundo que tem na Constituição a determinação de que o Estado seja eficiente. Acho que está começando a nascer a conscientização de que é necessário conciliar eficiência com equidade, ou seja, o conhecimento econômico com a realidade jurídica. O regime militar foi o regime da eficiência dos economistas com as suas conseqüências. Depois, veio a Constituição de 88, que foi a revanche dos juristas.

JUDICIÁRIO

Luiz Roberto Barroso, advogado

ConJur — Historicamente, o Brasil vem de um Executivo hipertrofiado e de um Legislativo atrofiado. Há equilíbrio entre esses poderes?

Luís Roberto Barroso — Há uma novidade no jogo entre os poderes no Brasil que é o Poder Judiciário, que se tornou um poder efetivo. Deixou de ser um departamento técnico especializado e passou a ocupar um espaço político onde ele disputa efetivamente com o Legislativo e com o Executivo. Há um reequilíbrio de poderes que começa pela ascensão do Judiciário. A questão do déficit de legitimidade de Judiciário é muito discutida pela circunstância de que os juízes são agentes públicos que não são eleitos. Os juízes são recrutados como regra geral por critérios técnicos, concursos públicos e o fundamento de legitimidade de atuação dos juizes é precisamente conhecimento técnico, a imparcialidade, o distanciamento crítico, mas eles não são agentes políticos eleitos.

ConJur — Mas o Judiciário tem um papel político.

Luís Roberto Barroso — O papel do Judiciário é aplicar a Constituição, as leis, é aplicar as decisões políticas que foram tomadas pelos outros poderes: pelo constituinte e pelo Legislativo mais o Executivo, porque a lei normalmente será obra do Legislativo com a sanção do Executivo. De modo que sempre se discute a legitimidade democrática do Judiciário e os limites da sua atenção tendo em conta o fato de que ele não é eleito. Mas é importante considerar que o Judiciário, sobretudo o Supremo, funciona muitas vezes como o órgão de defesa da Constituição e da legalidade e das minorias contra as maiorias políticas. Portanto contra a lei, contra o Executivo e no caso brasileiro até, às vezes, contra a imprensa. Quando a imprensa cria um rolo compressor pela punição, cabe ao Judiciário o papel, nem sempre bem compreendido, de dizer que não é porque o veiculo x, y ou z está com pressa que o réu deve estar com pressa. O réu quer exercer o seu direito de defesa e tem o direito de exercê-lo. Portanto, o Judiciário tem este papel de dizer à maioria: “vocês podem muito, mas não podem tudo, há direitos fundamentais a serem respeitados e há um devido processo legal”.

Walter Nunes, juiz federal, presidente da Ajufe


ConJur — Tudo no Brasil hoje vai parar na Justiça. Do campeonato de futebol à tarifa do telefone passando pelo emprego e pelo aluguel da casa. O país se judicializou. Não está na hora de começar um processo de desjudicialização?

Walter Nunes — Quando um país tem demandas judiciais como o Brasil tem hoje é porque a sociedade está em crise. O Brasil não tem mecanismos de contenção e de resolução de conflitos. Um país saudável, democrático, tem várias instâncias de resolução do conflito, além das judiciais. Quanto mais instâncias não-judiciais, melhor. Os brasileiros não têm associações e classes organizadas para a defesa de seus interesses. Por isso, a atuação incisiva do Ministério Público na defesa de interesses coletivos. O processo de judicialização vem da falta de instrumentos de resolução de problemas da sociedade. No caso do inventário, as pessoas poderiam resolver no cartório. Separações e divórcios consensuais também poderiam ser resolvidas no cartório.

ConJur — A execução fiscal poderia ser administrativa?

Walter Nunes — Hoje, o Fisco apura administrativamente o débito fiscal, faz o lançamento, inscreve na dívida ativa e entra com uma ação na Justiça para cobrar a dívida. O juiz manda citar o cidadão. Se ele não pagar, o juiz manda penhorar os bens. O juiz é quem faz a execução. Na minha opinião, a administração deveria fazer o lançamento fiscal, a quantificação do valor e a identificação de quem é o responsável tributário, além de fazer a execução.

Luis André Alves de Melo, promotor de Justiça (MG)

ConJur — O que vem a ser a sua proposta de reengenharia do sistema judiciário?

André de Melo — Atualmente o sistema jurídico não pertence ao povo mas ao advogado. Não temos um Estado Democrático de Direito mas um Estado Democrático do Bacharel de Direito. A democracia para o bacharel em direito é prevalecer a vontade dele e sem participação popular. O diploma em direito tornou-se mera forma de status e poder, sem necessariamente um conhecimento efetivo social, apenas usam a questão processual e sem reflexão. O sistema judicial concebido no Brasil não se destina a resolver os problemas do jurisdicionado. O interesse da população vem depois dos interesses dos operadores do sistema. Toda a arquitetura é voltada para eles próprios. A reengenharia do sistema jurídico passa por um processo cultural de democratização do sistema jurídico. Temos que considerar que o sistema judicial não é o centro do universo jurídico, ele tem que ser uma das galáxias. Pode ser uma galáxia importante, grande, mas apenas uma galáxia. Atualmente tudo se resolve por meio de uma ação, ninguém sugere que se resolva o problema com uma conversa, com negociação. A própria mídia estimula que as pessoas entrem na Justiça. Há uma cultura de demanda ao Judiciário. A discussão em torno do acesso à justiça tem sido tocada mais pela preocupação dos protagonistas de garantir sua reserva de mercado do que em garantir a concretização da justiça social de fato em relação à população carente.

ConJur — Como modificar essa cultura de demanda ao judiciário no Brasil?

André de Melo — Nos Estados Unidos, por exemplo, começam a surgir novas alternativas para resolver problemas sem que haja a necessidade de recorrer ao Judiciário em um primeiro momento. Por exemplo, existem máquinas nos aeroportos americanos que oferecem uma solução para o seu problema por 20 dólares. O programa da máquina é alimentado por respostas de advogados que sugerem soluções em casos simples. A informação é rápida e barata. O mesmo não ocorre no Brasil, os advogados retêm as informações e atuam como os coronéis de antigamente porque ficam com o poder concentrado em suas mãos e este só é utilizado ao ajuizar uma ação. O controle é consolidado de forma política sem participação popular no sistema Judiciário.


Carlos Teixeira Leite Filho, desembargador do TJ-SP

ConJur — Quantos votos o senhor já teve de proferir em um único dia?

Carlos Teixeira Leite Filho — Sempre achei errado medir trabalho de juiz pelo número de casos julgados. O que deve ser analisado é o trabalho, como um todo. Número não significa resultado ou, justiça. Por exemplo, um juiz de Vara de Fazenda Pública não dá o mesmo número de sentenças que um juiz de Vara de Família. A este último, quanto menos sentença ele der e quanto mais acordos e soluções definitivas realizar, mais estará realizando a paz social, trabalhando tanto ou mais que o outro e, essa é a função que lhe cabe. Acredito que isso se aplica em segunda instância. Refletir sobre uma tese de direito, um contrato, pode ser tão desgastante e díficil quanto analisar uma prova no processo criminal e vice-versa. Não sei quantos votos proferi. Apenas faço o meu trabalho.

ConJur — Podemos dizer que uma melhor distribuição de renda resolveria boa parte do número de ações ajuizadas?

Carlos Teixeira Leite Filho — É lógico. Se existe a possibilidade de pagar ou fazer um excelente acordo, para que litigar com o banco ou porque se submeter a juros absurdos?. Se houvesse garantia dos serviços públicos essenciais à sociedade, não haveria tantos litígios voltados contra planos de saúde, por exemplo. No caso de financiamentos bancários ou de obrigações, não haveria tanto inadimplemento. Cansei de fazer audiência de cobrança de condomínio. Era revoltante: em 95% dos casos o condomínio não é pago porque o morador não pode e não porque não quer. É uma humilhação no local onde você mora e era comum ver que a causa não era de opção pessoal. Era uma necessidade: como o nome não ia ao Serasa no caso de falta de pagamento de condomínio, o melhor era adiar o problema. No caso de busca e apreensão de carro financiado é a mesma coisa. Quem se utiliza dessa linha de crédito é porque quer o carro, muitas vezes para o final de semana com a família, e se ele deixou de pagar tem uma razão maior. Jamais iria agir sem um motivo. Aliás, nessas ações, é comum os réus, na maioria sem defesa por opção, entregar os carros diretamente à financeira para não passar pelo constrangimento de ter o carro apreendido pelo oficial de Justiça diante dos vizinhos ou da família. E, a peculiaridade é que, fora a questão dos juros, há muito pouco de direito ou jurídico nessas ações.

ConJur — Do que o Tribunal precisa para distribuir mais Justiça?

Carlos Teixeira Leite Filho — Basicamente de mais estrutura, de mais funcionários. Há uma carência muito grande de pessoal. Instalam várias varas, mas todas sem o que seria adequado. Também precisamos de mais juízes. E porque não contratar assessores para esses magistrados? Há muitas coisas que podem ser delegadas. Um assessor custa bem mais barato e é o caminho mais rápido. Por outro lado, há assuntos que nem deveriam chegar à segunda instância. É o caso dos recursos sobre o pagamento de pensão alimentícia quando a necessidade é presumida. Veja, por exemplo, o caso de um menor carente com o pai desempregado, que vive de bicos, ganha por volta de um salário mínimo e deve dar um terço disso ao filho. Foi o juiz de primeira instância quem analisou o caso, conversou com o responsável. É ele quem tem elementos para saber se o valor fixado é justo. Não é o Tribunal de Justiça. O Tribunal de Justiça não teve nenhum contato com as partes e não tem o que analisar concretamente, salvo raras exceções.

Vantuil Abdala, juiz trabalhista, conselheiro do CNJ

ConJur — Recentemente o senhor concedeu uma entrevista onde mostrava uma certa insatisfação em relação ao andamento dos trabalhos do CNJ. O que está acontecendo?


Vantuil Abdala — Quando se criou o Conselho Nacional de Justiça o objetivo básico era o fortalecimento do Poder Judiciário, principalmente sob o aspecto da sua independência. Nós, que já vivemos momentos de exceção no país, sabemos o quanto é importante ter um Poder Judiciário independente, altivo, autônomo e corajoso. Não vejo vontade nenhuma do establishment em prestigiar o Judiciário. Essa me parece ser a função primordial do CNJ para a qual ele não está atentando.

ConJur — O que o CNJ deveria estar fazendo e não está?

Vantuil Abdala — O Conselho está fazendo coisas boas e importantes, está tentando separar o joio do trigo. O CNJ está tomando providências em relação a comportamentos impróprios e irregulares de magistrados, especialmente na área administrativa. Isto é o fundamental? Não. O CNJ está preocupado com a celeridade da prestação jurisdicional? Sim. Isto é uma coisa importante? É muito importante. O prestígio do Judiciário também depende do tempo em que ele responde ao reclamo da sociedade. O Conselho está atento para questões importantes, mas não com a intensidade que se esperava porque está perdendo tempo com questiúnculas.

ConJur — Onde estaria a raiz do problema?

Vantuil Abdala — Me parece que o CNJ tem uma missão muito maior e muito mais importante do que tratar dessas miudezas que são desentendimento entre juízes, desentendimentos entre juízes e tribunal, entre funcionário e juízes e de funcionários entre si. Temos, às vezes, mais de 60 processos na pauta e ficamos o dia inteiro, todos os conselheiros, apreciando coisas assim. Outro dia, por exemplo, julgávamos um processo em que se discutia qual era o tipo do papel que se devia usar num determinado tribunal.

POLÍTICA

Ovídio Rocha Barros Sandoval

ConJur — Qual o papel de uma CPI?

Ovídio Sandoval — Nem mesmo os deputados e os senadores — ao menos a maioria deles — têm consciência do papel que deve ser desempenhado pelas CPIs. As comissões, de acordo com o que estabelece o artigo 58 da Constituição, têm a função de investigar um fato determinado. E, em seu relatório final, podem apresentar alguma proposta ao Congresso Nacional para melhorar a legislação brasileira a partir do que foi apurado. Mas as CPIs têm de se ater ao fato determinado, trabalhar naquilo que foi descrito no ato de sua criação.

ConJur — Partindo desse princípio, as atuais CPIs foram totalmente desviadas de seu papel?

Ovídio Sandoval — Sim. Essa CPI dos Bingos, por exemplo, eu costumo dizer que é a CPI dos fatos indeterminados. Ela foi criada para apurar problemas atinentes a bingos, práticas ilícitas que o jogo pudesse trazer à vida nacional. E o que isso tem a ver com o assassinato dos prefeitos de Santo André e de Campinas? A quebra do sigilo do Paulo Okamotto, por exemplo, não tem o objetivo de apurar qualquer coisa referente a bingo. É por isso que eu digo que deputados e senadores não conhecem as regras de CPIs, porque eles saem da investigação do fato determinado. Quando o ministro Cezar Peluso [do Supremo Tribunal Federal] deu uma liminar para suspender o depoimento do caseiro Francenildo Costa na CPI, o criticaram dizendo que o Poder Judiciário estava interferindo nos trabalhos do Poder Legislativo. Mas não foi isso que ocorreu. O ministro apenas entendeu que o depoimento saía do objeto de investigação, já que o Francenildo não tinha nada a dizer sobre bingos. O ministro Peluso só fez com que fosse cumprida a Constituição, que determina que as CPIs devem limitar o objeto de sua investigação.


► Ivan de Souza Mendes, general do Exército

ConJur — Como o senhor avalia o governo Lula?

General Ivan — Ele superou minhas expectativas. Mas é preciso dizer que elas não eram tão grandes assim (risos). Esperava-se um desastre. E não foi. Estou admirado como ele conseguiu dar uma certa respeitabilidade ao governo. O começo foi muito difícil e as perspectivas eram as piores possíveis. Mas depois deu para perceber que era um governo sério. O que faltava ao Lula, basicamente, era competência. Faltava-lhe estofo. O curioso é que ele falhou na ética, onde era bom e acertou na economia, onde era mal. É simples: ele acertou com os conselheiros econômicos e errou com os conselheiros políticos. É preciso reconhecer que ele é inteligente. Para a pouca cultura que tem, mostrou-se competente. Conseguiu prestígio internacional e respeito dos chefes de Estado do mundo todo. Notou que o Hugo Chaves era um bobalhão e retraiu-se, o que foi bom. No aspecto eleitoral, soube cuidar do rebanho para garantir a reeleição.

ConJur — O senhor se surpreende com tantas denúncias de corrupção?

General Ivan — Nem um pouco…Essas coisas que estão ocorrendo aí são terríveis, mas elas sempre existiram. Políticos envolvidos com dinheiro sempre houve… É quase a mesma coisa que havia lá atrás, por baixo dos panos. Acho que agora aparece mais, mas o Congresso sempre foi mais ou menos assim….

ConJur — Como o senhor vê o festival de indenizações para pessoas que dizem ter sido vítimas de perseguição política e já garantiram cerca de R$ 3 bilhões do governo sem precisar ir à Justiça?

General Ivan — Não se pode fazer pouco caso da dor alheia e é preciso respeitar direitos. Mas o que estamos testemunhando, na maior parte dos casos, é marmelada. Uma coisa vergonhosa. Gente de má-fé aproveitando para tirar o pé da lama. Beira o estelionato. É indecente.

TRABALHO

►Sólon Cunha, advogado

ConJur — Como a Justiça do Trabalho está encarando as novas relações de emprego como as cooperativas, as empresas unipessoais e as sociedades por cotas?

Sólon Cunha — Essas relações de trabalho não são novas. O que é novo e que está em discussão é se essa pessoa que tem uma pessoa jurídica uniprofissional, por exemplo, poderia ingressar na Justiça do Trabalho em função de relação de trabalho. Na minha opinião, se o trabalhador de fato atuar através de uma pessoa jurídica, perde a competência da Justiça do Trabalho. Mas se o trabalhador vai à Justiça do Trabalho alegando que aquela pessoa jurídica é fraudulenta e foi exigida pela empresa com objetivo de fraudar a relação de emprego, então esse trabalhador deve ter sua reclamação julgada na Justiça trabalhista. O que importa na Justiça do Trabalho é a relação de fato, é o que chamamos de “contrato realidade”.

ConJur — A CLT está adequada a essa nova realidade?

Sólon Cunha — Do ponto de vista processual sim. Tanto que o Código de Processo Civil acompanhou algumas regulamentações da CLT, como a audiência única, notificação postal, unificação de execução ao processo de conhecimento, não haver agravo em decisão interlocutória. Achamos que temos leis fortes, mas, na verdade, a informalidade é muito alta. E esse é o maior problema porque desestabiliza a concorrência. Em um exemplo bem simplista: um carrinho de cachorro quente ou de hambúrguer na rua compete com o McDonald´s. Temos uma grande massa de trabalhadores à disposição de pequenas empresas que desestabilizam o mercado das empresas grandes com a informalidade na contratação e na relação de emprego.


ConJur — A reforma ideal da CLT significa suprimir direito do trabalhador?

Sólon Cunha — Não. Significa atualizar as leis. O que eu estou propondo é uma análise da CLT sob o ponto de vista da realidade. Por exemplo, tele marketing hoje é um dos ramos com maior nível de emprego do Brasil e a CLT não fala absolutamente nada do trabalho de tele marketing. O juiz tem que fazer analogia a telefonista, mecanógrafo, datilógrafo. A mesma coisa do trabalho a distância, o tele-trabalho, que também não temos nenhuma regulamentação.

ADVOCACIA

José Roberto Batochio

ConJur — Hoje, com a proteção que os advogados desfrutam da Constituição e do Estatuto da Advocacia, pode-se dizer que eles conseguem exercer sua profissão sem constrangimentos?

José Roberto Batochio — Não. Ainda hoje, os tribunais continuam a interpretar restritivamente as prerrogativas da advocacia porque não querem abrir mão dessa espécie de censura da linguagem do advogado no ambiente dos tribunais. Já pensou todo mundo falando o que pensa? Deus nos acuda! É tudo que alguns tribunais não querem. Durante a ditadura, na vigência do AI 5, quando os militares entravam nos tribunais e cassavam os juízes, quem protestava eram os advogados. O Judiciário apenas cumpria em silêncio a ordem e o Ministério Público não se mostrava presente. Foram raríssimos os Márcio Moraes e os Américo Lacombe. Agora, quando nós precisamos da efetiva tutela desses direitos da advocacia, setores do Judiciário interpretam as nossas prerrogativas mortificando-as e alguns membros do Ministério Público querem ignorá-las. Isso não é ingratidão, é a recorrência da história, com a qual o advogado tem de aprender a conviver desde cedo. O patrocinado de ontem jamais será o reconhecido de amanhã.

IMPRENSA

Lourival J. Santos, advogado

ConJur — Qual é o limite entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade?

Lourival J. Santos — Não vejo qualquer tipo de conflito ou antagonismo entre os dois princípios, que foram previstos no mesmo título da Constituição. Ambos são princípios pétreos e consagram direitos e garantias individuais e coletivas. Há decisões judiciais que destacam a existência de conflitos entre os dois princípios. Entendem que o direito da personalidade pode frear a plena liberdade de expressão, de comunicação. O que não pode é o emprego da censura na liberdade de expressão. Liberdade de expressão significa liberdade sem censura, sem barreiras. Quem desrespeitar um direito da personalidade, deverá ser punido com severidade, mas isso não significa que esse direito possa cercear a liberdade de expressão. Este aparente conflito tem de ser entendido no contexto histórico que gerou a Constituição de 1988.

ConJur — Daniela Cicarelli tem direito de cobrar pelo uso de sua imagem?

Lourival J. Santos — Entendo que não. No caso Cicarelli, o fato foi jornalístico. É bom destacar que a imprensa não tem apenas o direito de publicar. Ela tem o dever de publicar. E não é um dever moral de publicar, é um dever jurídico. Até porque o cidadão tem o direito sagrado de ser informado sobre todos os assuntos de seu interesse. Há pouco tempo, Chico Buarque foi fotografado em uma praia do Rio de Janeiro beijando uma jovem. Se fosse uma pessoa desconhecida passaria despercebido. Como ele é artista famoso, a imprensa deu o furo de reportagem. O mesmo aconteceu com a Cicarelli.


ConJur — Mesmo quando o objeto da notícia, como é caso do namoro da Cicarelli, não tem interesse público?

Lourival J. Santos — O namoro da Cicarelli tem interesse público. Não podemos falar que só têm interesse público as informações de política, economia ou cultura. Também a imprensa que trata de televisão, entretenimento, celebridades, eventos sociais é de interesse da população. Há pessoas que seguem de perto e com muito interesse os acontecimentos da vida do seu ídolo, os acontecimentos da vida das pessoas que ela admira.

ConJur — E isso é interesse público?

Lourival J. Santos — É de interesse público, é de interesse da população. Existem revistas e jornais dirigidos a esse determinado público e com notícias dessa natureza. Não se vê toda hora, em qualquer lugar, uma apresentadora de televisão namorando na praia.

ELEITORAL

Renato Ventura Ribeiro, advogado

ConJur — Que temas mereceriam entrar na reforma política?

Renato Ventura Ribeiro — Um é o da fidelidade partidária. Um requisito para que alguém possa ser candidato deveria ser que estivesse filiado há um bom tempo no partido e, se sair do partido, deve perder o mandato. Outra questão seria mudar a forma de eleição dos parlamentares. No lugar de votar em um candidato, votar em partido. O partido apresentaria uma lista, por exemplo, de 50 candidatos. Se o partido tivesse votos para eleger apenas dez, seriam eleitos os primeiros da lista. Se passar apenas esse esquema de lista fechada com a cláusula de barreira, nós teremos uma espécie de revolução eleitoral. Haveria um fortalecimento dos partidos, que terão disputas internas e militância contínua dos candidatos para ver quem chega aos primeiros nomes da lista. A votação em lista é importante porque despersonaliza a política e atribui maior responsabilidade aos partidos.

ConJur — Quais outros pontos seriam enfrentados por uma reforma política mais profunda?

Renato Ventura Ribeiro — Uma questão a ser discutida é se o Parlamento deve ser unicameral ou não. Hoje, nós temos duas câmaras: a Câmara dos Deputados e o Senado. A justificativa para isso é a de que a Câmara representa a população e o Senado representa os estados. Mas se nós não temos um federalismo de fato, com estados fortes, por que ter um federalismo de direito? Por que não ter um Parlamento com uma única câmara? Isso iria reduzir os custos do Poder Legislativo pela metade. Os projetos de lei e as demais proposições iriam tramitar muito mais rapidamente e não haveria necessidade de 513 deputados e 81 senadores. Um Parlamento com 400, 300 parlamentares seria mais do que suficiente.

ConJur — O senhor defende maior participação popular para decidir certas questões. Como se daria isso?

Renato Ventura Ribeiro — A idéia é fazer uma consulta direta à população sobre temas polêmicos. Pegaríamos alguns pontos que interessam à população e faríamos dez, 15 perguntas respondidas com sim ou não, como se fosse uma eleição. Por exemplo, poderíamos chamar a população para decidir sobre aborto, prisão perpétua e outras questões. Na Suíça, esse tipo de consulta é muito comum. No lugar de os parlamentares decidirem em nome do povo, a população decide o que quer. E esse gasto é menor do que o funcionamento do Congresso para discutir essas questões. A participação traria maior politização da população.


CRIMINAL

► Arnaldo Malheiros Filho

ConJur — O Estado não deveria ser mais condescendente com quem deixa de pagar imposto para ter a empresa funcionando, do que aqueles que deixam de pagar imposto por vocação criminosa mesmo?

Arnaldo Malheiros Filho — Vou citar mais uma vez o professor Manuel Pedro Pimentel: “O primeiro requisito para que a repressão funcione é a repulsa social à conduta”. Ele dizia que não adianta ter Polícia, porque essa entidade só vai funcionar se aquele ato praticado é um negócio que as pessoas não gostam ou não querem. Caso contrário, não há Polícia que dê jeito. Pimentel também defendia que, no Brasil, sonegar imposto é uma maravilha. O assalariado que é descontado na fonte e não que tem como sonegar, aprende rapidinho que se ele comprar com nota fiscal, paga mais caro. Então, a sonegação do comerciante volta para ele. E o comerciante não sonega para ficar mais rico, ele sonega para ter o melhor preço e vender mais que o concorrente. Por outro lado, se você deixar isso generalizar, o Estado quebra.

ConJur — Qual é o sentido da pena: punir ou recuperar o condenado?

Arnaldo Malheiros Filho — Na verdade, o sentido é duplo. Ou seja, recuperar pela punição. A pena é amarga, ela tem de ser. Não se pode ter um Estado impregnado de sentimentos negativos a que os seres humanos estão sujeitos. Nós todos temos raiva, mas você não pode ter um Estado raivoso. O Estado tem de ser frio e racional. Não faz sentido você causar o mal a alguém ou causar dor aplicando punição se não tiver um sentido social.

ConJur — Qual seria o sentido social?

Arnaldo Malheiros Filho — A recuperação. E é na recuperação que a prisão é a falência total. Se você usar uma medida de sucesso da pena, tudo bem. Qualquer uma delas será discutível. Mas uma que é comumente usada é a taxa de reincidência. Se os condenados voltam a ser condenados é porque a pena não serviu para nada.

Leonardo Sauaia, psiquiatra

ConJur — O tratamento do indivíduo é mais importante que a punição?

Leonardo Sauaia — Para o psiquiatra, sim. No caso da Febem, por exemplo, o nosso trabalho é tratar os internos. Não queremos saber se ele vai tomar o medicamento dentro ou fora da fundação. O importante é que ele tome o remédio e que o faça de maneira correta.

ConJur — O senhor, como cientista do comportamento humano, acredita que cadeia resolve alguma coisa?

Leonardo Sauaia — Se existe um desvio do comportamento, a pessoa precisa de um tratamento. Se esse tratamento for oferecido na cadeia, ótimo. Se esse tratamento for oferecido em um hospital, ótimo. Se esse tratamento for oferecido em um manicômio judiciário, ótimo. Se esse tratamento for oferecido na casa do indivíduo, ótimo. Mas estou falando de uma doença, não estou falando de alguém que cometeu algum crime em perfeito estado mental.


ConJur — O que é o desvio de comportamento?

Leonardo Sauaia — Em casos mais perceptiveis, como um retardo mental, ou até em outros menos nítidos, como os transtornos de personalidade, os desvios de comportamentos acontecem quando há inflexibilidade no comportamento de uma pessoa. Essa inflexibilidade acaba prejudicando o relacionamento com o mundo e com outros indivíduos. Quando isso existe, a pessoa não sabe reagir de uma outra forma a não ser aquela. Não que ela não possa aprender ou reaprender. O mais importante é saber se essas pessoas têm consciência das conseqüências dos seus atos. Inclusive, a falta de consciência é menos freqüente.

ConJur — A rua perverte menos do que a família?

Leonardo Sauaia — Não. A família pode ser mais problemática, mas é ela que oferece carinho e que provê cuidado nos momentos que a criança realmente precisa. A rua pode oferecer mais liberdade, só que é um meio extremamente hostil. Se a criança se endividar, por exemplo, a forma de cobrar a dívida é um pouco mais selvagem do que dentro de casa. Quando a criança precisa de acolhimento, é mais difícil encontrar. Em casa também pode ser que esse acolhimento é pouco disponível, ou pouco acessível. Uma das possibilidades para uma criança quando ela é internada na Febem é de uma intervenção não só no comportamento dessa criança, mas também no convívio dessa família. Tanto que as visitas familiares são estimuladas.

ENSINO

Ary Osvaldo Mattos Filho, advogado

ConJur — As escolas preparam o profissional que o mercado espera?

Mattos Filho — Há uma demanda não suprida pelas faculdades de Direito. Escritórios e empresas que querem um profissional com perfil diferente do que as escolas tradicionais oferecem. Advogados que não digam para a empresa simplesmente o que não se pode fazer, mas que ofereçam alternativas, digam quais são as possibilidades e as conseqüências de cada opção. Descobrimos isso com uma ampla pesquisa de mercado com os grandes escritórios de advocacia e as empresas de colocação para criar a faculdade de Direito da FGV em São Paulo.

ConJur — O que mais a pesquisa apontou?

Mattos Filho — Mostrou também que a grade curricular das boas faculdades de Direito é defasada da realidade empresarial brasileira. Hoje em dia é inaceitável que um advogado que vá se dedicar à atividade jurídico-empresarial não tenha boa formação de contabilidade, finanças, micro e macroeconomia. Principalmente se esse advogado for trabalhar com Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, ou Direito Societário, ou quiser participar de um processo de aquisição. O advogado que quiser assessorar um empresário brasileiro em negociação com uma parte estrangeira precisa saber também o inglês jurídico, que é muito diferente do inglês usado em viagens.

ConJur — Que outras expectativas das empresas não estão sendo supridas pelos advogados?

Mattos Filho — O advogado que sai das tradicionais faculdades de Direito é litigante. E a última coisa que um empresário deseja é ir ao Poder Judiciário para resolver suas questões, dada a demora e a incerteza. Obviamente que o empresário fica feliz se for réu, porque demora bastante para ter resultado. Mas a idéia é formar um advogado com alta capacidade de negociação. Isso não quer dizer que não há espaço para advogados formados em uma faculdade de Direito tradicional. Esses alunos certamente estarão empregados. Mas há um novo mercado que precisa de um advogado diferenciado, que consegue agrupar o conhecimento de economia e de administração de empresas ao Direito, como a Fundação Getúlio Vargas pretende formar. Isso se manifestou de uma forma muito positiva no primeiro vestibular que fizemos no fim de 2004, com 24 candidatos por vaga. Foi um número bastante expressivo, porque a USP teve 22 candidatos por vaga e depois veio a PUC, com 7 candidatos. Claro que temos de analisar isso em números estatísticos, já que a USP oferece 400 vagas e a PUC também. A FGV oferece 50 vagas.

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