Opinião

A renovação da velha e sempre nova academia

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

10 de janeiro de 2017, 7h01

Integrada por 166 professores, 154 servidores administrativos, 2,3 mil alunos de graduação e 1,6 mil de pós-graduação, com um orçamento, em 2016, de aproximadamente R$ 5 milhões, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, passa por um momento auspicioso, de considerável interação entre os seus protagonistas, em busca de objetivos comuns, ao ensejo da comemoração de seus 190 anos!

Desde a criação dos cursos jurídicos no Brasil, pela Lei de 11 de agosto de 1827, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, juntamente com a de Olinda, destinou-se à formação de bacharéis para administrar o país recém-independente. Celeiro de significativa parte das lideranças intelectuais e políticas nacionais, o curso da academia, durante o Império e, depois, em época republicana, formou ideólogos, estadistas, chefes de governo, diplomatas e administradores públicos, em todos os níveis. Na dinâmica cultural, que em torno dele se criou, despontaram poetas, literatos, jornalistas e dramaturgos.

O momento culminante de sua história institucional foi a fundação da Universidade de São Paulo, em 1934. Esteve à frente, deste movimento de reforma educacional, o jornalista Júlio de Mesquita Filho, antigo aluno das Arcadas (turma de 1916). Entre os professores da Faculdade de Direito que fomentaram a sua integração à USP figuraram, entre outros, Vicente Ráo e Candido Motta.

Notória é a importância política que a São Francisco conquistou ao longo de sua história, com expressiva e determinante participação na defesa da democracia, especialmente nos momentos em que a força conspirou contra os direitos individuais. Exemplo superlativo e mais recente desse relevante papel foi a Carta aos Brasileiros, redigida e lida pelo saudoso Professor Goffredo da Silva Telles, em 1977, no território livre de São Francisco, a céu aberto.  O documento, na verdade, teve relevante significado para o país, em prol do restabelecimento do Estado de Direito.

Todavia, o peso desta inequívoca tradição de glórias, na luta pela liberdade e pela cidadania, construída nestes 190 anos, não afasta a exigência de excelência acadêmica. É sempre oportuno relembrar que o precípuo escopo, dos educadores, é ensinar o Direito, sem qualquer concessão ao método ferido pela obsolescência e distanciado de uma visão crítica.

Ocioso é dizer que nestas últimas duas décadas a ruptura de estruturas e de paradigmas tem caracterizado a complexa sociedade do nosso tempo, em suas legítimas esferas particulares, a partir de novas descobertas científicas, das alterações do meio ambiente, do incremento da tecnologia da informação que propicia a celebração de diversificados negócios em tempo real, do ativismo digital, da repercussão dos interesses metaindividuais, da judicialização da política, das significativas mutações no âmbito do direito de família, do direito penal, e ainda de muitos outros fenômenos dignos de proteção jurídica. Esse conjunto de aceleradas transformações sociais tem, por certo, exigido imediatas respostas no plano técnico jurídico.

A Congregação da Faculdade de Direito, em sua última reunião de 2016, aprovou o novo Projeto Político Pedagógico, fruto de um detido trabalho elaborado pela Comissão de Graduação, durante mais de 4 anos de estudos, e que procurou absorver, tanto quanto possível, as principais reflexões da comunidade acadêmica, com a preocupação de reformar o curso jurídico, firme na percepção de que ensino, pesquisa, cultura e extensão à comunidade constituem atividades fundamentais que se complementam, em benefício do aprimoramento de um projeto institucional complexo, com o declarado escopo de superar dificuldades e modernizar suas estruturas educacionais e, ao mesmo tempo, aprofundar a inserção da Faculdade de Direito, nas diversas áreas do conhecimento, no contexto científico internacional. Além da sua missão de formar profissionais para as diferentes carreiras jurídicas, que atuem com ética e senso de cidadania, a Faculdade de Direito tem também a obrigação de contribuir com a formulação de políticas públicas, que ajudem a melhorar a vida da sociedade e a contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e humana.

Como se colhe da justificativa do referido Projeto Pedagógico: “este é nosso principal desafio: conciliar as necessidades de demanda com a tradição da mais antiga Faculdade de Direito do país. Articular o convívio das pessoas com as singularidades que nos identificam. Servir à sociedade paulista e brasileira, a partir de uma pluralidade democrática engajada no processo de aperfeiçoamento e transformação social”.

Com a implantação dessa nova grade de disciplinas, o nosso curso de bacharelado se vê renovado sob a responsabilidade de um dedicado corpo docente, com média etária de 46 anos, exatamente num importante ano comemorativo, que será marcado pela realização de inúmeros eventos culturais e acadêmicos. Com agenda já definida, a XIX Semana de Recepção aos Calouros (Serec), na primeira semana de março, terá um formato diferenciado, com palestras e seminários temáticos; a abertura oficial do ano letivo no dia 16 de março, com a apresentação da prestigiosa Orquestra Sinfônica da USP; o lançamento do selo comemorativo dos 190 anos, no mês de maio; a Semana Jurídica XI de Agosto, complementada pelo Congresso Internacional de Direito; expressiva  exposição do nosso Museu; e, ainda, a publicação do Livro em Homenagem aos 190 anos, que revela, com detalhes, a estrutura e as múltiplas atividades da Faculdade nos dias atuais, sempre com o inestimável apoio da Fundação Arcadas e da Associação dos Antigos Alunos.

Norteada pelo espírito franciscano, a renovação ora em pauta, a caminho seguro dos festejos do bicentenário da fundação dos cursos jurídicos no Brasil, reverencia, com certeza, a importância histórica da São Francisco no contexto de nossa formação cultural nos últimos dois séculos.

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