Opinião

Levantamento de valores de condenação precisa de mudanças

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15 de agosto de 2017, 6h32

A vida em sociedade, muito embora seja (e tenha sido) essencial para o desenvolvimento da civilização, igualmente trouxe discórdia e prejuízos, considerando eventuais conflitos de interesses entre as pessoas. Quanto mais desenvolvido o corpo social, mais complexas serão as questões a se resolver entre os indivíduos que o compõe.

No início de nossa história prevalecia a violência na solução dos impasses, sendo o exemplo mais memorável a instituição da "Lei de Talião", cujos primeiros indícios foram encontrados no Código de Hamurábi. Em verdade, não havia justiça, portanto, mas sim mera retaliação.

O progresso da raça humana paulatinamente nos fez perceber que a elaboração de normas que regulassem as situações cotidianas, seria (como de fato, foi) crucial para a convivência harmônica de todos. Na sociedade moderna, o mecanismo de reparação que temos caso alguém viole nossos direitos é justamente o ajuizamento de ações judiciais.

O que podemos perceber na prática forense, é que mesmo quando a demanda tem como objetivo uma obrigação relativa a alguma ação ou omissão (fazer ou não fazer, por exemplo), mantém-se algum conteúdo econômico, ou seja, na maior parte dos casos, há, outrossim, a obrigação de pagar.

Com o trânsito em julgado, os valores devidos por direito concedido pelo Estado-Juiz, deverão ser repassados à parte vencedora, que tanto aguarda este momento, mormente quando relativos a verbas alimentícias, ou diante da necessidade do dinheiro para a reparação de danos, principalmente em se tratando de hipossuficientes.

Com relação a este ponto, os procedimentos que são adotados atualmente, para a expedição de mandados de pagamento, referentes à condenação principal (ou seja, o valor que ao final será devido à parte vencedora), claramente carecem de um debate mais aprofundado e mais técnico.

O entendimento mais recente tanto do Conselho Nacional de Justiça, quanto do Superior Tribunal de Justiça, se alicerça na premissa de que o advogado, desde que possua procuração com poderes para receber e dar quitação, deve obrigatoriamente figurar nos alvarás de levantamento, ao lado do nome da parte a qual assiste, ainda que se trate de verba destinada ao seu cliente.

Data maxima venia, não parece a melhor solução.

Em verdade, por uma questão de praticidade, economicidade e a fim de tornar a estatística processual mais próxima da realidade, a expedição de alvarás individualizados, — ou seja, para a parte (principal) e para seu patrono (honorários) separadamente —, agilizaria o trâmite judicial, considerando que o processo poderia desde logo ser arquivado, uma vez que não restariam dúvidas quanto à quitação integral.

Ao revés, quando o mandado referente ao valor da condenação é expedido em nome do patrono, embora alusivo a numerário de titularidade da parte, é necessário que o processo fique parado, aguardando a efetiva comprovação do repasse. Essa logística induz ao acúmulo e eventual "esquecimento" de processos findos, aumentando desnecessariamente — e erroneamente — as estatísticas processuais.

Ademais, a rotina de expedição de alvarás separadamente para a parte e para o seu causídico, de acordo com os valores devidos a cada um, evitaria eventuais retificações da Declaração de Imposto de Renda, que é remetida pelos tribunais à Receita Federal.

Exemplificando, se um mandado de pagamento é entregue pelo tribunal em dezembro, esta será a referência que será passada ao Fisco, para o cruzamento de dados. No entanto, se o advogado prestar conta desses valores ao seu assistido unicamente, por exemplo, em março, o beneficiário pode cair na malha fina, considerando a possível divergência de informação.

Por outro lado, são inúmeros os precedentes de "desvio" de valores pertencentes às partes por alguns procuradores atuantes.

Convenhamos. Após a liberação do numerário, o Magistrado pouco pode fazer para proteger o jurisdicionado. Eventual comunicação ao órgão de classe (OAB), intimação do causídico, ou mesmo ofício ao Ministério Público para apuração quanto à suposta apropriação indébita, são medidas que, infelizmente, não se mostram céleres, e, por conta disso, podem restar ineficazes ao final, considerando a alta burocracia e o formalismo necessário para efetivá-las.

Por óbvio que o patrono acabará por ser condenado, caso a retenção tenha sido indevida; mas e o prejuízo material? E se a verba for desviada a tal ponto que não reste rastro da mesma? Para aquele que luta na justiça por seus direitos, e que está contando com aquele dinheiro, após meses ou mesmo anos para a solução desse impasse, o desfecho pode mesmo ser fatal.

Além do mais, ao contrário do que se propaga, não há que se falar em ofensa à legislação. O artigo 22, §4º, da Lei 8.906/94 preconiza que "se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou." Veja-se que a lei fala de honorários (contratuais) e não da indenização devida à parte (valores da condenação).

Argumenta-se acaloradamente que a expedição de mandados de pagamento individualizados compromete o relacionamento de confiança entre o cliente e seu patrono, além de gerar certo constrangimento, uma vez que daria a entender que o causídico não estaria acompanhando o processo adequadamente.

Tais alegações soam quase pueris. O que aqui se sugere não é que o advogado seja "excluído" do acompanhamento processual, tornando-se um mero coadjuvante. O que nem poderia acontecer, tendo em vista a importância (e a própria indispensabilidade — artigo 133 CRFB/88) que possui no andamento da justiça.

As comunicações dos atos processuais continuariam, como de praxe, sendo publicadas na imprensa oficial. O patrono saberia quanto à expedição dos alvarás e mesmo a retirada pelo seu cliente. Apenas haveria separação entre o valor principal, os honorários de sucumbência e eventuais honorários contratuais (caso fosse seguido os ditames legais impostos para tanto).

Ao proceder desta forma, o Magistrado não estará "controlando" o mandato entre advogado e cliente, apenas simplificando o procedimento, evitando-se a demora na comunicação à parte, bem como a demora na efetiva conclusão do feito.

De outra feita, a eventual procuração outorgada pela Parte ao seu advogado, conferindo poderes especiais, poderia ser utilizada, ainda que expressamente consignada neste sentido, como uma autorização para o advogado receber, no banco e na conta corrente da parte, em seu favor, quando concernente ao seu cliente, liberando o Juízo de qualquer ônus neste sentido.

Em outras palavras, uma espécie de "renovação" da procuração, o que seria igualmente uma solução razoável e segura para todos, na medida em que demonstraria o contato recente do patrono com seu cliente.

O que não se pode é tornar a questão um tabu tão arraigado, que não seja possível pensar e sugerir outras formas de proceder, a pretexto de supostos melindres ou egos inflamados de certos advogados, os quais colocam suas ambições bem acima dos interesses de seus constituintes, em efetivo prejuízo ao bem maior: a correta e célere prestação da tutela jurisdicional completa, com o pagamento e o recebimento dos valores de condenação devidos.

Autores

  • é desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF), mestre e doutor em Direito.

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