Opinião

Incentivo à tecnologia pela Constituição Federal do Brasil

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22 de setembro de 2016, 6h26

Em outubro de 1988, os representantes do povo brasileiro promulgaram a Constituição da República Federativa do país com o objetivo de “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a Constituição Federal elegeu em seu artigo terceiro:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Para a consecução dos objetivos fundamentais da República são necessárias políticas governamentais que efetivamente consagrem e ponham em prática as formas de incentivo e desenvolvimento regional, promovendo mais rapidamente instrumentos que permitam ultrapassar as estruturas do subdesenvolvimento.

Seguindo essa filosofia, e não se deixando engessar pelo efeito implacável do tempo, nossa Constituição, pela primeira vez na história, consagrou um capítulo próprio do texto magno (Capítulo IV) apenas para tratar da ciência, da tecnologia e da inovação. Vejamos abaixo o caput dos artigos 218 e 219 da Constituição:

Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

Compete, pois, constitucionalmente ao Estado, promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, e a capacitação tecnológica, sendo, inclusive, facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.

O próprio artigo 5º da Constituição, que consagra as garantias e deveres fundamentais dos cidadãos, por meio de seu inciso XXIX, assegura aos autores de inventos industriais o privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

A linha desenvolvimentista da Constituição Federal estabelece, portanto, que deve haver íntima e necessária ligação entre os temas do desenvolvimento tecnológico, do desenvolvimento econômico e, ainda, do desenvolvimento social. O parágrafo único do artigo 219 da Constituição é claro ao afirmar que “O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia.”

Durante muito tempo administrou-se a cultura de que o desenvolvimento social e econômico seria alcançado predominantemente pelas estruturas empresariais clássicas, dentro do modelo de gestão usualmente difundido.

Todavia, nas últimas décadas acompanhamos o crescimento vertiginoso de novas formas de empreendedorismo, que por sua vez utilizam as novas tecnologias e plataformas, criadas com o apoio constitucionalmente garantido pelo texto supremo.

Citamos, dentro desses exemplos, os aplicativos (ou APPs, como se chamam nos dias atuais) 99 Taxis e Loggi, amplamente difundidos e utilizados por aqueles que necessitam da prestação de serviços de transporte de pessoas e cargas, respectivamente.

O primeiro ficou conhecido por promover a ampliação do serviço de táxis, regulado pelo poder público, e que até então somente era utilizado através de conservadores métodos tais como chamada em centrais, ou ainda pelo deslocamento físico do usuário até os tradicionais “pontos”.

O segundo, por sua vez, gerencia uma plataforma tecnológica que proporciona o uso de software (APP) na rede mundial de computadores, na internet, podendo ser utilizado em notebooks, smartphones e outros aparelhos eletrônicos móveis, utilizando-se, para tanto, de motofretistas devidamente cadastrados e regularizados perante os órgãos oficiais como Secretaria da Receita Federal e respectivas Secretarias Municipais de Fazenda/Finanças e Transporte.

A proteção das novas tecnologias da rede mundial de computadores, aliás, reforça-se, ainda, por determinação da Lei 12.965/2014, que estipulou o Marco Civil da Internet cujo artigo 4º, III, exige do Estado, em sua atividade disciplinadora, o fomento “da inovação” e “difusão de novas tecnologias” nos seguintes termos:

Art. 4º – A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção:

(…)

III – da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso.

Afora os exemplos acima citados, existem inúmeros outros que, na esteira do desenvolvimento tecnológico, vem aproveitando as novas formas de comércio e desempenho das atividades empresariais para gerar e distribuir riqueza, contribuindo para o desenvolvimento social e econômico da mesma forma íntima que nos referimos alguns parágrafos acima.

A noção e importância da ciência e da tecnologia, da forma como expostas no texto constitucional, já foram ressaltadas por ocasião de julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos da ministra Cármen Lúcia:

"O termo ‘ciência’, enquanto atividade individual, faz parte do catálogo dos direitos fundamentais da pessoa humana (inciso IX do art. 5º da CF). Liberdade de expressão que se afigura como clássico direito constitucional-civil ou genuíno direito de personalidade. Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica, até como signo de vida coletiva civilizada. Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação para os misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre todo um autonomizado capítulo para prestigiá-la por modo superlativo (capítulo de nº IV do título VIII). A regra de que ‘O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas’ (art. 218, caput) é de logo complementada com o preceito (§ 1º do mesmo art. 218) que autoriza a edição de normas como a constante do art. 5º da Lei de Biossegurança. A compatibilização da liberdade de expressão científica com os deveres estatais de propulsão das ciências que sirvam à melhoria das condições de vida para todos os indivíduos. Assegurada, sempre, a dignidade da pessoa humana, a CF dota o bloco normativo posto no art. 5º da Lei 11.105/2005 do necessário fundamento para dele afastar qualquer invalidade jurídica (Ministra Cármen Lúcia)." (ADI 3.510, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 29-5-2008, Plenário, DJE de 28-5-2010.)

Outro dado interessante, que demonstra a importância de um Estado garantir apoio e incentivar a tecnologia é o fato dos maiores titãs econômicos dos dias atuais serem, com exceção das instituições financeiras, valiosas empresas de tecnologia como Apple, Google, Amazon, Facebook e Microsoft.

Com um maciço investimento e apoio à geração de tecnologia em território nacional, fatalmente haverá, a longo prazo, a existência de centros de conhecimento tecnológico que podem se expandir globalmente, frente a inexistência de barreiras físicas que esse mercado de plataformas e negócios é capaz de atingir.

Não podemos nos esquecer, contudo, que antes de pensarmos em nos tornar gigantes globais, é necessário utilizar as ferramentas postas à disposição pela Constituição Federal e pela legislação de regência de forma a disseminar o trabalho dos prestadores profissionais, ainda que de serviços individuais.

Essa nova dimensão protetiva encontra-se em maior sintonia com o papel da inovação tecnológica, inclusive via aplicativos ou softwares, quanto ao desenvolvimento nacional que pode proporcionar, acelerar ou simplesmente conduzir a um efetivo desenvolvimento econômico e social. Ao Estado, por sua vez, interessa a defesa dessa área, e o Direito econômico nacional oferece a instrumentalização jurídica dessa política estatal, justamente pelos benefícios que pode carrear ao desenvolvimento socioeconômico da nação.

Novas tecnologias permitem a incorporação do conhecimento mais avançado e determinante para o progresso de um país, pois permite ultrapassar mais rapidamente as estruturas econômicas do subdesenvolvimento.

Tudo o quanto acima discorrido vai de encontro aos preceitos contidos nos parágrafos 1º a 4º do artigo 218 da Constituição Federal, que assim orienta:

Art. 218 (…)

§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.  

§ 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.  

§ 4º A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

Portanto, é através de investimento sistêmico em ciência e tecnologia que o processo de industrialização se torna viável nos países emergentes e permite que esses ofereçam produtos e/ou serviços de qualidade superior e a preços competitivos, viabilizando exportações de produtos industriais, o que significa desenvolvimento econômico e industrial de uma nação.

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