Briga impressa

Chamado de justiceiro, Moro se irrita e envia carta de resposta para jornal

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12 de outubro de 2016, 13h07

O geralmente impassível juiz Sergio Fernando Moro foi retirado de sua serenidade por causa de um artigo escrito pelo físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite e publicado no jornal Folha de S.Paulo nesta terça-feira (11/10). O articulista classificou o homem da “lava jato” como justiceiro messiânico. O incômodo foi tão grande que o julgador deixou de lado a prática de falar apenas nos autos e em palestras e enviou uma carta de repúdio e protesto ao veículo, publicada nesta quarta-feira (12/10).

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Segundo artigo, conceito de justiça de Moro é na verdade “intolerância moralista".
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Moro se sentiu tão aviltado que viu no artigo um chamado velado para que lhe agridam. Questionou a presença de Cerqueira Leite no Conselho Editorial do jornal e afirmou que críticas a autoridades públicas são bem-vindas, mas não quando veiculam preconceito e rancor. Para o juiz, tirando quem está cego por ideologia, está claro que a “lava jato” cuida de crimes de corrupção e não de opinião.

“Lamentável que um respeitado jornal como a Folha conceda espaço para a publicação de artigo como o ‘Desvendando Moro’, e mais ainda surpreendente que o autor do artigo seja membro do Conselho Editorial da publicação. Sem qualquer base empírica, o autor desfila estereótipos e rancor contra os trabalhos judiciais na assim denominada operação 'lava jato', realizando equiparações inapropriadas com fanático religioso e chegando a sugerir atos de violência contra o ora magistrado. A essa altura, salvo por cegueira ideológica, parece claro que o objeto dos processos em curso consiste em crimes de corrupção e não de opinião. Embora críticas a qualquer autoridade pública sejam bem-vindas e ainda que seja importante manter um ambiente pluralista, a publicação de opiniões panfletárias-partidárias e que veiculam somente preconceito e rancor, sem qualquer base factual, deveriam ser evitadas, ainda mais por jornais com a tradição e a história da Folha”, escreveu Moro.

Intolerância moralista
Cerqueira Leite acusou Moro de comandar “esquema fanático” e que seu conceito de justiça é na verdade “intolerância moralista”. O físico avisa o juiz que “seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT”.

No fim, o articulista emitiu um alerta: “Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes”.

Repúdio dos leitores
Junto com a carta de Moro, o jornal publicou a correspondência de dois leitores também repudiando o ataque ao juiz. Rogerio Barletta de Campos, de Guaratinguetá (SP), pondera que as decisões de Moro vem sendo mantida pelas instâncias superiores: “Quer dizer que todo o sistema judiciário, inclusive o STF, está à mercê do juiz Sergio Moro? Todas as suas decisões vêm sendo reafirmadas pelas demais instâncias do Poder Judiciário”, escreveu o leitor.

Wania Lopumo, da capital paulista, afirmou ser fã do físico em outras áreas: “Professor, com todo respeito e admiração que sempre lhe guardei, acredito que sua inteligência e capacidade poderiam nos brindar com outras aventuras —o mais recente Nobel de Física, por exemplo– pois, sinceramente, sua divagação sobre a psique do juiz Moro decepcionou-me. Nota zero!”. 

Leia abaixo o artigo "Desvendando Moro", de autoria de Rogério Cezar de Cerqueira Leite, publicado no jornal Folha de S.Paulo nesta terça-feira (11/10):

"O húngaro George Pólya, um matemático sensato, o que é uma raridade, nos sugere ataques alternativos quando um problema parece ser insolúvel.

Um deles consiste em buscar exemplos semelhantes paralelos de problemas já resolvidos e usar suas soluções como primeira aproximação. Pois bem, a história tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o juiz Sergio Moro e seus sequazes da Promotoria Pública.

Dentre os exemplos se destaca o dominicano Girolamo Savonarola, representante tardio do puritanismo medieval. É notável o fato de que Savonarola e Leonardo da Vinci tenham nascido no mesmo ano. Morria a Idade Média estrebuchando e nascia fulgurante o Renascimento.

Educado por seu avô, empedernido moralista, o jovem Savonarola agiganta-se contra a corrupção da aristocracia e da igreja. Para ele ter existido era absolutamente necessário o campo fértil da corrupção que permeou o início do Renascimento.

Imaginem só como Moro seria terrivelmente infeliz se não existisse corrupção para ser combatida. Todavia existe uma diferença essencial, apesar das muitas conformidades, entre o fanático dominicano e o juiz do Paraná -não há indícios de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savonarola, como aliás aponta o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento italiano.

É preciso, portanto, adicionar um outro componente à constituição da personalidade de Moro -o sentimento aristocrático, isto é, a sensação, inconsciente por vezes, de que se é superior ao resto da humanidade e de que lhe é destinado um lugar de dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar de "síndrome do escolhido".

Essa convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que chega a status sociais elevados é um usurpador. Lula é um usurpador e, portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da aristocracia, ou melhor, do PSDB.

A corrupção é quase que apenas um pretexto. Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT.

Savonarola, após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento da ameaçadora Florença.

Em Roma, Savonarola foi queimado. Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes.

Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não".

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