Inteligência artificial

"Automação do trabalho permite que advogados foquem em teses"

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8 de novembro de 2016, 13h14

O medo de que uma nova tecnologia torne uma classe profissional descartável sempre existiu — basta lembrar dos luditas que tentavam quebrar as máquinas durante a revolução industrial na Inglaterra. Por ser um campo altamente intelectual, o Direito sempre se colocou de certa forma à parte desse debate. Mas com o avanço da computação, internet e inteligência artificial, surgem novos questionamentos: podem as máquinas fazer uma leitura de dados que produza denúncia, defesa e sentença, substituindo assim promotor, advogado e juiz?

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Para Maranhão, evolução tecnológica é uma forma de “separar o joio do trigo”.
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O processo eletrônico é uma realidade e há escritórios que já estão investindo pesado na automação. Um dos casos é o o JBM Advogados, que, como mostrou reportagem da ConJur em um ano, cortou pela metade o número de profissionais da banca e, ainda assim, aumentou a quantidade de processos do escritório. Com linhas de produção e inteligência artificial, 420 advogados dão conta de 360 mil processos.

Para o professor da Faculdade de Direito da USP, Juliano Maranhão, não há espaço para a tecnologia substituir profissionais. Pesquisador no campo da inteligência artificial e Direito, ele vê a evolução dessa área como uma forma de “separar o joio do trigo” e capacitar o advogado para questões mais complexas.

“Ao dispor de ferramentas computacionais para gerir casos mais simples, os juízes e advogados poderão dedicar mais tempo aos casos mais complexos que definem novos padrões e redesenham o ordenamento jurídico”, disse, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.

É como a máquina fotográfica, que dispõe da chave automática e manual. O juiz ou advogado pode decidir se um caso pode receber uma solução com enquadramento e foco automáticos, ou se o fará com uma configuração manual, específica para suas particularidades.

— Juliano Maranhão

Maranhão é o organizador do evento Law, Logic and Technology, que acontece na USP nesta quinta-feira (10/11) e debaterá o papel da lógica nas ferramentas de inteligência artificial aplicadas ao Direito. Junto do professor estarão Luís Matricardi (coordenador do Grupo de Estudos de Lógica da USP); Marcelo Finger (titular de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da USP); Giovanni Batista Ratti (professor de Jusfilosofia da Universidade nde Gênova); Tercio Sampaio Ferraz Junior (professor da Faculdade de Direito da USP e da PUC/SP); e Eugenio Bulygin (professor da Universidade de Buenos Aires).

Leia a entrevista de Maranhão à ConJur:

ConJur – O avanço da tecnologia permite um avanço estatístico cada vez mais específico e profundo. Mas a relação das estatísticas com o Direito é conflituosa. É dito no meio que definir se determinado juiz é conservador ou liberal por estatística produz um resultado errado. Muito mais controverso é produzir uma decisão judicial baseado em leitura de dados. Como você esse conflito? Acha que a tecnologia vai aos poucos ocupar um espaço que hoje é do raciocínio de advogados, juízes e promotores?
Juliano Maranhão – Não se trata de definir o juiz ou tribunal. A apuração estatística não produz decisões nem pretende influenciá-las, apenas embasa a estratégia daqueles que visitam o judiciário. Obviamente, a previsão pode ser frustrada, mas isso não lhe retira a utilidade. Para os juízes essas leituras também são importantes. Na era do big data, os juízes começarão a se perceber não mais apenas como o juiz de determinado caso, ou de casos estanques, mas como parte de um trabalho coletivo de construção e reconstrução permanente do direito vigente. É uma espécie de creative commons judicial, que já existe, mas que agora pode ser melhor visualizado. Sempre que falamos em big data, porém, temos que pensar na inteligência para extração de informações que sejam úteis e reveladoras.

ConJur – A automação já é uma realidade para advocacia? Qual é o impacto da automação neste mercado?
Juliano Maranhão – Desde a introdução dos computadores pessoais, a produtividade dos advogados já se multiplicou. Com o acompanhamento online de processos e com o processo eletrônico, houve novo salto de produtividade. Essas ferramentas, porém, não são específicas para o trabalho dos juristas (edição de texto mais acompanhamento de fluxo). Agora vivemos o momento de introdução de ferramentas especificamente jurídicas, com inteligência. Elas podem ser de variados graus de complexidade. Desde a geração de contratos e petições, que já estão se expandindo no mercado, e que são modelos pré-definidos, até mecanismos de busca inteligentes, que não trabalhem apenas com conectivos booleanos, mas com teses jurídicas, e de decisão sobre judicialização ou não de determinado caso.

ConJur – A classe dos operadores do Direito ainda tem preconceito contra essa intersecção com inteligência artificial?
Juliano Maranhão – Há preconceito e temor contra automação. Foi assim durante a terceira revolução industrial, em que o homem temia ser substituído por um robô. O que se viu foi uma guinada do trabalho para a prestação de serviços, com valor agregado. Na quarta revolução industrial, que agora vivemos, a partir da produção em rede e a internet das coisas, a inteligência artificial aplicada ao direito deverá trazer novas oportunidades. Muito do trabalho do advogado e dos juízes é repetitivo. Há anedotas e casos reais de equívocos de advogados e juízes em que o velho e bom “recortar/colar” prega peças nos usuários. É bem provável que haja uma separação do joio do trigo e um salto de qualidade. Ao dispor de ferramentas computacionais para gerir casos mais simples, os juízes e advogados poderão dedicar mais tempo aos casos mais complexos que definem novos padrões e redesenham o ordenamento jurídico. É como a máquina fotográfica, que dispõe da chave automática e manual. O juiz ou advogado pode decidir se um caso pode receber uma solução com enquadramento e foco automáticos, ou se o fará com uma configuração manual, específica para suas particularidades.

ConJur – Os pesquisadores do evento falam em um novo campo de conhecimento conhecido como inteligência artificial e Direito (AI&Law). Que campo é esse?
Juliano Maranhão –
O campo da inteligência artificial busca modelar o comportamento de agentes humanos inteligentes, na interpretação da realidade que os cercam e na tomada de decisão sobre como agir. Essa é a base para o desenvolvimento de agentes eletrônicos, de softwares. A aplicação ao direito busca modelar o comportamento de operadores do direito (juízes, advogados etc), o que pode ser aplicado a qualquer faceta de seu trabalho, que possa ser descrita como atividade racional.

ConJur – O senhor fala que “trata-se de desenvolver ferramentas inteligentes e aproximar os juristas de uma compreensão clara dos tipos de inferência envolvidos na atividade de elaboração, sistematização, interpretação e aplicação de regras”. Na prática, quais são essas ferramentas?
Juliano Maranhão – Mecanismos de busca de jurisprudência na internet, por exemplo, não baseada em termos chave, mas em teses jurídicas (o computador pode buscar casos com argumentos a favor ou contra uma determinada tese); geração automática de documentos (contratos, petições) cada vez mais personalizados e adequados à complexidade e diversidade de casos, apuração do risco de sucumbência e perspectiva de tempo para solução em potenciais demandas, bem como medidas de insegurança jurídica, permitindo a tomada de decisão sobre a judicialização; negociação automática de passivos, gestão da execução de contratos, acompanhamento processual automático, integração de escritórios com correspondentes; orientações preliminares a usuários sobre direitos e deveres (por exemplo, com relação a direitos do consumidor).

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