Opinião

"Lava jato" e mani pulite — um só jogo e muitos futuros

Autor

  • Ney Bello

    é desembargador no Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor da Universidade de Brasília (UnB) pós-doutor em Direito e membro da Academia Maranhense de Letras.

2 de março de 2016, 6h15

Nossa percepção de moralidade não permite, no plano do discurso, que nenhum de nós seja a favor da corrupção. Mesmo assim, alguns a justificam como inevitável — natural, embora nefasta — e outros não percebem, nos atos que praticam, qualquer imoralidade. Há sempre quem se imole na explicação de que os fins justificam os meios.

Muitos reclamam da corrupção dos outros, mas não fariam diferente se tivessem as mesmas oportunidades dos corruptos e dos corruptores. No espaço das suas vidas diárias furam filas, emitem notas fiscais frias, pedem recibo falso de dentista para abater no imposto de renda, dirigem com excesso de velocidade, presenteiam o fiscal do contrato com garrafas de uísque e estacionam nas vagas de deficientes ou idosos.

Um bom quinhão de cidadãos é feito daqueles que acham justificável o que fazem, ou convivem tranquilamente com a corrupção, mesmo dela discordando.

Obviamente há diferença entre dirigir a 120 km/h quando o limite de velocidade é 80 km/h e receber um R$ 1 milhão de propina por ato de ofício. Porém, a questão que ressona é de muita importância: a hipocrisia.

Boa parte dos indignados, na verdade, está revoltada com a crise econômica, com a ingovernabilidade e com a sensação de que alguém se deu bem — ganhando sem trabalhar ou desviando verbas — enquanto ele, o indignado, sofre para pagar as contas no fim do mês.

A corrupção deixa de ser o foco da sua reação. Acaso a economia estivesse boa, ou ele — o reagente — de alguma forma estivesse ganhando, não haveria indignação em altos níveis.

Mas ainda há outra parcela da população. Esta reage apenas contra a corrupção da esquerda e contra os desvios de dinheiro público combinados com programas sociais que distribuem bolsas e estabelecem cotas. São uma parcela dos eleitores vencidos na arena da democracia. Há seletividade na reclamação à medida que a corrupção de empresários e de políticos de direita não lhes causa tanta dor.

Há, sem dúvida alguma, bispos e torres neste jogo de xadrez que sempre praticaram atos similares, ou da mesma espécie ou diversos, porém igualmente corruptores. Estes indignados no discurso — apenas neste momento histórico — se dizem revoltados como se a corrupção fosse invenção mundial dos partidos de esquerda. Agem como se o tabuleiro do jogo milenar não contivesse as mesmas peças, em ambos os lados: para cada peão negro, há um branco… E os cavalos existem aos pares e de ambas as cores!

A lição que vem da Itália merece ser compreendida. Não conhecer o passado gera o risco da repetição dos erros e a má aventurança de um futuro igual ou pior que o presente.

A necessária, aplaudida e sempre desejada "operação mãos limpas" na Itália poderia ter refundado a república. Embora representando alguma correção de rumos, o processo político-judicial levou à ascensão e fortalecimento de grupos controladores do Estado com métodos iguais ou mais virulentos que os encontrados. A consequência foi a ascensão da corrupção fascista e a imposição, na Itália, de um quadro político de extrema direita com resultados e métodos bastante similares à corrupção previamente existente. Trocou-se Bettino Craxi por Silvio Berlusconi. Manteve-se a corrupção.

Tirou-se o seis — que merecia sair — e entronizou-se o meia dúzia — que não deveria ter chegado. Quem jogava com as pretas passou a jogar com as brancas. E nada mais!

O que existe de mais importante na operação "lava jato" — além de punir e afastar do cenário nacional quem comete crime contra o patrimônio público — é o fazimento das bases da política e da legitimação da República.

Refundar os alicerces sobre os quais os administradores, os empresários, os políticos e os cidadãos se relacionam com a coisa pública é o melhor resultado a ser obtido.

Não é razoável perder a chance de ver isso acontecer por pura limitação do discurso ideológico. Não é lídimo reduzir a importância do momento histórico que vivemos em razão de um olhar partidariamente interessado, ou conduzido pelo interesse pessoal.

A manutenção do erro de visão tornará essa época um momento para ser lembrado no futuro apenas como um xeque-mate político.

Já a exata compreensão da dimensão do tempo presente implicará a recriação do jogo, para que ele dure no tempo e mude a face do Brasil.

Depende da leitura a ser feita! Depende da intenção do leitor.

Autores

  • é desembargador no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Pós-doutor em Direito, professor, membro da Academia Maranhense de Letras.

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