Garantias constitucionais

"Crise dos direitos fundamentais suprime liberdades do cidadão brasileiro"

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25 de julho de 2016, 9h11

As recentes decisões de suspender as atividades do aplicativo de mensagens WhatsApp para garantir o andamento de investigações policiais violam o direito fundamental à livre comunicação. Mas são episódios que exemplificam a crise pela qual passam os direitos fundamentais no Brasil, que têm o Judiciário como um dos protagonistas.

Essa é a opinião do advogado Afonso Códolo Belice, que estuda o que ele chama de crise em seu mestrado em Direito Constitucional. Assessor jurídico da Câmara dos Deputados, Afonso é um dos signatários, ao lado do advogado Renato Galuppo, da petição entregue pelo PPS ao Supremo Tribunal Federal para suspender o último bloqueio do WhatsApp.

A liminar foi concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, o que deu alguma orientação para situações parecidas. O presidente do Supremo disse que o bloqueio do funcionamento do WhatsApp em todo o Brasil foi uma medida desproporcional.

Só que, segundo Afonso Belice, o desrespeito aos direitos fundamentais não se limita às comunicações. “Liberdades dos cidadãos estão sendo suprimidas em prol de uma dita ‘segurança social’. Baseiam-se supressões dos mais variados direitos, como trabalhistas e previdenciários, na vontade da maioria”, afirma, em entrevista à revista Consultor Jurídico.

O advogado acredita que o Brasil passa pela quarta geração dos direitos fundamentais. A terceira foi a Constituição Federal de 1988 e a redemocratização do país. Mas isso significa que esses direitos devem ser tratados com cautela, “o que não tem sido feito no Brasil”. “Necessitamos superar uma série de desafios para que o Estado Democrático de Direito vigore com sua total potência.”

Leia a entrevista:

ConJur – Por que o senhor considera que os direitos fundamentais passam por uma crise no Brasil? 
Afonso Códolo Belice – Liberdades dos cidadãos estão sendo suprimidas em prol de uma dita “segurança social”. Baseiam-se supressões dos mais variados direitos, como trabalhistas e previdenciários, na vontade da maioria. Parece-me ser aquela velha desculpa de regimes totalitários, onde a vontade do Estado representa fidedignamente a vontade do povo. 

ConJur – O direito de defesa é um dos direitos fundamentais atingidos por essa crise? Está sob "ataque"? 
Afonso Belice – A sociedade possui ânsia punitiva, e o sistema penal a reflete cruamente. Há um (pré) julgamento social. Garantias e direitos são deixados de lado para que haja punição severa dos culpados. Assim, maculam-se os procedimentos legais e garantistas, fazendo com que o réu seja visto como mais um delinquente a ser punido. E, como sempre, as penas mais severas recaem sobre aqueles localizados nos estratos mais baixos da sociedade. 

ConJur – Esse é um problema brasileiro? 
Afonso Belice – É um problema latino-americano como um todo. Se voltarmos o olhar, por exemplo, às características carcerárias da América Latina, vemos multiplicidade de delitos e violações flagrantes e contínuas dos direitos humanos que tem lugar, paradoxalmente, no seio dos sistemas de justiça penal. 

ConJur – Qual a relação entre as recentes decisões de bloqueio do WhatsApp e os direitos fundamentais?
Afonso Belice – Nesse caso, houve a cristalina violação do direito à comunicação. Afinal, o aplicativo de mensagens conseguiu algo impensável até a década passada: unir as mais diversas gerações em uma só plataforma de troca de informações, proporcionando a comunicação de maneira irrestrita.

Buscamos demonstrar em nossa ADPF que o WhatsApp é um meio muito democrático para o cidadão brasileiro se comunicar. Quiçá o mais democrático, graças à sua plataforma gratuita, simples e interativa. Argumentamos que a suspensão da atividade do aplicativo, baseado em controverso fundamento, viola o direito à comunicação, garantido constitucionalmente ao povo brasileiro. 

ConJur – Os direitos fundamentais são os mesmos desde 1988. Algo mudou? 
Afonso Belice – Estamos na era da quarta geração de direitos fundamentais, como a democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. O trato desses direitos deve ser realizado com muita cautela, o que não tem sido feito no Brasil. Há muita exclusão social, havendo manipulações de informações por setores governamentais e midiáticos, além de problemas estruturais do país. Necessitamos superar uma série de desafios para que o Estado Democrático de Direito vigore com sua total potência. 

ConJur – O Judiciário hoje tem dificuldade de cumprir a Constituição? 
Afonso Belice – Os três poderes possuem esta dificuldade. Aquele que figura como maior polo nas ações judiciais é exatamente a administração pública. Observamos o caos instalado, pois os próprios governos fazem gestões ineficientes e, por vezes, violadoras de direitos fundamentais, o que torna a inchar o Judiciário. 

ConJur – O juiz pode argumentar em nome do interesse da sociedade, genericamente, ou da credibilidade do Judiciário? Esse tipo de raciocínio tem sido cada vez mais comum em decisões judiciais. 
Afonso Belice – As decisões precisam ser fundamentadas. Ao magistrado é imposto o dever de resposta aos argumentos apresentados. O julgador se detém aos autos processuais, se não há argumentos reais e convincentes de que a sociedade será abalada no caso específico, sua decisão deve seguir como ordenado na legislação. 

ConJur – Quando comentou a decisão que liberou o WhatsApp de novo, o senhor afirmou que o Brasil precisa de mais diálogo institucional. O que quis dizer com isso?
Afonso Belice – As instituições brasileiras simplesmente não conversam entre si, e o caso do bloqueio do WhatsApp é flagrante disto. O Judiciário não se entende com a empresa, que não se entende com os órgãos de fiscalização técnica, que não emitem parecer sobre o caso. O Legislativo fica inerte, pois imagina que tudo já está regulamentado por ele. Então o Judiciário determina algo incrivelmente desproporcional, que depois precisa ser revisto por suas instâncias superiores. E ninguém entende nada, esse é o problema. Precisamos de diálogo.

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