Vacatio Legis

Data para entrada em vigor do novo CPC é dia 18 de março

Autor

  • Paulo Henrique dos Santos Lucon

    é presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Livre Docente doutor e mestre pela Faculdade de Direito da USP onde é professor associado. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB Seção de São Paulo. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo.

24 de fevereiro de 2016, 6h14

Após cinco anos de tramitação legislativa, aproxima-se o momento da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). Agora, com o término próximo do período de vacatio legis surge controvérsia quanto à data da entrada em vigor do novo Código. Discussão dessa natureza, a princípio, pode soar estranha àqueles que não pertencem ao mundo jurídico ou aos que não conhecem o modo de legislar brasileiro: como pode não haver consenso quanto ao dia exato em que uma nova lei entrará em vigor?

Dentre todos os dispositivos presentes em um texto de lei, este deveria ser o de menor disputa, dado o caráter objetivo de seus termos, que se reflete na tradicional expressão “esta lei entrará em vigor em…”. A adoção pelo Código de Processo Civil (artigo 1.045) de um critério distinto daquele estabelecido em lei para a fixação da vacatio legis, contudo, ensejou a polêmica. Eis o dispositivo: “este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”.

A depender do critério adotado para a contagem do prazo, se por dias ou pelo período de um ano, o Código entraria em vigor em dias distintos. Não é preciso discorrer muito sobre a importância de se ter clareza com relação a esse ponto: basta lembrar que a data de entrada em vigor do novo Código define o recurso cabível contra uma decisão e a fluência dos prazos processuais. Diante disso, apesar da perplexidade inicial da discussão, indispensável a tomada de posição a respeito.

O artigo 8º, §1º da Lei Complementar 95/98 estabelece que a contagem do prazo para a entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacatio legis será feita com a inclusão da data da publicação e da data do último dia do prazo, entrando a lei em vigor, então, no dia subsequente a este termo final. Quanto a isso não há divergência. O § 2º desse mesmo artigo, contudo, determina que o prazo de vacância seja fixado em dias. Ocorre que, o artigo 1.045 do Código de Processo Civil não levou em consideração essa orientação e estabeleceu como prazo de vacância o período de um ano. Em virtude dessa disparidade entre o que determina a LC 95/98 e o que foi estabelecido pelo novo CPC é que teve início toda a polêmica a respeito da entrada em vigor do novo Código. Alguns intérpretes tomaram o disposto no artigo 8, §2º da LC 95/98 como uma norma interpretativa a que se deve recorrer para compreensão do artigo 1.045 do novo Código. Assim sempre que fixado prazo de vacatio em anos, dever-se-ia fazer a conversão para o número de dias correspondentes para assim se determinar a entrada em vigor de uma nova lei.

A vigorar, portanto, tal interpretação, duas opções surgiriam quanto ao início da entrada em vigor do novo Código. Ao se assumir o ano como o período de 365 dias, dada a publicação do Código em 17 de março de 2015, a contagem se encerraria em 15 de março de 2016 e o Código entraria em vigor, logo, em 16 de março. Como este, contudo, é um ano bissexto, há quem entenda que deveria ser considerado ano como o período de 366 dias. Neste caso, a contagem se encerraria em 16 de março e o novo Código entraria em vigor no dia seguinte, 17 de março de 2016. Não concordamos com nenhuma dessas interpretações, porque atribuímos a LC 95/98 um âmbito de aplicação distinto.

Referida lei, em atenção ao artigo 59, parágrafo único da Constituição Federal, dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis. Daí se depreende, portanto, que tal lei tem como destinatário o legislador no exercício de sua atividade legiferante. Não consiste a LC 95/98, portanto, uma fonte de dispositivos que forneçam padrões de interpretação para a aplicação de outras normas, tampouco estabelece esta lei um determinado padrão de conduta a ser observado. Na verdade, “as regras de legística ou de técnica legislativa não são regras de interpretação ou aplicação do direito, mas sim instrumentos destinados a iluminar a conformação legislativa, tendo como destinatários os agentes habilitados a participar do processo legislativo” (Carlos Roberto de Alckmin Dutra, A exigência constitucional de qualidade formal da lei e seus reflexos no processo legislativo e no controle de constitucionalidade. Tese de Doutorado: USP, 2014). Não se trata, pois, de norma coercitiva que pode resultar na aplicação de uma determinada sanção pela desatenção a um de seus dispositivos. Também não há de se falar em eventual sobreposição da LC 95/98 sobre leis ordinárias como o Código de Processo Civil a exigir uma suposta adequação deste àquela, já que não há hierarquia entre leis complementares ou ordinárias, mas apenas reserva de competência.

Não sendo o caso, pois, de aplicação da LC 95/98 para fins de interpretação do novo Código de Processo Civil, não é correta, portanto, a interpretação que propugna a contagem da vacatio para a entrada em vigor do novo Código em dias. Em outras palavras, o fato de a Lei Complementar 95/98 determinar que a fixação do prazo de vacância se dê em dias não enseja interpretação de que o prazo fixado pelo artigo 1.045 do novo Código seja o de 365. Ao atribuir sentido a um determinado termo, o intérprete deve levar em consideração os significados já presentes no ordenamento jurídico.

Como o legislador, ao elaborar o Código, se valeu do critério “ano”, tem-se, então, de se recorrer aos critérios estabelecidos em lei para a contagem desse prazo. Nesse sentido, em uma interpretação sistemática, deve-se fazer uso da definição de ano civil estabelecida pelo artigo 1º da Lei 810/1949, segundo o qual “considera-se ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”. Assim, como o Código de Processo Civil de 2015 foi publicado em 17 de março de 2015, deve-se projetar essa data para o ano seguinte, entrando o Código, em vigor, portanto, no dia subsequente, ou seja, 18 de março de 2016.

Embora, por uma questão de prudência, talvez fosse mais recomendável a suspensão de prazos nesses dias que ensejam dúvidas (afinal o jurisdicionado não pode ser prejudicado por desacordos interpretativos), o jurista não pode deixar de se manifestar a respeito, e a nosso sentir, a data exata para a entrada em vigor do novo CPC não pode ser outra que o dia 18 de março.

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